Catecismo Ortodoxo
Parte II
Deus Manifestado no Mundo
20 - Escatologia Cristã
a - O futuro do mundo e do género humano
O Símbolo da Fé (Credo) de Nicéia-Constantinopla,
no sétimo, décimo-primeiro e décimo segundo parágrafo,
contém a Confissão de Fé Ortodoxa sobre a futura vinda
do Filho de Deus para a terra, o Juízo Geral (Final) e a futura vida
eterna.
Parágrafo 7: «De novo há de vir cheio de glória,
para julgar os vivos e os Mortos: e o Seu Reino não terá fim».
Parágrafo 11: «Espero a Ressurreição dos mortos».
Parágrafo 12: «E a vida do mundo que há de vir».
Na Economia Divina há um plano para o futuro até o final do tempo.
E uma parte inseparável do ensinamento cristão é composta
do que a Palavra de Deus conta-nos sobre os eventos do final dos tempos; a
Segunda Vinda do Senhor, a ressurreição dos mortos, e o fim do
mundo - e então sobre o começo do Reino de Glória e a
vida eterna. A última parte da teologia dogmática fala então
da culminação do grande processo cujo início é apresentado
na primeira página do livro da Génesis.
b - O destino do homem após a morte
Morte é o destino comum dos homens. Mas para o homem
não é um aniquilamento, mas só a separação
da alma e do corpo. A verdade da imortalidade da alma humana é uma das
verdades fundamentais do cristianismo. "Ora Deus não é Deus
dos mortos, mas dos vivos" (Mt. 22, 32; Lc. 20, 38). Na Sagrada Escritura,
no Novo Testamento a morte é chamada de libertação da
alma da prisão (2 Cor. 5, 1-4); dispensa do corpo ("sabendo que
brevemente hei-de deixar este meu tabernáculo" - 2 Ped. 1, 14);
uma dissolução ("tendo desejo de partir, e estar com Cristo,
porque isto é ainda muito melhor" – Filip. 1, 23); uma partida
("e o tempo de minha partida está próximo" - 2 Tim.
4, 6); um sono (David "dormiu" - Act. 13, 36).
O estado da alma depois da morte, de acordo com o claro testemunho da Palavra
de Deus não é inconsciente mas consciente (por exemplo, de acordo
com a parábola do homem rico e Lázaro, (Lc. 16, 19-31). Depois
da morte o homem também é submetido a um julgamento que é chamado
de "particular" para distingui-lo do juízo final geral. É fácil
na visão do Senhor recompensar um homem "no dia da morte de acordo
com sua conduta" diz o sábio filho de Sirach (11, 26). O mesmo
pensamento é expresso pelo Apóstolo Paulo: "E como aos homens
está ordenado morrerem uma vez, vindo depois disso o juízo" (Heb.
9, 27). O Apóstolo apresenta o julgamento como algo que se segue imediatamente
após a morte do homem, e evidentemente ele entende isso não como
o julgamento geral mas como um julgamento particular, como os Santos Padres
da Igreja interpretaram essa passagem "... hoje estarás comigo
no Paraíso" (Lc. 23, 43), o Senhor proclamou para o ladrão
arrependido.
Na Sagrada Escritura não nos é dado conhecer como o julgamento
particular ocorre depois da morte de um homem. Nós podemos julgar isso
só em parte por expressões separadas que são encontradas
na Palavra de Deus. Assim, é natural pensar que no julgamento particular
também uma grande parte no destino de um homem depois da morte é tomada
tanto por bons quanto por maus anjos: os primeiros são implemento da
misericórdia de Deus, e os últimos - por permissão de
Deus - são implementos da justiça de Deus. Na parábola
do homem rico e Lázaro, é dito que "Lázaro foi levado
pelos anjos para o seio de Abraão" (Lc. 16, 22). Na parábola
do rico homem louco é dito a ele: "Louco, esta noite pedir-te-ão
a tua alma" (Literal: "eles tomarão" - Lc. 12, 20); evidentemente
são poderes malignos que "tomarão a alma" (São
João Crisóstomo)! Pois, de um lado, os anjos desses "pequeninos",
nas Palavras do Senhor, contemplam sempre a face do Pai Celeste (Mt. 18, 10),
e no final do mundo o Senhor enviará os Seus anjos, que "separarão
os justos, e lançá-los-ão na fornalha de fogo" (Mt.
13, 49-50); e de outro lado, "porque o diabo vosso adversário,
anda em redor, bramando como leão, buscando a quem possa tragar" (1
Ped. 5, 8); e o ar, assim como era, é preenchido com os espíritos
malignos sob os céus, e seu príncipe é chamado de "príncipe
das potestades do ar" (Ef. 2, 2).
Baseados nessas indicações da Sagrada Escritura, desde a antiguidade
os Santos Padres da Igreja, desenharam o caminho da alma após sua separação
do corpo como um caminho da alma após sua separação do
corpo como um caminho através de tais espaços espirituais, onde
os poderes das trevas procuram devorar aqueles que são fracos espiritualmente
e onde por isso tem-se uma necessidade especial de ser defendido por anjos
celestes e apoiado pelas orações de parte dos membros vivos da
Igreja. Entre os antigos padres os seguintes falam sobre isso - São
Efrem, o Sírio; Atanásio, o Grande; Macário, o Grande;
Basílio, o Grande; João Crisóstomo, e outros.
