Catecismo Ortodoxo

Parte I

Deus em Si Própio

2. O dogma da Santíssima Trindade
a - Introdução

Deus é uno em Essência e triplo em Pessoas. Uma série completa, de grandes Dogmas da Igreja que estão baseados imediatamente sobre ele, começando primeiro com o dogma de nossa Redenção. Por causa de sua especial importância, a doutrina da Santíssima Trindade constitui o conteúdo de todos os Símbolos da Fé que foram usados e que são usados agora na Igreja Católica Ortodoxa, assim como de todas as confissões privadas de fé escritas em várias ocasiões pelos Padres da Igreja.
Porque o dogma da Santíssima Trindade é o mais importante dos dogmas Cristãos, ele é o mais difícil de ser compreendido pela mente humana limitada. Por essa razão é que nenhuma batalha na história da Igreja Antiga foi tão intensa quanto a que existiu sobre esse dogma e as verdades que são imediatamente ligadas a ele.
O dogma da Santíssima Trindade inclui em si duas verdades fundamentais:
1 - Deus é uno em Essência, mas triplo em pessoa. Em outras palavras, Deus é Tri-único, é Tri-Hipostático, é Trindade Una em Essência;
2 - As hipóstases têm atributos pessoais ou hipostático: Deus não é gerado, o Filho é gerado pelo Pai; o Espírito Santo procede do Pai.
Nós adoramos a Santíssima Trindade com uma única e inseparável adoração. Na Igreja, Santos Padres e Ofícios Divinos, a Trindade é frequentemente chamada de Unidade na Trindade, Unidade Tri-Hipostática. Em sua maioria, as orações dirigidas a uma pessoa da Trindade terminam com a glorificação ou doxologia de todas as Três Pessoas (por exemplo numa oração para o Senhor Jesus Cristo: "Pois glorificado és Tu, junto com Teu Pai não originado, e o Espírito Santo, agora e sempre. Amén").
A Igreja, dirigindo uma oração à Santíssima Trindade, invoca-a no singular e não no plural. Por exemplo "por Ti" (e não Vós) louvam todos os poderes celestes, e para Ti (não Vós) nós damos glória ao Pai, ao Filho e ao Espírito Santo, agora e sempre e pelos séculos dos séculos. Amén".
Reconhecendo a natureza mística desse dogma, a Igreja de Cristo vê nele uma grande revelação que exalta a Fé Cristã incomparavelmente acima de qualquer confissão de simples monoteísmo, tal como podem ser encontradas em religiões não Cristãs. O dogma das Três Pessoas indica a completude da mística vida interior em Deus, pois Deus é amor e o amor de Deus não pode ser meramente estendido para o mundo criado por Ele; na Santíssima Trindade esse amor é dirigido também para o interior da vida divina. O dogma das Três Pessoas indica-nos ainda mais claramente a proximidade de Deus com o mundo: Deus acima de nós, Deus connosco, Deus em nós e em toda criação.
Acima de nós está Deus o Pai, a eternamente e fluente Fonte, como é expressado na oração da Igreja, a Fundação de todos os seres, o Pai misericordioso que nos ama e cuida de nós, Sua criação pois nós somos Seus filhos por graça.
Connosco está Deus o Filho, gerado pelo Pai, que pelo Seu divino amor se manifestou aos homens como Homem para que pudéssemos saber e ver com os nossos próprios olhos que Deus está connosco muito intimamente, partilhando a carne e o sangue connosco (Heb. 2, 14) do modo mais perfeito.
Em nós e em toda criação - por Seu poder e graça - está o Espírito Santo, que enche tudo, é o Dador da vida, Consolador, tesouro e Fonte de coisas boas. Tendo uma existência eterna e pré-eterna, as Três Pessoas Divinas foram manifestadas ao mundo com a chegada e Encarnação do Filho de Deus, "sendo um Poder, uma Essência, uma Divindade" (Estiqueria de Pentencostes, Glória ao Pai dos Salmos no Lucernário)

Porque Deus em sua verdadeira Essência é totalmente consciência e pensamento, cada uma das três manifestações eternas de si mesmo pelo Deus uno tem auto-consciência, e por isso cada um é uma Pessoa. Além disso, essas Pessoas não o são simplesmente, estão contidas na própria unidade da Essência de Deus. Assim, quando na Doutrina Cristã nós falamos da Tri-Unidade de Deus, nós falamos da mística vinda interior escondida nas profundezas da Divindade, que revelam ao mundo em tempo, no Novo Testamento pela descida do Filho de Deus, do Pai, ao mundo e pela actividade, do miraculoso, vivificante, e poder salvador do Consolador, o Espírito Santo.

b - Indicações da Trindade no Velho Testamento

A verdade da Tri-Unidade de Deus só é expressa de maneira velada no Velho Testamento, só meio revelada. Os testemunhos do Velho Testamento acerca da Santíssima Trindade são revelados e explicados na luz da Fé Cristã, como o Apóstolo Paulo escreveu a respeito dos judeus: "E até hoje, quando é lido Moisés, o véu está posto sobre o coração deles. Mas quando se converterem ao Senhor, então o véu retirar-se-á... será tirado em Cristo" (2 Cor 3, 15-16).
As principais passagens no Velho Testamento que testemunham a Trindade de Deus são as seguintes:
Génesis 1, 1 e os seguintes versículos: o nome de Deus ("Elohim") no texto hebraico tem a forma gramatical de número plural.
Génesis 1, 26: "E disse Deus: façamos o homem à nossa imagem, conforme a nossa semelhança". O número plural indica aqui que Deus não é uma só pessoa.
Génesis 3, 22: "Então disse o Senhor Deus: Eis que o homem (Adão) é como um de nós, sabendo o bem e o mal" (essas são as palavras de Deus antes do banimento dos nossos ancestrais do Paraíso).
Génesis 11, 6-7: Antes da confusão de línguas no prédio da torre de Babilónia, o Senhor disse: "Eis, desçamos e confundamos ali a sua língua".
Génesis 18, 1-3: A respeito de Abraão: "Depois apareceu-lhe o Senhor nos carvalhos de Manbré... e (Abraão) levantou os olhos, e olhou e eis que três varões estavam em pé junto a ele... e inclinou-se à terra e disse: Meu Senhor, se agora tenho achado graça aos teus olhos, rogo-te que não passes de Teu servo". O bendito Santo Agostinho diz nessa passagem: "Vós vedes que Abraão encontra Três mas prostrasse só para Um. Tendo contemplado Três, ele compreendeu o mistério da Santíssima Trindade, e tendo-se prostrado para Um, ele confessa Um Deus em Três Pessoas.
Além destas passagens, os Padres da Igreja vêem uma referência indirecta à Trindade nas seguintes:
Números 6, 24-26: A bênção sacerdotal indicada por Deus através de Moisés está em forma tripla: "O Senhor te abençoe... o Senhor faça resplandecer o Seu rosto sobre ti... o Senhor sobre ti levante o Seu rosto....".
Isaías 6, 13: A doxologia dos Serafins que estavam acima do Trono de Deus é em forma tripla: "Santo, Santo, Santo é o Senhor dos Exércitos".
Salmo 33, 6: "Pela palavra do Senhor foram feitos os céus, e todo o exército deles pelo Espírito em Tua boca".
Finalmente, pode indicar-se aquelas passagens no Velho Testamento aonde o Filho de Deus e o Espírito Santo são referidos separadamente. Por exemplo a respeito do Filho:
Salmo 2, 7: "...Tu és meu Filho, eu hoje te gerei".
Salmo 110, 1.3: "Disse o senhor ao meu Senhor... como vindo do seio da aurora, será o orvalho da Tua mocidade".
A respeito do Espírito Santo:
Salmo 143, 10: "...guie-me o Teu bom Espírito por terra plana". Isaías 48, 16: "...e agora o Senhor Jeová enviou-me o seu Espírito".

