Catecismo Ortodoxo
Parte II
Deus Manifestado no Mundo
4 - Queda do homem no pecado
a - Porque a queda do homem no pecado foi possível?
O Criador concedeu ao homem três grandes dons na sua
criação: liberdade, razão e amor. Esses dons são
indispensáveis para o crescimento espiritual e bênção
do homem. Mas aonde há liberdade há a possibilidade de hesitação
na escolha; assim a tentação é possível. A tentação
pela razão é o orgulho crescer na mente; é ao invés
de reconhecer a sabedoria e benignidade de Deus, procurar o conhecimento do
bem e do mal fora de Deus; desejar ser um "Deus". A tentação
pelo sentimento do amor é que ao invés do amor por Deus e o seu
próximo, tem amor, por si próprio e por tudo o que satisfaça
os seus baixos desejos e dê temporária alegria. Essa possibilidade
de tentação e queda esteve diante do ser humano, e o primeiro
homem não permaneceu firme contra ela.
Chamemos a atenção aqui, acerca da reflexão de São
João de Kronstadt sobre o assunto. Ele escreve: "Porque Deus permitiu
a queda do homem, sua amada criatura e a coroa de todas as criaturas terrestres?
Para essa questão deve responder-se assim: se não fosse permitido
ao homem cair, ele não poderia então ser criado à imagem
e semelhança de Deus; não poderia ser-lhe concedido livre arbítrio,
que é um aspecto inseparável da imagem de Deus, mas ele deveria
estar sujeito à lei da necessidade, como as criações sem
alma - o céu, o sol, estrelas, o círculo da terra e todos os
elementos, ou como os animais irracionais. Mas então não teria
havido rei sobre as criaturas da terra, nem cantor de hino racional da benignidade
de Deus, nem sabedoria, nem poder criativo, nem Providência. Pois o homem
não teria meios de mostrar sua fidelidade e devoção ao
criador, seu amor auto-sacrificante. Então não haveria bravura
na batalha, nem méritos ou coroas incorruptíveis pela vitória;
não teria bênção eterna que é a recompensa
pela fidelidade e devoção a Deus, nem repouso eterno depois dos
trabalhos e lutas da nossa peregrinação na terra".
b - A história da queda no pecado
O escritor d0 Livro do Génesis não nos conta
se os nossos primeiros ancestrais viveram por um longo período na abençoada
vida do Paraíso. Falando da sua queda, ele indica que eles não
tiveram tentação por si próprios, mas que foram a ela
conduzidos pelo tentador. "Ora a serpente era mais astuta que todas as
alimárias do campo que o Senhor Deus tinha feito, e esta disse à mulher: é assim
que Deus disse: não comereis de toda árvore do jardim? E disse
a mulher à serpente: do fruto das árvores do jardim comeremos,
mas do fruto da árvore que está no meio do jardim, disse Deus:
não comereis dele, nem nele tocareis, para que não morrais. Então
a serpente disse à mulher: certamente não morrereis. Porque Deus
sabe que no dia em que dele comerdes se abrirão os vossos olhos, e sereis
como Deus, sabendo o bem e o mal. E vendo a mulher que aquela árvore
era boa para se comer, e agradável aos olhos, e árvore desejável
para dar entendimento, tomou do seu fruto, e comeu, e deu também a seu
marido, e ele comeu com ela" (Gen. 3, 1-6).