O desenvolvimento mais detalhado dessas ideias é feito por São
Cirilo de Alexandria em sua "Homilia sobre a Partida da Alma", que
usualmente é impressa no Saltério Sequencial (o Saltério
com adições dos ofícios Divinos). Um desenho desse caminho é apresentado
na vida de São Basílio, o Novo (28 Março), onde a Bem-aventurada
Teodora falecida, comunica a um discípulo de Basílio durante
o sono deste, o que ela viu e experimentou depois da separação
de sua alma de seu corpo e durante a ascensão da alma para as moradas
celestes.
O caminho da alma após sua partida do corpo é costumeiramente
chamado de "pedágios". A respeito das imagens nos relatos
dos pedágios, o Metropolita Macário em seu «Orthodox Dogmatic
Tehology» destacava: "Deve-se firmemente recordar a instrução
que o anjo deu a São Macário de Alexandria assim que ele começou
a contar sobre os pedágios: ‘Aceita as coisas terrenas daqui como
o mais fraco tipo de descrição das coisas celestes’. Deve-se
pintar o pedágio o mais distante possível num sentido espiritual,
que está oculto sob traços maiores ou menores, sensoriais e antropomórficos" (Para
um relato detalhado sobre o entendimento Ortodoxo dos pedágios, ver «The
Soul After Death», Saint Herman Brotherhood, Platina, CA, 1980, p. 73-96).
A respeito do estado da alma depois do Julgamento Particular, a Igreja Ortodoxa
ensina assim: "Nós acreditamos que as almas dos mortos estão
num estado de bênção ou tormento de acordo com suas acções.
Depois de estar separada do corpo, elas passam imediatamente para o estado
de júbilo ou para aflição e pesar, no entanto, elas não
sentem bem-aventurança completa ou tormento completo. Para bem-aventurança
completa ou tormento completo cada um recebe depois da Ressurreição
Geral, quando a alma é reunida com o corpo no qual viveu em virtude
ou em vício. Assim a Igreja Ortodoxa distingue em outras palavras, paraíso
ou inferno. A Igreja não reconhece o ensinamento Católico Romano
de três condições: 1 - bênção; 2 -
Purgatório e 3 - Gehena (Inferno). Ao nome "gehena" os Padres
da Igreja usualmente empregam referindo-se a condição depois
do Juízo Final, quando ambos, mortos e inferno serão jogados
no "lago de fogo" (Apoc. 20, 15). Os Padres da Igreja, baseando-se
na Palavra de Deus, supõe que o tormento dos pecadores antes do Juízo
Final tem um carácter preparatório. Esses tormentos podem ser
diminuídos ou mesmo eliminados pelas orações da Igreja
(Epístola dos Patriarcas Orientais, parágrafo 19). Da mesma forma,
os espíritos decaídos são "reservados em cadeias
de escuridão, para o juízo" (2 Ped. 2, 4; Judas 1, 6).
c - Sobre as Questões dos "Pedágios".
A Nossa Guerra não é contra a carne e nem contra
o sangue.
A nossa vida entre uma população que, apesar de ser nominalmente
Cristã, tem em muitos aspectos concepções e visões
diferentes das nossas no Reino da fé. Às vezes isso inspira-nos
a responder a questões da nossa fé quando elas são levantadas
e discutidas de um ponto de vista não Ortodoxo por pessoas de outras
confissões religiosas, e às vezes por Cristãos Ortodoxos
que não têm mais (ou nunca tiveram) uma base Ortodoxa firme sob
seus pés.
Nas condições limitadas de nossas vidas desafortunadamente nós
somos incapazes de reagir totalmente a afirmações ou a responder
as questões que surgem, no entanto, às vezes sentimos essa necessidade.
Em particular, nós temos ocasião agora de definir a visão
Ortodoxa dos "pedágios", que é um dos tópicos
de um livro que apareceu em inglês sob o título «Christian
Mitology» pelo Cánon George Every. Os pedágios são
a experiência da alma Cristã imediatamente depois da morte, como
essas experiências são descritas pelos Padres da Igreja e por
ascetas Cristãos. Em anos recentes tem sido observada uma aproximação
crítica a uma completa série de crenças da nossa Igreja;
essas crenças são vistas como "primitivas", o resultado
de uma "ingénua" visão do mundo, e elas são
caracterizadas por palavras como "mitos", "mágicos",
e semelhantes. E é nossa obrigação responder.