c - O ensinamento da Santíssima Trindade no Novo Testamento

A Trindade das Pessoas em Deus foi revelada no Novo Testamento na vinda do Filho de Deus e na descida do Espírito Santo. O envio para a terra pelo Pai do Deus Filho e do Espírito Santo constitui o conteúdo de todos os escritos do Novo Testamento. Logicamente, esta manifestação para o mundo de Deus Tri-único não é dada aqui em fórmula dogmática, mas como relatos das manifestações e feitos das pessoas da Santíssima Trindade.
A manifestação de Deus na Trindade foi completada no Baptismo do Senhor Jesus Cristo, razão pela qual esse Baptismo é chamado de "Teofania" ou "manifestação de Deus". O Filho de Deus, tendo-se tornado homem, aceitou o Baptismo por água; o Pai testemunhou-o; e o Espírito Santo confirmou a verdade falada pela voz de Deus, por sua vez na manifestação de uma pomba, como é expresso no tropário dessa festa: "Senhor, em teu Baptismo no Jordão foi revelada a adoração devida à Trindade pois a voz de Deus Pai deu testemunho em Ti, chamando-Te Filho Bem-Amado; e o Espírito, sob a forma de uma pomba confirmou esse testemunho inabalável. Ó, Cristo Nosso Deus, que apareceste entre os homens e iluminaste o mundo, glória a Ti!"
No Novo Testamento existem expressões a respeito de Deus Tri-único; nelas, a maioria de modo condensado mas ao mesmo tempo de forma precisa expressam a verdade da Santíssima Trindade:
Mateus 28, 19: "Portanto ide, ensinai todas as nações, baptizando-as em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo"; desse trecho, Santo Ambrósio de Milão comenta: "O Senhor disse, ‘em nome’ e não ‘Nos nomes’, porque Deus é um. Não há muitos nomes; por isso não há dois ou três deuses".
2 Cor. 13, 13: "A graça do Senhor Jesus Cristo, e o amor de Deus, e a comunhão do Espírito Santo, seja com vós todos. Amén".
Jo. 15, 26: "Mas quando vier o Consolador, que eu da parte do pai vos hei-de enviar, aquele Espírito de verdade que procede do Pai, ele testificará de mim".
1 Jo. 5, 7: "Porque três são os que testificam no céu: o Pai, o Verbo, e o Espírito Santo; e esses três são um" (Este versículo não existe nos antigos manuscritos gregos que foram preservados e está presente só nos manuscritos ocidentais latinos).

Além disso, Santo Atanásio, o Grande, interpreta como referência à Trindade o seguinte texto da Epístola aos Efésios (4, 6): "Um só Deus e Pai de todos, o qual é sobre todos (Deus Pai) e em todos (Deus o Espírito Santo)". Na verdade, toda a Epístola do Apóstolo Paulo aos Efésios - especialmente os três primeiros capítulos dogmáticos - é uma revelação da verdade da "ecónomia trinitária" da nossa salvação.

d - O dogma da Santíssima Trindade na Igreja Antiga

A Igreja de Cristo em toda a sua complexidade confessou a verdade da Santíssima Trindade desde o seu início. Por exemplo, Santo Irineu de Lion, um discípulo de São Policarpo de Esmirna, que foi instruído pelo Apóstolo João, o Teólogo, fala claramente da universalidade da fé na Santíssima Trindade: "Apesar da Igreja estar dispersa pelo mundo habitado inteiro, aos confins da terra, ela recebeu fé em um Deus o Pai Todo Poderoso... e em um só Senhor Jesus Cristo o Filho de Deus, que foi encarnado para nossa salvação e no Espírito Santo que proclamou a economia de nossa salvação através dos Profetas... tendo recebido essa pregação e essa fé, a Igreja apesar de estar espalhada pelo mundo inteiro, como já dissemos, preserva cuidadosamente essa fé como se estivesse morando em uma só casa. Ela acredita nisso (em todo o lugar) identicamente, como se tivesse uma só alma e um só coração, e prega isso com uma só voz, ensinando e transmitindo como se fosse uma só boca. Apesar de existirem muitos dialectos no mundo, o poder da Tradição é o mesmo. Nenhum dos líderes das Igrejas contradirá isso, nem ninguém, seja poderoso em palavras ou não instruído, enfraquece a Tradição".
Defendendo a verdade católica da Santíssima Trindade contra os heréticos, os Santos Padres não só citaram como prova o testemunho da Sagrada Escritura mas eles também confiaram no testemunho dos primeiros cristãos. Eles indicaram:
1 - o exemplo dos mártires e confessores que não tiveram medo de declarar sua fé no Pai, no Filho e no Espírito Santo;
2 - os escritos dos Padres Apostólicos, e em geral, os escritores cristãos antigos;
3 - as expressões que são usadas nos Ofícios Divinos.
Assim São Basílio, o Grande cita a Pequena Doxologia: "Glória ao Pai, ao Filho no Espírito Santo"; e outra: "A Ele (Cristo) com o Pai e o Espírito Santo seja dada honra e glória pelos séculos dos séculos". E São Basílio diz que essa doxologia era usada nas Igrejas desde o tempo em que o Evangelho foi anunciado. Ele também aponta para a Oração de Agradecimento no acender das luzes, ou o Hino de Véspera, chamando-o de hino "antigo" legado "pelos padres" e, ele cita as palavras "Nós cantamos o Pai, o Filho e o Espírito Santo de Deus", de modo que a mostrar a fé dos antigos Cristãos no louvor igual do Espírito Santo com o Pai e com o Filho.
Existem igualmente muitos testemunhos dos antigos padres e professores da Igreja a respeito do facto de que a Igreja desde os primeiros dias de sua existência fez os Baptismos em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo, como três Pessoas Divinas, e acusou os heréticos que tentaram baptizar ou em nome somente do Pai, considerando o Filho e o Espírito Santo serem poderes inferiores ou em nome do Pai e do Filho, e mesmo do Filho sozinho, minimizando assim o Espírito Santo (ver os testemunhos de Justino, o Mártir, Tertuliano, Irineu, Cipriano, Atanásio, Hilário, Basílio, o Grande e outros).
A Igreja, no entanto, experimentou grandes perturbações e passou por uma grande batalha na defesa do dogma da Santíssima Trindade. A batalha foi travada principalmente em dois pontos: primeiro na afirmação da verdade da unidade de louvor do Espírito Santo com Deus Pai e Deus Filho.
No período antigo, o objectivo dogmático da Igreja foi achar palavras precisas para esse dogma que pudessem proteger melhor o dogma da Santíssima Trindade contra as re-interpretações dos heréticos. Desejando trazer o mistério da Santíssima Trindade um pouco mais perto dos nossos conceitos terrenos, trazer o que está além da compreensão um pouco mais perto daquilo que é compreensível, os Padres na Igreja usaram comparações na natureza. Entre elas estão:
a - o sol, seus raios e a luz;
b - a raiz, o tronco e a fruta de uma arvore;
c - a nascente de água, a fonte e o rio que dela sai;
d - três velas que queimam simultaneamente e que dão uma luz única e inseparável;
e - o fogo, a luz e o calor que vem dele;
f - mente, vontade, memória;
g - consciência, conhecimento e desejo; e assim por diante.
Mas eis o que diz São Gregório, o Teólogo a respeito dessas tentativas de comparação: "Eu examinei cuidadosamente essa questão em minha mente, e olhei-a sobre todos os pontos de vista, de modo a encontrar alguma semelhança com o mistério, mas fui incapaz de encontrar qualquer coisa na terra que pudesse ser comparada à natureza da divindade. Pois, mesmo que eu percebesse alguma pequena parecença, esta escapava-me na sua maior parte, e derrubava-me junto com meu exemplo. Eu pintei para mim uma nascente, uma fonte e um rio, como outros haviam feito antes, para ver se a primeira poderia ser análoga ao Pai, a segunda ao Filho e o terceiro ao Espírito Santo. Pois para as Três Pessoas não há distinção no tempo, nem Elas são tiradas de suas conexões com a de cada uma das outras, apesar delas parecerem estar partidas em três personalidade. No entanto, eu estava em primeiro lugar temeroso de ter que apresentar um fluxo da divindade, incapaz de permanecer imóvel; e em segundo lugar, que por essa figura fosse introduzida uma unidade numérica. Pois a nascente, a fonte e o rio são numericamente um, apesar de formas diferentes".