A Igreja Cristã entendeu sempre a serpente, o tentador, como sendo o
diabo, que tomou a forma de serpente que tem melhor correspondência com
o seu carácter furtivo, astuto e venenoso. As palavras claras de Nosso
Senhor, acerca do diabo confirmam essa interpretação: "Ele
foi homicida desde o princípio" (Jo. 8, 44). No Apocalipse de João,
o Teólogo, ele é chamado de "o grande dragão, a velha
serpente" (Apc. 12, 9). Na Sabedoria de Salomão: "pela inveja
do diabo, a morte entrou no mundo" (Sab. 2, 24).
c - O que foi o pecado ao comer o fruto
A transgressão de nossos primeiros ancestrais foi essa: tendo sido tentados pela serpente, eles violaram o comando directo de Deus para não comer da árvore proibida. O atendimento nesse comando teria mostrado obediência a Deus e confiança em suas palavras, assim como humildade, e continência - uma soma de virtudes simples e naturais. O comer o fruto proibido trouxe após ele mesmo a soma completa de lamentáveis consequências morais e físicas.
d - As consequências morais da queda
O comer o fruto foi só o começo do desvio moral,
o primeiro empurrão; mas ele tão venenoso e ruinoso que já ficou
impossível retornar à prévia santidade e justiça.
Ao contrário, foi revelada uma tendência a andar mais adiante
no caminho da apostasia de Deus. Isso é visto no facto de que eles imediatamente
notaram sua nudez e, ouvindo a voz de Deus no Paraíso, eles se esconderam
dele, e justificaram-se só aumentando a sua culpa. Na resposta de Adão
a Deus, vemos desde o começo o desejo de fugir da vista de Deus e uma
tentativa de esconder a sua culpa, a falta de verdade nas suas palavras de
que ele tinha se escondido de Deus só porque estava nú, e então
a tentativa de uma auto-justificativa e o desejo de transferir a sua culpa
para outro, a sua mulher. Santo Agostinho diz: "aqui temos o orgulho,
porque o homem desejou estar mais sob sua própria autoridade do que
sob a de Deus; e um escárnio do que é santo, ele não acreditou
em Deus; é assassinato, porque ele sujeitou-se à morte; é adultério
espiritual, porque a imaculada alma humana foi corrompida pela persuasão
da serpente; e porque eles fizeram uso da árvore proibida; é amor
pela aquisição, porque ele desejou mais do que era necessário
para satisfazer-se".
Assim, com a primeira transgressão do comando, o princípio do
pecado imediatamente entrou no homem - "a lei do pecado" «monos
tis amartios». Ele golpeou a verdadeira natureza do homem e rapidamente
começou a enraizar-se nela e a desenvolver-se. Desse princípio
pecaminoso que entrou na natureza do homem, o Apóstolo Paulo escreveu: "Pois
eu sei que em mim, isto é, na minha carne, não habita bem algum;
e com efeito o querer está em mim, mas não consigo realizar o
bem. ... Porque, segundo o homem interior, tenho prazer na lei de Deus. Mas
vejo nos meus membros outra lei que batalha contra a lei do meu entendimento,
e me prende na lei do pecado que está nos meus membros" (Rom. 7,
18.22-23). As inclinações pecaminosas no homem tomaram a posição
reinante, o homem tornou-se "o servo do pecado" (Rom. 6, 7). Mente
e sentimentos tornaram-se escurecidas nele, e por isso a sua liberdade moral
frequentemente não o inclina para o bem, mas para o mal. Luxúria
e orgulho apareceram na base dos impulsos do homem para as actividades da vida.
Disso nós lemos em 1 Jo. 2, 15-16: "Não ameis o mundo, nem
o que no mundo há. Porque tudo o que há no mundo, a concupiscência
da carne, a concupiscência dos olhos, e a soberba da vida, não é do
Pai, mas do mundo". A concupiscência da carne é o enfraquecimento
da autoridade do espírito sobre o corpo, a sujeição dele
aos baixos desejos carnais; a concupiscência dos olhos significa o apego
aos falsos ídolos, ganância e fome pelo mundo, inveja; e orgulho é auto-estima,
egoísmo, auto-exaltação, desprezo pelos outros que são
mais fracos, amor-próprio e vanglória.