O assunto dos pedágios não é especificadamente um tópico
da teologia Cristã Ortodoxa; não é um dogma da Igreja
em sentido preciso, mas engloba material de carácter moral e edificante,
podendo dizer-se pedagógico. Para se aproximar do assunto correctamente, é essencial
compreender as bases da visão do mundo Ortodoxo. "Porque, qual
dos homens sabe as coisas do homem, senão o espírito do homem,
que nele está? Assim também, ninguém sabe as coisas de
Deus, senão o espírito de Deus" (1 Cor. 2, 11-12). Nós
mesmos devemos chegar mais perto da Igreja, "para que possamos conhecer
o que nos é dado gratuitamente por Deus" (1 Cor. 2, 12). Na questão
presente a base é: nós acreditamos na Igreja. A Igreja é o
corpo celeste e terrestre de Cristo, pré-designado para a perfeição
moral dos membros de sua parte terrestre e para a abençoada, jubilosa
e sempre activa vida de suas fileiras em seu reino celeste. A Igreja na terra
glorifica a Deus, une os fiéis e os seus próprios filhos quanto
a vida do género humano. Seu objectivo principal é ajudar os
fiéis a atingir a vida eterna em Deus, o alcançar da santidade,
sem a qual "ninguém terá o Senhor" (Heb. 12, 14).
Assim, é essencial que haja constante comunhão entre aqueles
que estão na Igreja e na terra e a Igreja celeste. No Corpo de Cristo
todos os seus membros são interactivos. No Senhor, o Pastor da Igreja,
existe, como existiu, dois rebanhos: o celeste e o terrestre (Epístola
dos Patriarcas Orientais, século XVII). "... se um membro padece,
todos os membros padecem; e se um membro é honrado, todos os membros
se regozijam com ele" (1 Cor. 12, 26). A Igreja celeste regozija, mas
ao mesmo tempo simpatiza com seus companheiros membros na terra. São
Gregório, o Teólogo, deu a Igreja terrestre de seu tempo o nome
de "Ortodoxia sofredora"; e assim permaneceu até hoje. Essa
interacção é valiosa e indispensável para o objectivo
comum que "cresçamos em tudo naquele que é a cabeça,
Cristo, do qual todo o corpo bem ajustado, e ligado pelo auxílio de
todas as juntas, segundo a justa operação de cada parte, faz
o aumento do corpo, para a sua edificação em amor" (Ef.
4, 15-16).
O fim disso tudo é a deificação no Senhor, que "Deus
seja tudo em todos" (1 Cor. 15, 28). A vida terrestre do Cristão
deveria ser um lugar de crescimento espiritual, progresso, ascensão
da alma para o céu. Nos temos um profundo pesar que, com a exceção
de uns poucos de nós, apesar de conhecer nosso caminho, nós nos
mantemos bem afastados dele por conta de nosso apego àquilo que é exclusivamente
terrestre. E, apesar de estarmos prontos para oferecer arrependimento, ainda
continuando a viver descuidados. No entanto, não existe em nossas almas
aquela assim chamada "paz da alma" que está presente na psicologia
cristã ocidental, que é baseada em algum tipo de "moral
mínima", isto é, tendo cumprido minha obrigação
que provê uma disposição conveniente da alma posso ocupar-me
com interesses mundanos.
No entanto, é precisamente ai, onde a "paz da alma" termina,
que se abre um campo de perfeição para o trabalho interior dos
Cristãos, "Porque se pecarmos voluntariamente depois de termos
recebido o conhecimento da verdade, já não resta mais sacrifício
pelos pecados, mas uma certa expectação horrível de juízo,
e ardor de fogo, que há de devorar os adversários... horrenda
coisa é cair nas mãos do Deus vivo" (Heb. 10, 26-27.31).
Passividade e descuido não são naturais para a alma; sendo passivos
e descuidados nós nos rebaixamos. No entanto, para nos levantarmos precisamos
de constante vigilância da alma, e mais do que isso, luta.
Com quem é essa luta? Só consigo mesmo? "Porque não
temos que lutar contra a carne e o sangue, mas sim contra as potestades, contra
os príncipes das trevas deste século, contra as hostes espirituais
da maldade, nos lugares celestiais" (Ef. 6, 12).
d - Aqui nos aproximamos do assunto dos pedágios
Não é por acaso que a Oração do
Senhor terminava com as palavras: "Não nos deixe cair em tentação
mas livra-nos do Maligno". A respeito do Maligno, em outro de Seus discursos
o Senhor disse aos seus discípulos: "Eu via Satanás, como
raio, cair do céu" (Lc. 10, 18). Jogado para baixo do céu,
ele tornou-se então um residente das esferas inferiores, o príncipe
das potestades do ar, o príncipe da legião de espíritos
imundos. "E quando o espírito imundo tem saído do homem" mas
não encontra repouso para si, ele retorna a casa de onde havia saído
e achando desocupada, varrida e adornada "então vai e leva consigo
outros espíritos piores do que ele e entrando habita ali, e são
os últimos actos desse homem piores do que os primeiros. Assim acontecerá também
a essa geração má" (Mt. 12, 43-45).
Foi só uma geração? A respeito da mulher curada que foi
curada no Sábado, o Senhor não respondeu: "E não
convinha soltar desta prisão. No dia de sábado esta filha de
Abraão, a qual há dezoito anos Satanás a tinha presa?" (Lc.
13, 16).
Os Apóstolos em suas instruções não esquecem de
nossos inimigos espirituais: São Paulo escreve aos Efésios: "Em
que noutro tempo andastes segundo o curso desse mundo, segundo o príncipe
das potestades do ar, do espírito que agora opera nos filhos da desobediência" (Ef.