"Novamente, eu penso no sol, no raio e na luz. No entanto, aqui também houve um temor que no mínimo as pessoas viessem a ter ideia de composição na incomposta natureza, tal como se existe no sol e as coisas que estão no sol. E além disso nós estaríamos dando Essência ao Pai e negando personalidade aos outros fazendo-os somente poderes de Deus, existindo Nele e não pessoalmente. Pois nem o raio nem a luz é outro sol, mas eles são só emanações do sol, e qualidades de sua essência. E assim, finalmente, seguindo com a ilustração, nós estaríamos atribuindo a Deus tanto ser quanto não ser, o que é ainda mais monstruoso... Numa palavra, não há nada que apresente um ponto firme nessas ilustrações do qual eu possa considerar o objecto que eu estou tentando representar para mim, a menos que se possa indulgentemente aceitar um ponto na imagem enquanto rejeitando o resto. Finalmente, parece melhor para mim que eu deixe que se vá a imagem e também a sombra, por serem enganosas e muito distantes da verdade, e inclinando-me para a concepção mais reverente, e apoiando-me em algumas palavras, usando a orientação do Espírito Santo, mantendo até o fim como minha genuína camarada e companheira iluminação que eu recebi dele, e passando por esse mundo a persuadir outros com o melhor do meu poder a adorar o Pai, Filho e o Espírito Santo, a Divindade e Poder Uno" (São Gregório, o Teólogo, Homília 31, "On the Holy Spirit" secções 31-33; tradução inglesa em Nicene and Post-Nicene Fathers, second series, Vol. VII, p. 328; Eederman).

e - Os atributos pessoais das Pessoas Divinas

Os atributos pessoais, ou hipostáticos da Santíssima Trindade são designados assim: O Pai é não-gerado; o Filho é gerado pré-eternamente; o Espírito Santo procede do Pai.
"Apesar de termos sido ensinados que existe uma distinção entre geração e progressão, em que consiste essa distinção, e o que é a geração do Filho e a processão do Espírito Santo do Pai — isso nós não sabemos" (São João Damasceno).
Nenhum tipo de cálculo lógico a respeito do que geração e processão significam é capaz de revelar o mistério interior da vida divina. Concepções arbitrárias podem até mesmo conduzir a distorções do ensinamento Cristão. As expressões que o Filho é "gerado pelo Pai" e que o Espírito "procede do Pai" são simples e precisas transmissões das palavras da Sagrada Escritura. Do Filho é dito que ele é "O unigénito do Pai (único gerado)" (Jo. 1, 14; 3, 16); da mesma forma "O Senhor disse-me: Tu és meu Filho, eu hoje te gerei" (Sal. 2, 7; as palavras deste Salmo são também citadas na Epístola aos Hebreus, 1, 5; 5, 5). O dogma da processão do Espírito Santo repousa sobre a directa e precisa expressão do Salvador: "Mas quando vier o Consolador, que eu da parte do Pai vos hei de enviar, aquele Espírito de verdade que procede do Pai, ele testificará de mim" (Jo. 15, 26). Na base das expressões citadas acima, as do Filho são usualmente ditas no verbo passado, isto é que Ele é "gerado" e as do Espírito Santo no presente, isto é que Ele "procede". No entanto, essas validações de forma gramatical não indicam qualquer relação com o tempo de maneira alguma. Ambas "geração" e "processão" são "desde toda eternidade", "fora do tempo".
O dogma da geração do Filho pelo Pai e a processão do Espírito Santo do Pai mostram as místicas relações interiores das pessoas em Deus e a vida de Deus nele mesmo. Deve-se claramente distinguir essas relações que são pré-eternas de toda eternidade, e fora do tempo, nas manifestações da Santíssima Trindade no mundo criado, das actividades e manifestações da providência de Deus no mundo como elas foram expressas em tais eventos como a criação do mundo, a vinda do Filho de Deus para a terra, a sua Encarnação, e o envio do Espírito Santo. Essas manifestações e actividades providenciais foram realizadas no tempo. No tempo histórico o Filho de Deus nasceu da Virgem Maria pela descida sobre Ela do Espírito Santo: "Descerá sobre ti o Espírito Santo, e a virtude do Altíssimo cobrir-te-á com a sua sombra, pelo que também o Santo, que de ti há-de nascer, será chamado de Filho de Deus" (Lc. 1, 35). No tempo histórico, o Espírito Santo desceu sobre Jesus Cristo no tempo do seu Baptismo por João. No tempo histórico o Espírito Santo foi enviado para cá pelo Filho, vindo do Pai, aparecendo na forma de línguas de fogo. O Filho veio para a terra através do Espírito Santo. O Espírito é enviado para cá pelo Filho de acordo com a promessa "o Consolador... que da parte do Pai, vos hei-de enviar" (Jo. 15, 26).
A respeito da pré-eterna "geração" do Filho de Deus e da "Processão" do Espírito, pode-se perguntar: "Quando foram essas, geração e processão?" São Gregório, o teólogo responde: "Elas foram antes delas mesmo. Vós ouvistes sobre a geração; não fiquem curiosos para conhecer de que forma essa geração foi. Vós ouvistes que o Espírito Santo procede do Pai; Não fiquem curiosos para saber como Ele procede".
Apesar do significado das palavras "geração" e "Processão" estarem além de nós, isso não diminui a importância dessas concepções do ensinamento Cristão a respeito de Deus. Elas indicam a totalidade de divindade da Segunda e Terceira Pessoa. A existência do Filho e do Espírito é colocada em oposição a qualquer tipo de criatura, a qualquer coisa que foi criada e foi chamada pela vontade de Deus só pode ser divina e eterna; por isso a Palavra de Deus diz do Filho que veio para a terra: "O Filho unigénito, que está no seio do Pai" (Jo. 1, 18); a respeito do Espírito Santo: "Que eu vos hei-de enviar... que procede do Pai..." (Jo. 15, 26; aqui o presente gramatical significa eternidade). Aquele que é gerado é sempre da mesma essência que o que gera. Mas o que é criado e feito é de outra e inferior essência, e é externo em relação ao Criador.