As observações psicológicas contemporâneas também
conduzem os investigadores à conclusão que concupiscência
e orgulho (a sede por ser melhor que os outros) são as principais alavancas
das lutas do homem decaído contemporâneo, mesmo quando estão
profundamente escondidos na alma e não são completamente conscientes.
e - As consequências físicas da queda
As consequências físicas da queda são
doenças, trabalho duro, e morte. Esses foram o resultado natural da
queda moral, o afastamento da comunhão com Deus, a partida do homem
de Deus. O homem tornou-se sujeito aos elementos corruptos do mundo, no qual
dissolução e morte estão activos. A nutrição
da fonte da vida e da renovação constante de todos os poderes
tornou-se fraca no homem. Nosso Senhor Jesus Cristo indica a dependência
entre doença e pecado quando ele cura o paralítico, dizendo-lhe: "Eis
que já estás são; não pequeis mais, para que não
te suceda alguma coisa pior" (Jo. 5, 14).
Com o pecado, a morte entrou na raça humana. O homem foi criado imortal
na sua alma e ele poderia ter permanecido imortal também no corpo se
ele não se tivesse afastado de Deus. A Sabedoria de Salomão diz: "Deus
não fez a morte" (Sab. 1, 13). O corpo do homem, como bem expressou
Santo Agostinho, não possui a "impossibilidade de morrer" mas
possui "a possibilidade de não morrer" que agora está perdida.
O escritor do Livro do Génesis informa-nos que essa "possibilidade
de não morrer" era mantida no Paraíso pelo comer do fruto
da Árvore da Vida, da qual nossos primeiros ancestrais foram privados
depois que foram banidos do Paraíso. "Pelo que, como por um homem
entrou o pecado no mundo, e pelo pecado a morte, assim também a morte
passou a todos os homens por isso que todos pecaram" (Rom. 5, 12). O Apóstolo
chama a morte de "salário"; isto é, o pagamento da
recompensa pelo pecado: "Porque o salário do pecado é a
morte" (Rom 6, 23).
f - Infortúnios e morte como castigo pedagógico de Deus
Infortúnios físicos não são só uma
consequência do pecado; ao mesmo tempo eles são castigos pedagógicos
de Deus, como foi revelado pela Palavra de Deus para com os nossos primeiros
pais quando eles foram banidos do Paraíso. É claro que esses
castigos são dados como meios de prevenir o homem de uma próxima
e final queda.
A respeito dos trabalhos e doenças dos homens decaídos, São
Cirilo de Alexandria diz que o homem: "tendo recebido um exaustivo jejum
e tristeza, foi dado a doenças, sofrimentos, a outras coisas amarguras
da vida como a um tipo de freio. Porque ele não se restringiu sensivelmente àquela
vida que era livre de trabalhos e tristezas, ele foi dado a infortúnios
de modo que pelos sofrimentos ele possa curar em si mesmo a doença que
veio sobre ele no meio das bênçãos («On the Incarnation
of the Lord»).
Da morte, esse mesmo Santo Padre diz: "Pela morte o dador da Lei para
a propagação do pecado, e no seu castigo purificador revela o
seu amor pela humanidade, tanto que, ao dar o comando e ao juntar a morte à transgressão
dele, ele também fez com que o criminoso que cria sob esse castigo,
tenha nele um meio de salvação. Pois a morte dissolve essa nossa
natureza animal e assim, de um lado para a actividade do mal, e do outro lado
livra o homem de doenças, liberta-os dos trabalhos, põe um fim
a suas tristezas e cuidados, e, para seus sofrimentos corporais com tal amor
pela humanidade, o Juiz preparou o castigo pedagógico" (mesma Homília).