2, 2). Desse modo, agora, "revesti-vos de toda a armadura de Deus, para
que possais estar firmes contra as astutas ciladas do Diabo" (Ef. 6, 11). "porque
o Diabo... bramando como leão, busca a quem possa devorar" (1 Ped.
5, 8). Sendo Cristão, podemos chamar essas citações da
Escritura de "mitologia"?
Esses avisos dados a gerações previas encontrados na palavra
escrita de Deus também se referem a nós. Por isso os obstáculos à salvação
são os mesmos. Alguns deles são devidos à nossa própria
falta de cuidado, nossa auto-confiança, nossa falta de preocupação,
nosso egoísmo, ás nossas paixões do corpo; outros estão
nas tentações e os tentadores que nos circundam; em pessoas,
e nos poderes invisíveis das trevas que nos circundam. Eis ai porque,
em nossas orações pessoais diárias nós pedimos
a Deus. Não permitir nenhum "sucesso do maligno" (das Orações
Matutinas), isto é, que não nos seja permitido nenhum sucesso
em nossos feitos que possa ocorrer com a ajuda dos poderes das trevas. Em geral,
em nossas orações privadas e também nas louvações
divinas públicas, nós nunca perdemos de vista a idéia
de sermos transladados para uma vida diferente após a morte.
Nos tempos dos Apóstolos e dos primeiros Cristãos, quando os
Cristãos eram mais inspirados, quando a diferença entre o mundo
pagão e o mundo dos cristãos era muito mais clara, quando o sofrimento
dos mártires era a luz do Cristianismo, existia menos preocupação
em apoiar o espírito dos Cristãos orando sozinho. Mas o Evangelho é abrangente!
As demandas do Sermão da Montanha não tiveram significado só para
os Apóstolos! E por isso, nos escritos dos Apóstolos nós
já lemos não simples instruções, mas também
avisos a respeito do futuro, quando nós tivermos que prestar contas.
"
Revesti-vos de toda armadura de Deus, para que possais estar firmes contra
as astutas ciladas do Diabo... para que possais resistir no dia mau, e, havendo
feito tudo, ficar firmes" (Ef. 6, 11-13). "Porque, se pecarmos involuntariamente,
depois de termos recebido o conhecimento da verdade, já não resta
mais sacrifício pelos pecados, mas uma certa expectação
horrível de juízo, e ardor de fogo, que há de devorar
os adversários... horrenda coisa é cair nas mãos do Deus
vivo" (Heb. 10, 26-31). E apiedai-vos de alguns, que estão duvidosos;
E salvai alguns arrebatando-os do fogo; tende deles misericórdia com
temor, aborrecendo até a roupa manchada da carne. (Jud. 22, 23). "Porque é impossível
que os que já foram iluminados; e provaram o dom celestial, e se fizeram
participantes do Espírito Santo e provaram a boa palavra de Deus, e
as virtudes do século futuro, e recaíram sejam outra vez renovados,
para arrependimento, pois assim quanto a eles, de novo crucificaram o Filho
de Deus, e o expõe ao vitupério" (Ef. 6, 4-6).
Assim era na era Apostólica. Mas quando a Igreja, tendo recebido liberdade,
começou a crescer com massas de povo, quando a inspiração
geral da fé começou a enfraquecer, existiu uma necessidade mais
crítica de palavras mais poderosas, para denuncias, para chamar à vigilância
espiritual, para temor de Deus e temer pela própria fé. Na colecção
de instruções pastorais do mais zelosos arquipastores lemos homilias
severas dando descrições do futuro julgamento que nos espera
depois da morte. Essas homilias tinham a intenção de trazer pecadores
a seus sentidos, e evidentemente elas eram dadas durante períodos de
arrependimento cristão geral antes da Grande Quaresma. Nelas estava
a verdade da justiça de Deus, a verdade que nada imundo entrará no
reino da santidade e esta verdade era vestida de vívidas, parcialmente
figurativas imagens, próximas a imagens do julgamento que se segue imediatamente
após a morte de "pedágios". As mesas dos publicanos,
os colectores de taxas e obrigações, eram evidentemente pontos
para deixar que alguém fosse além na estrada para a parte central
da cidade. Lógico que a palavra "pedágio" não
indica para nós nenhum significado religioso particular. Na linguagem
patrística ela significa aquele curto período depois da morte
quando a alma Cristã tem que prestar contas por seu estado moral.
São Basílio escreve: "Que ninguém se engane com palavras
vazias, "pois então lhe sobrevirá repentina destruição" (1
Tess. 5, 3) e causa uma reviravolta como uma tempestade. Um anjo estrito virá,
ele forçosamente conduzirá a tua alma, ligada a pecado. Ocupe-se
portanto com reflexões no último dia... Imagine para si próprio
a confusão, o curto respirar, e a hora da morte, a sentença de
Deus chegando perto, os anjos se apressando para ti, a terrível confusão
da alma atormentada por sua consciência, com teu lastimável semblante
olhando o que está acontecendo e finalmente a inevitável translação
para um lugar distante (São Basílio, o Grande, citado em «Essay
in na Historical Exposition of Orthodoxy Theology», por Bishop Sylvester,
vol. 5, p. 89).