f - O nome da Segunda Pessoa - O Verbo

Frequentemente nos Santos Padres e nos textos dos Ofícios Divinos o Filho de Deus é chamado de Verbo (ou Palavra) ou Logus. Isso tem sua base no primeiro capítulo do Evangelho de João, o Teólogo.
O conceito ou nome "Verbo" nós encontramos o seu significado exaltado muitas vezes nos Livros do Velho Testamento. Eis algumas expressões dos Salmos: "Para sempre, ó Senhor, Tua Palavra permanece no céu" (Sal. 119, 9); "Enviou a sua Palavra e os sarou" (Sal. 107, 20) - um versículo que se refere ao Êxodo dos Hebreus do Egipto; "Pela palavra do Senhor, foram feitos os céus" (Sal. 33, 6). O autor da Sabedoria de Salomão escreve: "Tua poderosíssima Palavra saltou do céu, do trono real, para o meio da terra que estava condenada, um severo guerreiro carregando a afiada espada do autêntico comando e parou e encheu todas as coisas com morte, e tocou o céu enquanto estava na terra" (Sabedoria 18, 15-16).
Com o auxílio deste Divino nome, os Santos Padres tentaram explicar um pouco do mistério do relacionamento do Filho com o Pai. São Dionísio de Alexandria (um discípulo de Orígines) explica a relação do seguinte modo: "Nosso pensamento profere dele mesmo a palavra segundo o que o Profeta disse: "O meu coração ferve com palavras boas" (Sal. 45, 1). Pensamento e palavra são separados, e cada um ocupa o seu lugar especial e separado: enquanto o pensamento permanece e move-se no coração, a palavra fica na língua e nos lábios. No entanto, eles são inseparáveis, nem por um momento um deles é privado do outro. O pensamento não existe sem a palavra, uma palavra escondida dentro, e palavra é o pensamento que veio para fora. Pensamento é transformado em palavras, e palavra transmite o pensamento para os ouvintes. Desse modo, o pensamento com o auxílio da palavra, é instalado nas almas dos ouvintes, entrando nelas junto com a palavra. O pensamento, vindo de si próprio, é como se fosse o pai da palavra; e a palavra é como se fosse o filho do pensamento. Antes do pensamento, a palavra era impossível, e a palavra não vem de nenhum lugar fora, mas sim do próprio pensamento. Assim também, o Pai, o maior e abrangente pensamento, tem um Filho, o verbo seu primeiro interprete e Heraldo" (citado em De sentent Dionis, nº 15 de Santo Atanásio).
Essa mesma semelhança, a relação da palavra e pensamento, é muito usada por São João de Kronstadt em suas reflexões sobre a Santíssima Trindade, em suas reflexões, em Minha Vida em Cristo.
Na citação acima de São Dionísio de Alexandria, o Salmo mencionado mostra que as ideias dos Padres da Igreja estavam baseadas no uso do termo "palavra" (Verbo), na Sagrada Escritura não só no Novo Testamento mas igualmente no Velho Testamento também. Assim não há razão para afirmar que o termo "Logos" ou "palavra (Verbo)" foi tomado emprestado pelo Cristianismo da filosofia, como certos interpretes ocidentais afirmam.

Com certeza, os Padres da Igreja, assim como o Apóstolo João, o Teólogo, não estavam desinformados do conceito de "logos" como era interpretado na filosofia grega e também no filósofo judeu, Philo de Alexandria (o conceito logos como um ser intermediário entre Deus e o mundo, ou como um divino poder impessoal); mas eles constataram esse entendimento do logos com o entendimento Cristão do Verbo - o Filho Unigénito de Deus, um em Essência com o Pai, e igual em Divindade ao Pai e ao Espírito Santo.