g - A perda do Reino de Deus
No entanto, a consequência final e mais importante do pecado não foi a doença e a morte física, mas a perda do Paraíso. Essa perda do Paraíso é a mesma coisa que a perda do Reino de Deus. Em Adão toda humanidade foi privada da futura bênção que estava diante dela, a bênção que Adão e Eva experimentaram particularmente no Paraíso. Em lugar da projectada vida eterna, a humanidade contempla a morte, e após ela o inferno, trevas, e rejeição por Deus. Por isso, os Livros Sagrados do Velho Testamento estão cheios de pensamentos pesados a respeito da existência alem do túmulo: "Porque na morte não há lembrança de Ti; no sepulcro quem te levará?" (Sal. 6, 5). Não há uma negação da imortalidade, mas uma reflexão sobre as desesperadoras trevas além do túmulo. Tal consciência e tristeza eram aliviadas somente pela esperança de futura libertação pela vinda do Salvador: "Porque eu sei que meu Redentor vive e que por fim se levantará sobre a terra. E depois de consumida a minha pele, ainda em minha carne, verei a Deus" (Job 19, 25 -26). "Portanto está alegre meu coração e se regozija a minha glória: também a minha carne repousará segura. Pois não deixarás a minha alma no inferno, nem permitirás que o Teu Santo veja corrupção" (Sal. 16, 9-10).
h - A misericórdia de Deus para com o homem decaído
Depois da queda do homem no pecado, Deus não rejeitou
o homem pecador. Ele não tomou dele nem a sua imagem, que o distinguia
do reino animal; nem o seu livre-arbítrio; nem a sua razão pela
qual o homem era capaz de entender os princípios espirituais; nem as
suas outra capacidades. Deus agiu para com ele como um médico e educador:
Ele cobriu a sua nudez com roupas, moderou a sua auto-estima e orgulho, os
seus desejos carnais e as suas paixões, por meio de medidas curativas
- trabalhos e doenças - dando a isso um significado educacional. Nós
mesmos podemos ver o efeito educacional no trabalho, e o efeito de limpeza
da doença na alma. Deus sujeitou o homem à morte física
não para conduzi-lo para a morte espiritual final mas para que o princípio
pecaminoso nele não se desenvolve-se ao extremo, para que ele não
pudesse tornar-se como Satanás.
No entanto, esse freio natural de sofrimento e morte não elimina a verdadeira
fonte do mal. Ele só restringe o desenvolvimento do mal. Quase deveria
ser necessário para a humanidade ter um poder e auxílio sobrenaturais
que conseguiriam desenvolver uma reversão interna no homem e dar a ele
a possibilidade de mudar de uma gradual diminuição da vitória
sob o pecado para uma gradual ascensão para Deus. A Providência
de Deus previu a futura queda da vontade livre do homem que não tinha
se tornado forte. Prevendo a queda, Ele preparou um levantar. A queda de Adão
no pecado não foi uma perdição absoluta para a humanidade.
O poder que daria o renascimento, de acordo com a determinação
pré-eterna de Deus, seria a descida à terra do Filho de Deus.
Por pecado original, entenda-se o pecado de Adão, que foi transmitido
para seus descendentes e pesa sobre eles. A doutrina do pecado original tem
grande significado na visão do mundo Cristão, porque sobre ele
repousa uma série de outros dogmas.
A Palavra de Deus ensina-nos que por Adão "todos pecaram": "...por
um homem entrou o pecado no mundo, e pelo pecado a morte, assim também
a morte passou a todos os homens por isso que todos pecaram" (Rom. 5,
12). "Quem do imundo tirará o puro? Ninguém, se ele tiver
vivido ainda que um só dia na terra" (Job 14, 4-5 - septuaginta). "Eis
que em iniquidade fui formado, e em pecado me concebeu a minha mãe" (Sal.
51, 6); "a semente da corrupção está em mim" (Orações
Vespertinas).