São Gregório, o Teólogo, que guiou um grande rebanho só por
curtos períodos, limita-se a palavras gerais dizendo que "cada
um é um juiz de si próprio, por causa da cadeira de julgamento
esperando por ele".
Há uma descrição mais chocante encontrada em São
João Crisóstomo: "Se, dirigindo-nos para lugares estrangeiros
ou cidades nós necessitamos de guias, então de quantos ajudantes
e guias nós precisaremos para passar não retardados e embaraçados
pelos anciãos, pelas potestades, pelos governadores do ar. Os perseguidores,
os colectores chefes! Por essa razão a alma, voando para fora do corpo,
frequentemente sobe e desce, teme e treme. A consciência dos pecados
sempre nos atormenta, ainda mais na hora quando formos conduzidos para aquele
julgamento e para aquele assustador local de julgamento! Continuando São
João Crisóstomo, dá instruções morais para
um modo de vida cristão. Como para crianças que morreram, ele
coloca em suas bocas as seguintes palavras: "Os santos anjos pacificamente
nos separam de nossos corpos, e tendo bons guias, nós passamos sem dano
pelos poderes do ar. Os espíritos malignos não encontraram em
nós o que eles estavam buscando; eles não notaram o que eles
queriam envergonhar; vendo uma alma imaculada; eles ficaram envergonhados;
vendo uma língua impoluta, eles ficaram mudos. Nós passamos por
eles e pusemo-los em vergonha. A rede estava rasgada e fomos libertados. Bendito
seja Deus que não nos deu como presa para eles" (São João
Crisóstomo, Homilia 2, «On Remembering the Dead»).
A Igreja Ortodoxa descreve os mártires cristãos, homens e mulheres,
como atingindo a câmara nupcial tão livremente como crianças
e sem dano. No quinto século a descrição do julgamento
da alma após sua partida do corpo, chamado de Julgamento Particular,
era ainda mais justo da descrição dos pedágios, como nós
vemos em São Cirilo de Alexandria em sua «Homily on the Departure
of the Soul», que resume as imagens desse tipo nos Padres da Igreja que
o precederam.
É
perfeitamente claro para qualquer um que imagens puramente horrendas são
aplicadas a assuntos espirituais para que a imagem sendo impressa na memória
possa acordar a alma do homem: "Vê o noivo vem à meia-noite,
e bendito é o servo que ele encontrar atento" ao mesmo tempo, nessas
descrições o pecado que está presente no homem decaído é revelado
em seus vários tipos e formas, e isso inspira o homem a analisar seu
próprio estado de alma. Nas instruções dos ascetas cristãos
os tipos de formas de pecado têm uma estampa especial própria;
nas vidas dos santos há também uma estampa característica.
Dada a disponibilidade das vidas dos santos, o relato dos pedágios pela
justa Teodora, descrito por ela em detalhe por São Basílio, o
Novo, em seu sonho, tornou-se especialmente bem conhecido. Autenticas visões
das almas dos que partilham sem sua forma terrena. O relato de Teodora tem
as características de um e de outro. A ideia de que bons espíritos,
ou anjos da guarda, assim como também os espíritos malignos abaixo
do céu participam no destino do homem (após a morte), encontram
confirmação na parábola do homem rico e Lázaro.
Lázaro imediatamente após a morte foi levado por anjos para o
seio de Abraão. E outra parábola, o homem injusto ouve essas
palavras: "Louco, esta noite pedir-te-ão a tua alma" (Lc.
12, 10); evidentemente quem "pede" são os mesmos espíritos
malignos abaixo do céu.
De acordo com a lógica simples e também com a confirmação
pelo Verbo de Deus a alma imediatamente após sua separação
do corpo entra numa espera onde seu destino futuro é definido. "E,
como aos homens está ordenado morrerem uma vez, vindo depois disso o
juízo", lemos nós no Apóstolo Paulo (Heb. 9, 27).
Esse é o Julgamento Particular, que é independente do Juízo
Final Universal.
O ensinamento a respeito do Julgamento Particular de Deus entra na esfera da
teologia dogmática. Para os pedágios, escritores russos de sistemas
gerais de teologia limitam-se a uma nota bem estereotipada: "A respeito
de todas as imagens terrenas sensoriais pelas quais o Julgamento Particular é apresentado
na forma de pedágio, embora na ideia fundamental eles são completamente
verdadeiros, ainda assim eles deveriam ser aceitos do modo que o anjo instruiu
São Macário de Alexandria, sendo somente os mais fracos meios
de descrever as coisas celestes" (Ver Macário, Metropolita de Moscovo
em «Orthodox Dogmatic Theology», São Petesburgo, 1883, vol
2, p 538; também o Livro do Bispo Silvestre, reitor da Academia Teológica
de Kiev. Arcebispo Filaret de Cherwingov, em seus dois volumes sobre teologia
dogmática, não comenta sobre esse assunto).
Se alguém se queixar do carácter assustador das descrições
dos pedágios - não há muitas descrições
deste tipo nas escrituras do Novo testamento e nas palavras do Senhor? Não
ficamos assustados pela pergunta simples: "...como entraste aqui, não
tendo vestido nupcial?" (Mt. 22, 12).