g - Sobre a Processão do Espírito Santo

O antigo ensinamento Ortodoxo dos atributos do Pai, do Filho e do Espírito Santo foi distorcido na Igreja Latina (Católica Romana) pela criação do ensinamento da processão, fora do tempo e por toda a eternidade do Espírito Santo, do Pai e do Filho - o Filioque. A ideia que o Espírito Santo procede do Pai e do Filho originou-se em certas expressões do Bem-aventurado Santo Agostinho. Tornou-se obrigatório no Ocidente no século nono, e quando os missionários latinos chegaram à Bulgária em meados do século nono, o Filioque não estava no seu Símbolo da Fé.
Tornando-se as diferenças entre o Papado Romano e a Ortodoxia Oriental mais agudas, o dogma latino tornou-se crescentemente reforçado no Ocidente; finalmente ele foi reconhecido no Ocidente como dogma universal obrigatório! O Protestantismo herdou esse ensinamento da Igreja Católica Apostólica Romana.
O dogma latino do Filioque é um desvio substancial e importante da verdade Ortodoxa. Esse dogma foi sujeito a um exame detalhado e acusado, especialmente pelos Patriarcas Photius (século nove) e Michael Cerularius (século onze), e também por São Marcos de Éfeso, que tomou parte no Concílio de Florença (1439). Adam Zernikav (século dezoito), que se converteu do Catolicismo para a Ortodoxia, cita cerca de mil testemunhos dos escritos dos Santos Padres da Igreja em favor do ensinamento Ortodoxo sobre o Espírito Santo em seu trabalho, «Concerning the Procession of the Holy Spirit».
Em tempos recentes, a Igreja Católica Romana, com objectivos "missionários" tem dissimulado a importância da diferença entre ensinamento Ortodoxo e o ensinamento Romano sobre o Espírito Santo. Com isso em mente, os Papas mantiveram o antigo texto Ortodoxo do Símbolo da Fé, sem as palavras "e do Filho" para as Igrejas Uniatas do "Rito Oriental". No entanto, isso não pode ser olhado como um tipo de meia rejeição por Roma do seu próprio dogma. No máximo, é só uma dissimulação para a visão romana que o Oriente Ortodoxo voltou a estar em desenvolvimento dogmático, e que é preciso ser condescendente com essa volta, e que o dogma expresso no Ocidente numa forma desenvolvida (Explícita, de acordo com a teoria Romana do "desenvolvimento de dogmas") está oculto no dogma Ortodoxo numa forma ainda não desenvolvida (implícita). No entanto, em trabalhos dogmáticos latinos, destinados a uso interno, encontramos um tratamento bem definido do dogma Ortodoxo na processão do Espírito Santo como uma "heresia". No trabalho dogmático latino do doutor em teologia, A. Sanda, nós lemos: "Oponentes (do actual ensinamento Romano) são os gregos cismáticos, que ensinam que o Espírito procede só do Pai. Já no ano de 808, monges gregos protestaram contra a introdução pelos latinos da palavra Filioque no Credo... quem foi o originador dessa heresia, não se sabe, é desconhecido" («Sinopsis Theologiae Dogmaticae Specialis», por Dr. A. Sanda ., vol I, pg. 100; Herder Edition, 1916)
Porém o dogma latino não concorda nem com as Sagradas Escrituras nem com a Sagrada Tradição Universal da Igreja; e ele não concorda sequer com as mais antigas tradições da Igreja Local de Roma.
Em sua defesa, os teólogos romanos, citam uma série de passagens na Sagrada Escritura onde o Espírito Santo é chamado de "de Cristo", onde é dito que Ele é dado pelo Filho de Deus; daí eles concluem que ele procede também do Filho. As passagens mais importantes citadas pelos teólogos romanos são: as palavras do Salvador para seus discípulos a respeito do Espírito Santo, o Consolador: "Ele há-de receber do que é meu, e vos anunciará..." (Jo. 16, 15); as palavras do Apóstolo Paulo, "Deus enviou aos nossos corações o Espírito de Seu Filho..." (Gal. 4, 6); as palavras do mesmo Apóstolo: "Mas se alguém não tem o Espírito de Cristo, esse tal não é Dele" (Rom. 8, 9); e no Evangelho de João, "assoprou sobre eles e disse-lhes: Recebei o Espírito Santo" (Jo. 20, 22).
Da mesma forma, os teólogos romanos acham nos trabalhos dos Santos Padres da Igreja passagens onde frequentemente é mencionado o envio do Espírito Santo "através do Filho" e às vezes até uma "processão através do Filho".
No entanto nenhum arrazoado de qualquer tipo pode obscurecer as perfeitamente precisas palavras do Salvador: "O Consolador, que eu da parte do Pai vos hei de enviar,... e imediatamente depois, ...que procede do Pai" (Jo. 15, 26). Os Santos Padres da Igreja não poderiam possivelmente colocar as palavras "através do Filho" se elas não estivessem contidas na Sagrada Escritura.
No caso presente, os teólogos católicos romanos estão ou confundindo dois dogmas - isto é, o dogma da existência pessoal das hipóstases e o dogma da unicidade da essência que está imediatamente ligado com ele, ainda que seja um dogma separado - ou então eles estão confundindo as relações internas das hipóstases da Santíssima Trindade com as acções e manifestações providenciais do Pai, do Filho e do Espírito Santo, que são dirigidas ao mundo e à raça humana. Que o Espírito Santo é Um em Essência com o Pai e o Filho, e que portanto Ele é o Espírito do Pai e do Filho, é uma verdade inquestionável do Cristianismo, pois Deus é uma Trindade Una em Essência e Indivisível.
Essa ideia é claramente expressada pelo Bem-aventurado Teodoreto: "A respeito do Espírito Santo, é dito não que Ele tenha existência do Filho ou através do Filho, mas sim que Ele procede do Pai e tem a mesma natureza que o Filho, é de facto o Espírito do Filho sendo Um em Essência com Ele" (B. A. Theodoret, «On the Third Ecumenical Council»).
Nos Divinos Ofícios também, com frequência ouvimos essas palavras endereçadas ao Senhor Jesus Cristo: "Pelo Teu Espírito Santo, iluminai-nos, instrui-nos e preserva-nos". A expressão "o Espírito do Pai e do Filho", é igualmente em si própria inteiramente Ortodoxa. Mas essas expressões referem-se aos dogmas da Unicidade da Essência, e é absolutamente essencial distinguir este de outro dogma, o dogma da geração e processão, no qual, como os Santos Padres expressam, é mostrada a causa da existência do Filho e do Espírito Santo. Assim, quando certos Padres da Igreja usam a expressão "através do Filho" eles estão, precisamente por meio dessa expressão preservando o dogma da processão do Pai e a inviolabilidade da formula dogmática, "procede do Pai". Os Padres falam em relação ao Filho "através" para defender a expressão "do Pai", onde só se refere ao Pai.
A isso dever-se-ia juntar a expressão "através do Filho", que é encontrada em certos Padres da Igreja, na maioria dos casos referem-se definitivamente às manifestações do Espírito Santo no mundo, isto é, às acções providenciais da Santíssima Trindade, e não à vida de Deus em Si próprio. Quando a Igreja Oriental notou uma distorção do dogma do Espírito Santo no Ocidente e começou a recriminar os teólogos ocidentais por suas inovações, São Máximo, o Confessor (no século sete), desejando defender os ocidentais, justificou-os precisamente dizendo que pelas palavras "do Filho" eles pretendiam indicar que o Espírito Santo é dado para as criaturas através do Filho, que Ele é enviado - mas não que o Espírito Santo tem Sua existência do Filho. São Máximo, o Confessor, manteve estritamente o ensinamento da Igreja Oriental a respeito da processão do Espírito Santo do Pai e escreveu um tratado especial sobre esse dogma.
O envio providencial do Espírito pelo Filho de Deus é referido nas palavras, "que Eu da parte do pai vos hei de enviar". Também nós rezamos: "Senhor, Tu que, à terceira hora, fizeste nascer o Espírito Santo sobre os teus Apóstolos, pela Tua misericórdia não O afastaste de nós, mas renova-nos a nós que humildemente te apresentamos as nossas súplicas" (Tropário da Terceira Hora da Grande Quaresma também dito pelo Padre antes da Consagração na Sagrada Liturgia). Confundindo os textos da Sagrada Escritura que falam de "processão" com outros que falam do "envio" do Espírito Santo, os teólogos romanos transferiram o conceito das relações providenciais para a própria existência da divindade, para as relações lá entre as pessoas da Santíssima Trindade.
À parte do lado dogmático, ao introduzir um novo dogma a Igreja Romana violou o Decreto do Terceiro e dos subsequentes Concílios Ecuménicos (do 4º ao 7º), que proibiram a introdução de qualquer tipo de mudança no Símbolo da Fé de Nicéia, depois que deu o Segundo Concílio Ecuménico deu a sua forma final. Assim a Igreja Romana cometeu uma séria violação canónica.