A fé comum da antiga Igreja Cristã na existência do pecado
original pode ser vista no antigo costume de baptizar as crianças. O
Concílio Local de Cartago, em 252, composto de 66 Bispos sob a presidência
de São Cipriano, decretou o seguinte contra os heréticos: "não
proibir (o Baptismo) de uma criança, ainda que recém-nascida,
pois ela não pecou em nada à parte dela proceder da carne de
Adão. Ela recebeu o contágio da antiga morte pelo seu nascimento,
e ela é então mais fácil de receber a remissão
dos pecados porque não são os seus, mas os pecados de outros
que são remidos" (a mesma coisa é estabelecida no Cánon
110 do "Código Africano", aprovado por 217 Bispos em Cartago,
em 419 e ratificado pelo Concílio de Trullo em 692 e pelo Sétimo
Concílio (787). O Cánon 110 termina: "por conta dessa regra
de fé mesmo crianças, que não tenham cometido pecados
por elas próprias, são baptizadas pela remissão dos pecados,
de maneira que o que há nelas pelo resultado de geração
seja limpo através da regeneração", «The Seven
Ecumenical Councils», Eerdmans, p. 497).
Este é o modo pelo qual a "Encíclica dos Patriarcas Orientais" define
o resultado da queda no pecado: "caído pela transgressão,
o homem tornou-se como as criaturas irracionais. Isso é, ele tornou-se
escurecido e foi privado de perfeição e de paixão. Mas
ele não foi privado da natureza e do poder que ele recebeu do boníssimo
Deus. Pois se ele fosse privado assim, ele teria se tornado irracional, e não
mais um homem. Mas ele preservou aquela natureza, de modo a, de acordo com
a natureza, poder escolher e fazer o bem e fugir e afastar-se do mal" (Encíclica
dos Patriarcas Orientais, parágrafo 14).
Na história da antiga Igreja Cristã, Pelágio e os seus
seguidores negaram a herança do pecado (a heresia do Pelagianismo).
Pelágio afirmava que todo homem só repete o pecado de Adão,
executando de novo a sua própria queda pessoal. No pecado, e seguindo
o exemplo de Adão por causa de sua própria fraca vontade. No
entanto, na sua natureza permanece a mesma de quando foi criado, inocente e
pura, a mesma do primeiro-criado Adão. Além disso, doença
e morte são características de sua natureza desde sua criação,
e não são as consequências do pecado original.
O abençoado Santo Agostinho colocou-se contra Pelágio com grande
poder de prova. Ele citou:
(a) testemunhos da Divina Revelação a respeito do pecado original,
(b) o ensinamento dos antigos pastores da Igreja,
(c) o antigo costume de baptizar crianças,
(d) os sofrimentos e infortúnios dos homens, inclusive crianças,
que são as consequências da universal e herdada pecaminosidade
do homem.
No entanto, Santo Agostinho, não escapou do extremo oposto, lançando
a ideia de que no homem decaído qualquer liberdade independente para
fazer o bem tinha sido completamente aniquilada, a menos que a graça
viesse em seu auxilio.
Dessa disputa no ocidente foram formadas subsequentemente duas tendências,
uma das quais foi seguida pelo Catolicismo Romano, e a outra pelo Protestantismo.
Teólogos católicos-romanos consideram que a consequência
da queda foi a remoção dos homens de um dom sobrenatural da graça
de Deus, após o que o homem ficou em condição "natural",
a sua natureza não foi prejudicada mas só levada para a desordem
porque a carne, o lado corporal, veio a dominar o lado espiritual. O pecado
original, sob esse ponto de vista, consiste no facto que a culpa de Adão
e Eva perante a Deus passou para todos os homens.
A outra tendência no ocidente vê no pecado original a completa
perversão da natureza humana e a sua corrupção a um nível
muito profundo, até as suas próprias bases (a visão aceite
por Martinho Lutero e João Calvino). Mas as novas “seitas” do
Protestantismo, reagindo por sua vez contra os extremos de Martinho Lutero,
foram tão longe que chegaram à completa negação
do herdado pecado original.
Entre os pastores da Igreja Oriental não há dúvida sobre
o ensinamento seja do pecado ancestral herdado em geral, ou sobre as consequências
desse pecado para a natureza humana em particular.