Nós atendemos à discussão sobre pedágios, um tópico
que é secundário no reino do nosso pensamento Ortodoxo, porque
ele nos dá oportunidade de iluminar a essência da nossa vida em
Igreja. Nossa vida na Igreja Cristã, é de oração
não interrompida em comunhão com o mundo celeste. Não é uma
simples "invocação dos santos", como é frequentemente
chamada; é uma interacção em amor. Por ela o Corpo todo
da Igreja, estando unido e reforçado em seus membros e ligações "vai
crescendo em aumento de Deus" (Col. 2, 19). Pela Igreja "chegamos à Jerusalém
Celestial, e aos muitos milhares de anjos, à universal assembleia e
igreja dos aperfeiçoados" (Heb. 12, 22 - 23). Nossa interacção
em oração estende-se em todas as direcções. Foi-nos
ordenado: "Orai uns pelos outros". Nós vivemos de acordo com
o princípio da fé: "vivamos ou morramos, somos do Senhor" (Rom.
14, 8). "O amor nunca falha" (1 Cor. 13, 8). "porque o amor
cobrirá a multidão de pecador" (1 Ped. 4, 8).
Para a alma não há morte. Vida em Cristo é um mundo de
oração. Ela penetra o corpo todo da Igreja, une todos os membros
da Igreja como o Pai celestial, os membros da Igreja terrena entre si e os
membros da igreja terrena com a Igreja celeste. Orações são
o fio da fábrica viva do corpo da Igreja, pois "a oração
feita por um justo pode muito" (Tiago 5, 16). Os vinte e quatro anciãos
no céu no trono de Deus se prostram diante do Cordeiro, cada um tendo
harpas e salvas de ouro cheias de incenso "que são a oração
dos Santos" (Apoc. 5, 8); isto é, eles oferecem oração
na terra para o trono celeste.
A Igreja ensina-nos que o Senhor é compassivo e misericordioso, tolerante
e paciente com ofensas e pródigo em misericórdia, e está pesaroso
sobre os feitos malignos dos homens, tomando sobre si nossas enfermidades.
Na Igreja celeste estão também nossos intercessores, nossos ajudantes,
aqueles que oram por nós. A Puríssima Mãe de Deus é a
nossa protecção. As nossas orações são as
orações dos santos, escritas por eles, que vieram de seus corações
contritos durante os dias de suas vidas terrenas. Aqueles que oram podem sentir
isso, e assim os próprios santos chegam mais perto de nós. Tais
são as nossas orações diárias; tal também é o
ciclo completo dos ofícios Divinos de todo dia, de toda semana, e das
festas.
Toda essa literatura litúrgica não foi concebida como um exercício
académico. Os inimigos do ar são impotentes contra tal ajuda.
Mas nós devemos ter fé e nossas orações devem ser
fervorosas e sinceras. Há mais alegria no céu por um que se arrepende,
que por outro que não tem necessidade de arrependimento. Com que insistência
a Igreja nos ensina (nas litanias) a passar o "resto de nossas vidas na
paz e no arrependimento", e morrer assim! Ela nos ensina a chamar a nossa
memória a Santíssima, Puríssima e Abençoadíssima
Senhora Theotokos e todos os santos, entregando-nos e cada um de nós
em cada instante de nossa vida a Cristo nosso Deus.
Ao mesmo tempo, com toda essa nuvem de protectores celestes, não ficamos
contentes pela especial proximidade de nós de nossos anjos da guarda.
Eles são mansos, eles se regozijam connosco, e também ficam pesarosos
com nossas quedas. Nós ficamos preenchidos com esperança neles,
no estado que nós estaremos quando nossa alma for separada do corpo,
quando tivermos que entrar na nova vida: será na luz ou nas trevas,
em alegria ou tristeza? Por isso, todos os dias oramos para nossos anjos pelo
dia presente: "Livra-nos de toda astúcia do inimigo oponente".
Em cánones especiais de arrependimento nós imploramos aos anjos
que não se afastem de nós para após a nossa morte: "Eu
vejo-te com meu olhar espiritual, tu que permanece comigo meu companheiro,
santo anjo, observando, acompanhando e sempre permanecendo comigo e sempre
oferecendo a mim o que é para salvação". "Quando
minha humilde alma for liberada do meu corpo, possa tu cobri-la, ó meu
instrutor, com teu brilho e sagradas asas". "Quando o assustador
som da trombeta me ressuscitar para o julgamento, fica perto de mim então;
quieto e alegre, e que tua esperança na minha salvação
retire o meu medo". "Pois tu és beato em virtude e doce e
alegre, uma mente brilhante como o sol; intercede brilhantemente por mim com
a face alegre e o semblante radiante quando, eu estiver para ser tirado da
terra". "Possa eu então te ver levantando a mão direita
de minha miserável alma, brilhante e quieto, tu que intercede e ora
por mim, quando meu espírito for tomado à força; possa
eu te ver banindo aqueles que me buscam, meus amargos inimigos" (do Cánon
para o Anjo da Guarda de João, o Monge, no Livro de Orações
para os Padres).