Mas quando os teólogos romanos tentam dizer que a completa diferença entre o Catolicismo Romano e a Ortodoxia no ensinamento do Espírito Santo é que eles ensinam a processão "também do Filho" enquanto nós ensinamos a processão "através do Filho", e que nessa afirmação existe escondido lá no fundo um mal entendido (ainda que às vezes alguns escritores de nossa Igreja seguem os Católicos Romanos e permitem-se repetir essa ideia), deve-se antepôr que a expressão "através do Filho" em hipótese alguma constitui-se num dogma da Igreja Ortodoxa, mas é só um modo explanatório de certos Padres em seu ensinamento da Santíssima Trindade, e que portanto o verdadeiro significado do ensinamento da Igreja Ortodoxa é em essência completamente diferente do ensinamento do Catolicismo Romano.

h - A igualdade da Divindade das Pessoas da Santíssima Trindade

As Três Pessoas da Santíssima Trindade tem a mesma Essência; cada uma das hipóstases tem a totalidade da divindade intacta e incomensurável; as Três hipóstases são iguais em honra e adoração.
A respeito da completude da divindade da Primeira Pessoa da Santíssima Trindade, não houveram heresias na história da Igreja de Cristo que a tivessem negado ou diminuído. No entanto, nós encontramos alguns afastamentos do ensinamento Cristão autêntico a respeito de Deus Pai. Assim, na antiguidade sob a influência dos Gnósticos, e mais recentemente, sob a influência da assim chamada filosofia do idealismo na primeira metade do século XIX (principalmente Schelling), surgiu um ensinamento que considera Deus como o Absoluto, Deus desligado de tudo o que seja limitado e finito (a própria palavra "absoluto" significa "desligado") e em decorrência não tendo contacto com o mundo, requerendo um intermediário. Assim, o conceito do Absoluto foi ligado com o nome de Deus Pai e o conceito de intermediário com o nome do Filho de Deus. Essa conceituação está em total desarmonia com o entendimento Cristão e com o ensinamento da Palavra de Deus. A Palavra de Deus nos ensina que Deus está perto do mundo, que Deus é amor, e que Deus - Deus o Pai - amou tanto o mundo que deu o Seu Filho Unigénito para que todos que acreditem nele tenham a vida eterna. Para Deus Pai, inseparavelmente do Filho e do Espírito, pertence a criação do mundo e da providência incessante sobre o mundo. Se na Palavra de Deus o Filho é chamado de intermediário, isto é, algum principio de ligação entre Deus o Pai, que estaria infinitamente remoto do mundo, e do finito mundo das criaturas.

Na historia da Igreja, o principal trabalho dogmático dos Santos Padres, foi dirigido à afirmação da verdade da Unicidade da Essência, da completude da Divindade, e da igualdade de honra das Segundas e Terceiras Hipóstases da Santíssima Trindade.

i - A Unicidade da Essência; a Igualdade da Divindade; e a Igualdade de Honra de Deus, o Filho, com Deus o Pai