A teologia Ortodoxa não aceita os pontos extremos de ensinamento de
Santo Agostinho; mas igualmente não aceita o ponto de vista Católico-Romano
(posterior) que tem um carácter muito legalista e formal. A base do
ensinamento católico-romano está em:
a - um entendimento do pecado de Adão como uma ofensa infinitamente
grande contra Deus;
b - depois dessa ofensa seguiu-se a ira de Deus;
c - a ira de Deus manifestou-se pela remoção dos dons sobrenaturais
da graça de Deus;
d - a remoção da graça trouxe após si a submissão
do princípio espiritual ao princípio carnal, e uma queda mais
profunda no pecado e na morte.
Disso vem a visão particular da redenção executada pelo
Filho de Deus; para restaurar a ordem que havia sido violada, seria necessário
antes de tudo dar satisfação da ofensa feita a Deus, e com isso
remover a culpa da humanidade e a punição que pesava sobre ela.
As consequências do pecado ancestral são aceites pela Teologia
Ortodoxa diferentemente.
Após a sua primeira queda, o próprio homem afastou-se em alma
de Deus e tornou-se menos receptivo à graça de Deus que estava
aberta para ele. Ele cessou de prestar atenção à voz divina
a ele endereçada, e isso conduziu-o ao posterior aprofundamento do pecado.
No entanto, Deus nunca privou a humanidade da sua misericórdia, auxílio,
graça, especialmente o seu povo escolhido; e desse povo vieram grandes
homens justos como Moisés, Elias, Eliseu, e os profetas posteriores.
O Apóstolo Paulo, na Epístola aos Hebreus, lista uma ampla lista
dos justos do Velho Testamento, dizendo que eles são: "dos quais
o mundo não era digno" (Heb. 11, 38). Todos eles eram aperfeiçoados
não sem um dom do alto, não sem a graça de Deus. O Livro
dos Actos cita as palavras do primeiro mártir, Estêvão,
onde ele diz a respeito de David que ele "achou graça diante de
Deus, e pediu que pudesse achar tabernáculo para Deus de Jacob" (Act.
7, 6); isto é, para construir um Templo para ele. O maior dos profetas,
São João, o Precursor, esteve "cheio do Espírito
Santo, já desde o ventre de sua mãe" (Lc. 1, 15). Mais os
justos do Velho Testamento não poderiam escapar do grupo geral dos homens
caídos após a morte, permanecendo nas trevas do inferno, até a
fundação da Igreja Celeste; isto é, até a Ressurreição
e Ascensão de Cristo. O Senhor Jesus Cristo destruiu os portões
do inferno e abriu o caminho para o Reino do Céu.
Não se deve ver a essência do pecado - incluindo o pecado original
- só na dominância da carne sobre o espírito como a teologia
católica-romana ensina. Muitas inclinações pecaminosas,
algumas muito sérias, têm a ver com qualidades de ordem espiritual,
tais como orgulho, que, de acordo com as palavras do Apóstolo, é a
fonte, junto com a concupiscência do estado geral do pecado do mundo
(1 Jo. 2, 15-16). O pecado está também presente em espíritos
malignos que não têm nenhuma carne. Na Sagrada Escritura a palavra "carne" significa
uma condição de não ter renascido, uma condição
oposta a ser renascido em Cristo "O que é nascido da carne é carne,
e o que é nascido do Espírito é espírito" (Jo.
3, 6). É claro, que isso não é para negar uma série
completa de paixões e inclinações pecaminosas originadas
na natureza corpórea, que a Sagrada Escritura também mostra (Rom.
7).
Assim, o pecado original é compreendido pela teologia ortodoxa como
uma inclinação pecaminosa que entrou na humanidade e tornou-se
uma doença espiritual.
Nota: Talvez nenhuma doutrina da Igreja Ortodoxa tenha causado discussões
e desentendimento tão acalorados em nossos dias como a doutrina do pecado
original ou ancestral. Os desenvolvimentos usualmente ocorrem ou pelo desejo
de definir a doutrina muito precisamente, ou pela reacção exagerada
a essa excessiva precisão. As expressões dos primeiros padres
em geral (exceptuando Santo Agostinho no ocidente) não entram no "como" dessa
matéria mais simplesmente colocada: "Quando Adão transgrediu,
seu pecado atingiu todos os homens" (Santo Atanásio, o Grande, «Four
Discourses Against thr Arians», 1 51, Eerdmans tradução
inglesa, p. 336).