Assim, a Santa Igreja pelas fileiras dos seus construtores, os Apóstolos,
os grandes hierarcas, os santos ascetas, tendo como seu pastor chefe Nosso
Salvador e Senhor Jesus Cristo, criou e nos dá todos os meios para a
perfeição espiritual e o atendimento da eternamente abençoada
vida em Deus, instilando em nós um espírito de vigilância
e luminosa esperança, cercando-nos com santos guias e ajudantes celestes.
No «tipikon» dos ofícios Divinos da Igreja, nos é dada
um caminho directo para o alcance do Reino de Glória.
Entre as imagens do Evangelho a Igreja com frequência lembra-nos da parábola
do filho pródigo, e uma semana no ciclo anual dos ofícios da
Igreja é inteiramente dedicada a essa lembrança para que possamos
conhecer o ilimitado amor de Deus, e o facto de que um sincero, contrito, cheio
de lágrimas arrependimento de um homem que crê supera todos os
obstáculos e todos os pedágios no caminho do Pai celeste.
e - Os sinais da Segunda Vinda do Senhor
Não era agradável ao Senhor - para nosso próprio
benefício moral – revelar-nos o tempo do "último dia" do
céu e terra presentes, o dia da vinda do Filho do Homem, "O Dia
do Senhor". "...daquele dia e hora ninguém sabe, nem os anjos
do céu, nem o Filho, mas unicamente meu Pai" (Mt. 24, 36). "Não
vos pertence saber os tempos ou as estações que o Pai estabeleceu
pelo seu próprio poder" (Atc. 1, 7). O facto de que o tempo é desconhecido
deveria levar os Cristãos a uma constante vigilância espiritual: "Olhai,
vigiai e orai, porque não sabeis quando chegará o tempo... e
as coisas que vos digo digo-as a todos: Vigiai". (Mc. 13, 33-37)
No entanto, o desconhecimento do tempo do Senhor não deveria evitar
que os Cristãos reflectissem profundamente sobre o curso dos eventos
históricos discernindo neles os sinais de aproximação
do tempo do "último dia". O Senhor ensinou: "Aprendei
pois esta parábola da figueira: quando já os seus ramos se tornam
tenros e brotam folhas sabeis que está próximo o verão.
Igualmente, quando virdes todas essas coisas, sabe que ele está próximo às
portas" (Mt. 24, 32-33).
Aqui estão alguns dos sinais indicados na Palavra de Deus:
A - O espalhamento do Evangelho para o mundo todo: "E este evangelho do
reino será pregado em todo o mundo, em testemunho a todas as gentes,
e então virá o fim" (Mt. 24, 14).
B - De outro lado, haverá uma extraordinária manifestação
dos poderes do Demónio: "E por se multiplicar a iniquidade de muitos
esfriará" (Mt. 24, 12). O Apóstolo Paulo diz: "...nos últimos
dias sobrevirão tempos trabalhosos. Porque haverá homens amantes
de si mesmo, avarentos, presunçosos, soberbos, blasfemos... mais amigos
dos deleites do que amigo de Deus, tendo aparência de piedade, mas negando
a eficácia dela" (2 Tim. 3, 1-5). A fé em geral crescerá fraca: "...Quando
vier o Filho do homem, porventura achará fé na terra?" (Lc.
18, 8).
C - O Demónio levantará guerra contra o Reino de Cristo através
do seu instrumento, o Anticristo. O nome Anticristo é usado na Sagrada
Escritura com dois sentidos: no sentido amplo e geral ele indica todo inimigo
de Cristo; esse é o sentido quando "Anticristo" são
falados na primeira e segunda epístola de São João, o
Teólogo. Mas num sentido particular, "Anticristo" significa
uma pessoa definida - o adversário de Cristo que aparece antes do fim
do mundo. A respeito das qualidades e acções desse Anticristo
nós lemos no Apóstolo Paulo: "Ninguém de maneira
alguma vos engane; porque não será assim sem que antes venha
a apostasia, e se manifeste o homem do pecado, o filho da perdição,
o qual se opõe, e se levanta contra tudo o que se chama Deus, ou se
adora; de sorte que se assentará, como Deus, no templo de Deus, querendo
parecer Deus... Porque já o mistério da injustiça opera:
somente há um que agora resiste até que do meio seja tirado.
E então será revelado o iníquo, a quem o Senhor desfará pelo
assopro da sua boca, e aniquilará pelo esplendor da sua vinda; a esse
cuja vinda é segundo a eficácia de Satanás, como todo
o poder e sinais e prodígios de mentira, e com todo o engano da justiça
para os que perecem, porque não receberam o amor da verdade para se
salvarem. E por isso Deus lhes enviará a operação do erro,
para que creiam a mentira" (2 Tess. 2, 3-11).
A imagem desse adversário de Deus é apresentado também
no Profeta Daniel (7; 11); e no Novo Testamento no Apocalipse de São
João, o Teólogo (11; 13). A actividade do Anticristo continuará até o
dia do Juízo (2 Tess. 2, 8). O carácter da pessoa do Anticristo
e as suas actividades estão descritas hipoteticamente, mas em detalhes,
por São Cirilo de Jerusalém em sua «Catechetical Lectures» (a
décima quinta); e por São Efrém, o Sírio, em sua «Homily
on the Corning of the Lord and Antchrist» (ver, a tradução
para o inglês de «Eerdmans das Catechetical Lectures», p.