Nos primeiros tempos Cristãos, até que a fé da Igreja na Unicidade da Essência e na Igualdade das Pessoas da Santíssima Trindade tivesse sido precisamente formulada em terminologia estritamente definida, aconteceu que mesmo aqueles escritores da Igreja que eram cuidados em estar de acordo com a consciência universal da Igreja, e que não tinham nenhuma intenção de violá-la com nenhuma visão pessoal, ás vezes, junto com pensamentos claramente Ortodoxos, usaram expressões relativas à Divindade das Pessoas da Santíssima Trindade que não foram inteiramente precisas e que não afirmaram claramente a igualdade das Pessoas.
Isso pode ser explicado, na sua maior parte, pelo facto que para o mesmo termo alguns pastores da Igreja colocavam um significado e outros, outro significado. O conceito "essência" foi expresso na língua grega pela palavra ousia, e essa palavra foi em geral entendida por todo mundo da mesma forma. No entanto, uma falta de clareza foi introduzida pelo uso de uma terceira palavra, "hipóstase". Alguns entenderam por esse termo as "Pessoas" da Santíssima Trindade, e outros a "Essência". Essa circunstância impediu mútuo entendimento. Finalmente, seguindo o exemplo autorizador de São Basílio, o Grande, tornou-se aceite entender-se pela palavra Hipóstase os atributos Pessoais na Divindade Triúnica.
No entanto, além desses casos, existiram heréticos no período Cristão antigo que conscientemente negaram ou diminuíram a Divindade do Filho de Deus. Heresias nesse tipo foram numerosas e de tempos em tempos causaram fortes perturbações na Igreja. Eis alguns exemplos desses heréticos:
1 - Na Época Apostólica - os Ebionistas (do nome do herético Ebion). Os Santos Padres testemunham que o Santo Evangelista João, o Teólogo escreveu o seu Evangelho contra eles.
2 - No terceiro século, Paulo de Samosata foi acusado por dois Concílios de Antioquia no mesmo século.
3 - O mais perigoso de todos os heréticos foi Ario, o Presbítero de Alexandria, no quarto século. Ario ensinou que o Verbo, ou o Filho de Deus, recebeu o começo de sua existência no tempo, apesar de ter sido antes de qualquer outra coisa; que Ele foi criado por Deus, apesar de subsequentemente Deus ter criado tudo através Dele; que Ele é chamado de Filho de Deus só porque Ele é o mais perfeito de todos os espíritos criados, e tem uma natureza que, sendo diferente da do Pai, não é divina.
Este ensinamento herético de Ario perturbou o mundo Cristão todo, porque ele puxou atrás de si muita gente. Em 325 o Primeiro Concílio Ecuménico foi chamado contra esse ensinamento, e nesse Concílio 318 dos Hierarcas Chefes da Igreja unanimemente expressaram o antigo ensinamento da Ortodoxia e condenaram o falso ensinamento de Ario. O Concílio triunfante pronunciou um Anátema contra aquele que afirmam que o Filho de Deus existiu num tempo em que o Filho de Deus não existiu, contra aqueles que afirmaram que Ele foi criado, ou que Ele era de diferente essência que a de Deus Pai. O Concílio compôs um Símbolo da Fé, que foi confirmado e completado mais tarde no Segundo Concilio Ecuménico. A unidade e igualdade de honra do Filho de Deus com o Deus Pai foi expressa por esse Concílio no Símbolo da Fé com as palavras: "de Uma Essência com o Pai".
Depois do Concílio, a heresia ariana dividiu-se em três ramos e continuou a existir por algumas décadas. Ela foi sujeita a outras refutações em seus detalhes em vários concílios locais e nas obras dos grandes Padres da Igreja do século IV e parte do século V (Atanásio, o Grande; Basílio, o Grande; Gregório, o Teólogo; João Crisóstomo, Gregório de Nissa; Epifânio; Ambrósio de Milão; Cirilo de Alexandria; e outros). No entanto, o espírito nessa heresia mesmo mais tarde encontrou lugar para si em vários ensinamentos falsos tanto na idade média quanto nos tempos modernos.
Ao responder às opiniões dos heréticos Arianos, os Padres da Igreja não encontraram uma só passagem na Sagrada Escritura que tivesse sido citada pelos heréticos em justificativa de sua ideia de desigualdade do Filho com o Pai. A respeito de expressões na Sagrada Escritura que parecem falar da desigualdade do Filho com o Pai, deve-se ter em mente o seguinte:
a - que o Senhor Jesus Cristo não é só Deus, mas que também se tornou homem, e tais expressões podem referir-se à sua humanidade;
b - que em adição, ele, como nosso Redentor, durante os dias de Sua vida terrena estava em voluntária diminuição "...humilhou-se a si mesmo, sendo obediente até na morte" (Filip. 2, 7-8).
Mantendo essas palavras do Apóstolo, os Padres da Igreja expressam essa condição pelas palavras «ekkenosis», «kenosis» que significam esvaziamento, diminuição, rebaixamento "antevendo teu divino auto-esvaziamento na cruz, Hababuque clamou maravilhando-se" (Cánon das Matinas do Grande Sábado). Mesmo quando o Senhor fala da sua própria Divindade, ele, tendo sido enviado pelo Pai e tendo vindo para preencher na terra a vontade do Pai, colocando-se em obediência ao pai, sendo Um em Essência e igual em honra com Ele como Filho, nos dá um exemplo de obediência.
Esse é o significado preciso, por exemplo, das palavras do Salvador no Evangelho de João: "Porque o Pai é maior que eu" (Jo. 14, 28). Deve notar-se que essas palavras são ditas aos seus discípulos na sua conversa de despedida depois das palavras que expressam a complexidade da sua divindade e a Unidade do Filho com o Pai: "Se alguém me ama, guardará a minha palavra, e meu Pai o amará, e viremos para Ele, e faremos nele morada" (Jo. 14, 23). Nestas palavras o salvador junta o Pai e Ele próprio na única palavra "nós", e para igualmente em nome de seu Pai e em Seu próprio nome; mas, como ele foi mandado pelo Pai para o mundo (Jo. 14, 24), ele coloca-se numa relação de submissão ao Pai (Jo. 14, 28).
Um exame detalhado de passagens similares na Sagrada Escritura (por exemplo, Marcos 13, 32; Mat. 26, 39; Mat. 27, 43; João 20, 17) é encontrado em Santo Atanásio, o Grande (nos seus sermões contra os Arianos), em São Basílio, o Grande (no seu quarto livro contra Eunomius), em São Gregório, o Teólogo, e em outros que escreveram contra os Arianos.
No entanto, se existem tais expressões pouco claras na Sagrada Escritura sobre Jesus Cristo, existem muitas, pode-se até dizer inumeráveis passagens que testemunham a Divindade do Senhor Jesus Cristo. Primeiro, o Evangelho como um todo o testifica. Quanto às passagens separadas, indicaremos só algumas das mais importantes. Algumas dessas passagens dizem que o Filho de Deus é Deus verdadeiro; outras afirmam que Ele é igual ao Pai; outras ainda dizem que ele é Um em Essência com o Pai.
É essencial ter em mente que chamar o Senhor Jesus Cristo de Deus – «theos» - é em si falar da plenitude da Divindade nele. Falando do Filho, o Apóstolo Paulo diz que: "Nele habita corporalmente toda a plenitude da divindade" (Col. 2, 9).
As passagens seguintes mostram que o Filho de Deus é Deus verdadeiro:
a - Ele é directamente chamado de Deus na Sagrada Escritura:
"No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o verbo era Deus. Ele estava no princípio com Deus. Todas as coisas foram feitas por Ele, e sem Ele nada do que foi feito se fez" (Jo. 1, 13).
"Grande é o mistério da piedade; Deus manifestou-se em carne" (Tim. 3, 16).
"E sabemos que já o Filho de Deus é vindo, e deu-nos entendimento para conhecermos o que é verdadeiro; e no que é verdadeiro estamos, isto é em Seu Filho Jesus Cristo. Este é o verdadeiro Deus e a vida eterna" (1 Jo. 5, 20).
"...e dos quais é Cristo segundo a carne, o qual é sobre todos, Deus bendito eternamente. Amén" (Rom. 9, 5).
"Meu Senhor e meu Deus" - a exclamação do Apóstolo Tomé (Jo. 20, 28).
"Olhai pois por vós, e por todo o rebanho sobre que o Espírito Santo vos constitui Bispos, para apascentar a Igreja de Deus, que ele resgatou com o seu próprio sangue" (Act. 20, 28).
"vivamos... sóbria, e justa, e piamente. Aguardando a bem-aventurada esperança e o aparecimento da glória do grande Deus e Nosso Senhor Jesus Cristo" (Tit. 2, 12-13) - Que o título de "grande Deus pertence aqui a Jesus Cristo é tornado claro para nós pela construção da sentença em grego, um artigo comum para as palavras "Deus e Senhor". Assim como pelo contexto desse capitulo.

b. Ele é chamado de "Unigénito":
"E o verbo se fez carne, e habitou entre nós, e vimos a sua glória, como a glória do Unigénito do Pai" (Jo. 1, 14.18).
"Porque Deus amou o mundo de tal maneira que deu o Seu Filho Unigénito, para que todo aquele que nele crer não pereça, mas tenha a vida eterna" (Jo. 3, 16).

c. Ele é igual em honra ao Pai:
"Meu Pai trabalha até agora, e eu trabalho também" (Jo. 5, 17).
"Porque tudo quanto ele faz, o Filho o faz igualmente" (Jo. 5, 19).
"Pois, assim como o Pai ressuscita os mortos, e os vivifica, assim também o Filho ter a vida em Si mesmo" (Jo. 5, 21).
"Para que todos honrem o Filho, como honram o Pai" (Jo. 5, 23).

d. Ele é Um em Essência com o Pai:
"Eu e o pai somos Um" (Jo. 10, 30) - em grego, «em esmen», um em essência.
"Eu estou no Pai, e o Pai em Mim" (Jo. 14, 11; 10, 38).
"E todas as minhas coisas são tuas, e as tuas coisas são minhas" (Jo. 17, 10).

e. A palavra de Deus da mesma forma fala da eternidade do Filho de Deus:
"Eu sou o Alfa e o Ómega, o princípio e o fim, diz o Senhor, que é, e que era, e que há de vir" (Apc. 1, 8).
"E agora glorifica-me Tu, ó Pai, junto de Ti mesmo, com aquela Glória que tinha contigo antes que o mundo existisse" (Jo. 17, 5).

f. Sobre sua Omnipresença:
"Ora ninguém subiu ao céu, senão o que desceu do céu, o Filho do homem, que está no céu" (Jo. 3, 13).
"Porque onde estiverem dois ou três reunidos em Meu nome, ai estou Eu no meio deles" (Mt. 18, 20).

g. O Filho de Deus como o Criador do mundo:
"Todas as coisas foram feitas por Ele, e sem Ele nada do que foi feito se fez" (Jo. 1, 3).
"Porque nele foram criadas todas as coisas que há nos céus e na terra, visíveis e invisíveis; sejam Tronos; sejam Dominações; sejam Principados; sejam Potestades; todas as coisas foram criadas por Ele e para Ele; e Ele é antes de todas as coisas, e todas as coisas subsistem por Ele" (Col. 1, 16-17).