Alguns Cristãos Ortodoxos erradamente defenderam a noção
Agostiniana da "culpa original" - isto é, que todos os homens
herdaram a culpa do pecado de Adão - e outros, indo para o extremo oposto,
negaram completamente a herança do estado pecaminoso de Adão.
O Padre Michael correctamente aponta em sua equilibrada apresentação
de que, de Adão nós herdamos de facto a nossa tendência
ao pecado, junto com a morte e corrupção que são agora
parte da nossa natureza, mas nós não herdamos a culpa do pecado
pessoal de Adão.
O termo "pecado original" vem do tratado de Santo Agostinho «De
Peccato Originale», e algumas pessoas imaginam que meramente usar esse
termo implica na aceitação dos exageros agostinianos nessa doutrina.
Isso, lógico, não é um caso obrigatório.
Em grego (e russo) existem dois termos usados para expressar esse conceito,
usualmente traduzidos por "pecado original" e "pecado ancestral".
Um professor Ortodoxo da Igreja Grega Velho Calendarista descreve os termos
assim:
"
Existem dois termos usados em grego para "pecado original". O primeiro, «progoniki
amartia» é usado frequentemente pelos pPadres (São Simão
o Novo Teólogo, São Máximo o Confessor). Sempre vi esse
termo traduzido por "pecado original", apesar dos teólogos
gregos serem cautelosos quando usam o termo para distingui-lo do termo que é usado
para traduzir Santo Agostinho. A segunda expressão que se vê é «to
propatorikon amartima», que é literalmente "pecado ancestral".
John Karmiria, o Teólogo grego sugere em seus volumes dogmáticos
que o último termo, usado nas últimas confissões, não
sugere algo tão forte quanto o "pecado original" agostiniano,
mas certamente sugere que "todo mundo é concebido no pecado".
Existem algumas reacções extremas contra e a favor do pecado
original. Como teólogos gregos recentes têm apontado, o pecado
original na Ortodoxia é tão ligado à noção
de divinização «theosis» e à parte não
maculada do homem (e assim à Cristologia) que a colocação
agostiniana exagerada (da natureza decaída do homem) causa algum desconforto.
Na expressão "pecado original" o ocidente frequentemente inclui
culpa original, que assim obscurece o potencial divino no homem e torna o termo
incomodo, Não há por certo, nenhuma noção de culpa
original na Ortodoxia. A noção ocidental compromete o objectivo
espiritual do homem, a sua «theosis» e fala dele, homem, de uma
maneira muito baixa. No entanto, rejeitar o conceito por conta desse desentendimento,
pode tender a elevar demasiadamente o homem - coisa perigosa em tempos tão
arrogantes quantos os nossos. A visão Ortodoxa equilibrada é que
o homem recebeu a morte e a corrupção através de Adão
(pecado original); apesar de não participar da culpa de Adão.
Muitos Ortodoxos, no entanto, aceitaram uma tradução impossível
de Romanos 5, 12 que não diz que todos nós pecamos em Adão
mas que, como Adão, todos pecamos e encontramos a morte" (Arquimandrita
Crisóstomos, Mosteiro São Gregório Palamas, Hayesville,
Ohio)
A versão do King James traduz correctamente Rom. 5, 12 como: "assim
passou a morte a todos os homens, por isso que todos pecaram". A tradução
latina do último trecho, "em quem todos pecaram" exagera a
doutrina e implica em dizer que todos os homens são culpados do pecado
de Adão.
Arcebispo Primaz Katholikos
S.B. Dom ++ Paulo Jorge de Laureano – Vieira y Saragoça
(Mar Alexander I da Hispânea)
Última actualização deste
Link em 01 de Outubro
de 2011