A palavra de Deus fala similarmente dos outros atributos Divinos do Senhor Jesus Cristo.
Como a Sagrada Tradição, ela contém testemunhos inteiramente claros da fé universal dos Cristãos dos primeiros séculos da verdadeira Divindade do Senhor Jesus Cristo. Nós vemos a universalidade dessa fé:
- Nos Símbolos da Fé que foram usados antes do Concilio de Nicéia em toda Igreja local.
- Os Símbolos da Fé que foram compostos em Concílios ou em nome de concílios pelos Pastores da Igreja antes do século IV.
- Os escritos dos Padres Apostólicos e professores da Igreja durante os primeiros séculos.

- O testemunho de homens que não pertenciam ao Cristianismo e relataram que os Cristãos adoravam "Cristo como Deus" (por exemplo, a carta de Plínio, o Jovem, ao Imperador Trajano; o testemunho do escritor Celsius, que era um inimigo dos Cristãos; e outros).

j - A Igualdade de honra e a Divindade do Espírito Santo

Na história da antiga Igreja, sempre que os heréticos tentaram diminuir a Divina dignidade do Filho de Deus, isso era acompanhado por uma diminuição da dignidade do Espírito Santo.
No segundo século, o herético Valentinus ensinou falsamente que o Espírito Santo não era distinto em Sua natureza dos anjos. Os Arianos ensinaram a mesma coisa. Porém, o chefe dos heréticos que distorceu o ensinamento Apostólico a respeito do Espírito Santo foi Macedónio, que ocupou a Cátedra de Constantinopla como Arcebispo no século IV e encontrou seguidores entre prévios Arianos e semi-arianos. Ele chamava ao Espírito Santo de uma criação do Filho, e um servo do Pai e do Filho. Acusadores dessa heresia foram os Padres da Igreja como São Basílio, o Grande; Gregório, o Teólogo; Atanásio, o Grande; Gregório de Nissa; Ambrósio, Anfilocius; Diódoro de Tarso; e outros, que escreveram trabalhos contra os heréticos. O falso ensinamento de Macedónio foi refutado primeiramente numa série de concílios locais e finalmente no, Segundo Concilio Ecuménico, de Constantinopla, em 381. Preservando a Ortodoxia, o Segundo Concilio Ecuménico completou o Símbolo da fé de Nicéia com estas palavras: "E no Espírito Santo, Senhor e fonte de vida, que procede do Pai, e com o Pai e o Filho recebe a mesma adoração e a mesma glória. Foi Ele que falou pelos Profetas", assim como os artigos do Credo que seguem a esse no Símbolo da Fé de Nicéia - Constantinopla.
Dentre os numerosos testemunhos da Sagrada Escritura a respeito do Espírito Santo, é especialmente importante ter-se em mente as passagens que a - confirmam o ensinamento da Igreja de que o Espírito Santo não é um poder divino impessoal, mas sim uma Pessoa da Santíssima Trindade, e b - que afirmam a Sua Unicidade em Essência e igual dignidade divina com a Primeira e com a Terceira Pessoa da Santíssima Trindade.
a - Um testemunho do primeiro tipo - Que o Espírito Santo é uma Pessoa - nós temos nas palavras do Senhor na sua conversa de despedida com os seus discípulos, na qual ele chama o Espírito Santo de "Consolador" "que eu da parte do Pai vos hei-de enviar aquele Espírito de verdade, que procede do Pai, ele testificará de mim" (Jo. 15, 26). "E quando Ele vier, convencerá o mundo do pecado, e da justiça e do juízo; do pecado porque não crêem em mim; da justiça, porque vou para meu Pai, e não me vereis mais; e do juízo porque já o príncipe desse mundo está julgado" (Jo. 16, 18-11).
B - O Apóstolo Pedro fala do Espírito como Deus nas palavras dirigidas a Ananias, que havia escondido o preço de sua propriedade: "porque encheu Satanás o teu coração para que mentisses ao Espírito Santo... Não mentiste aos homens, mas a Deus" (Act. 5, 3-4).
A respeito da igualdade de honra e Unicidade da Essência do Espírito Santo como Pai e o Filho existe o testemunho de passagens como "Baptizando-os em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo" (Mat. 28, 19).

"A graça de Nosso Senhor Jesus Cristo, o amor de Deus Pai, e a comunhão do Espírito Santo seja com vós todos" (2 Cor. 13, 13). Aqui todas as três Pessoas da Santíssima Trindade são mencionados como iguais. E nas seguintes palavras o próprio Salvador expressa a dignidade Divina do Espírito Santo: "E se qualquer disser alguma palavra contra o Filho do homem, ser-lhe-á perdoado, mas, se alguém falar contra o Espírito Santo, não lhe será perdoado nem neste século nem no futuro" (Mat. 12, 32).

l - Transição para a Segunda Parte da Teologia Dogmática

Quando a mente do homem é dirigida para a compreensão da vida de Deus em si próprio, o seu pensamento perde-se em sua impotência e só pode dar-se conta da incomensurável e inatingível grandeza de Deus, e a interminável e insondável diferença entre a criatura e Deus - uma diferença tão grande que é impossível compará-la.
Mas quando a mesma mente do homem se volta para o conhecimento de Deus no mundo, para as actividades de Deus no mundo, ela vê em todas as coisas e em todos os lugares o poder, a mente, a bondade e a misericórdia de Deus: "...as suas coisas invisíveis, desde a criação do mundo, tanto o seu eterno poder, como a sua divindade, se entendem e claramente se vêem pelas coisas que estão criadas" (Rom. 1, 20).
Mais além, voltando-se para sua própria alma, olhando fundo dentro de si mesmo, concentrando-se em oração, estando na Igreja de Cristo, no grau de seu próprio crescimento espiritual - um homem torna-se capaz de entender o que é inexplicável em palavras: a proximidade de Deus à sua criação, e especialmente a sua proximidade ao homem.
Ainda mais adiante, diante dos olhos espirituais de um crente cristão lá está um abismo: o ilimitado e brilhante, insuperável a tudo amor de Deus por cada um de nós, como revelado pelo envio para o mundo, e a morte na cruz do Filho de Deus para nossa salvação.

O objectivo final da Teologia Dogmática em sua segunda parte é o reconhecimento da sabedoria e bondade de Deus, a proximidade de Deus, o amor de Deus; e de nosso lado, o reconhecimento do que é necessário para o homem para receber salvação e chegar perto de Deus.

 

Arcebispo Primaz Katholikos

S.B. Dom ++ Paulo Jorge de Laureano – Vieira y Saragoça
(Mar Alexander I da Hispânea)


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Última actualização deste Link em 01 de Outubro de 2011