106-110. A homilia de Santo Efrém, «Concerining the Coming of
the End of the Wold and the Coming of Antichrist», foi traduzida para
o inglês na «Orthodox Life» 1970, nº 3).
D - No Apocalipse de São João, o Teólogo, é indicada
a aparição de "duas testemunhas" durante o período
de actividade do Anticristo; eles profetizarão a verdade e realizarão
milagres, e quando terminarem seu testemunho serão mortos, e então
depois de "três dias e meio serão ressuscitados e ascenderão
ao céu" (Apoc. 11, 3-12). (De acordo com a interpretação
universal dos Santos Padres, essas "duas testemunhas" (também
mencionadas em Zacharias cap. 3) são os justos do Velho Testamento Enoc
e Elias, que nunca morreram mas foram carregados vivos para o céu, e
enfrentarão sua morte terrena somente durante o reino do Anticristo).
f - A segunda vinda do Filho do Homem
O olhar espiritual do homem que acredita em Cristo, começando
com a Ascensão da terra para o céu do Filho de Deus, tem sido
dirigido para o maior evento futuro da historia do mundo: a sua Segunda Vinda
para a terra.
Testemunhos para a realidade dessa esperada Vinda foram dados bastante definidamente
muitas vezes pelo próprio Senhor Jesus Cristo, com uma série
de detalhes a respeito (Mt. 16, 27 e cap. 24; Lc. 12, 40 e 17, 24; Jo. 14,
3). Os anjos declararam a Segunda Vinda na Ascensão do Senhor (Atc.
1, 11). Os Apóstolos com frequência a mencionam: o Apóstolo
Judas (versículos 14, 15); o Apóstolo João (1 Jo. 2, 28);
o Apóstolo Pedro (1 Ped. 4, 13); e o Apóstolo Paulo muitas vezes
(1 Cor. 3, 5; 1 Tess. 5, 2-6 e em outros lugares).
O Senhor descreveu para os seus discípulos a maneira da sua vinda com
as seguintes características: ela será súbita e obvia
para todo o mundo: "Porque, assim como o relâmpago sai do Oriente
e se mostra até o ocidente, assim será a vinda do Filho do Homem" (Mt.
24, 27).
Antes de tudo, "aparecerá no céu o sinal do Filho do Homem,
e todas as tribos da terra se lamentarão" (Mt. 24, 30). Esse, de
acordo com a interpretação universal dos Santos Padres da Igreja,
será o sinal da vivificante Cruz do Senhor.
O Senhor virá cercado por inumeráveis coros de anjos, em toda
a sua glória: "Eles verão o Filho do Homem, vindo sobre
as nuvens do céu, com poder e grande glória" (Mt. 24, 30), "com
os santos anjos" (Mc. 8, 38). "Ele se assentará no trono da
Sua glória" (Mt. 25, 31). Assim a Segunda Vinda será diferente
da primeira quando o Senhor: “humilhou-se a si mesmo, sendo obediente
até a morte, e morte na cruz” (Filip. 2, 8).
g - A ressurreição dos mortos
No grande dia da Vinda do Filho do Homem será cumprida
a ressurreição universal dos mortos em uma aparência transfigurada.
A respeito da ressurreição dos mortos o Senhor diz: "porque
vem a hora em que todos os que estão nos sepulcros ouvirão a
sua voz; e os que fizeram o bem sairão para a ressurreição
da vida; e os que fizerem o mal para a ressurreição da condenação" (Jo.
5, 28-29). Quando os saduceus expressaram descrença na possibilidade
da ressurreição, o Senhor censurou-os: "Errais, não
conhecendo as Escrituras, nem o poder de Deus" (Mt. 22, 29).
A certeza na verdade da ressurreição e da importância da
crença na ressurreição foram expressas pelo Apóstolo
Paulo nas seguintes palavras: "E se não há ressurreição
dos mortos, também Cristo não ressuscitou. E se Cristo não
ressuscitou logo é vã a nossa pregação, e também é vã a
vossa fé. E assim somos também considerados como falsos testemunhos
de Deus, pois testificamos de Deus que ressuscitou a Cristo, ao qual, porém,
não ressuscitou, se, na verdade, os mortos não ressuscitam...
Mas agora Cristo ressuscitou dos mortos, e foi feito as primícias dos
que dormem... Porque, assim como todos morrem em Adão, assim também
todos serão vivificados em Cristo" (1 Cor. 15, 13-15; 20, 22).
A ressurreição dos mortos será universal e simultânea
tanto dos justos quanto dos pecadores. Todos os mortos: "ouvirão
a sua voz. E os que fizeram o bem sairão para a ressurreição
da vida; e os que fizeram o mal para a ressurreição da condenação" (Jo.
5, 29). "Há-de haver ressurreição de mortos, assim
dos justos como dos injustos" (Act. 24, 15 essas são as palavras
do Apóstolo Paulo diante do governador Félix). Se o mesmo Apóstolo
noutro lugar (1 Cor. 15 e também 1 Tess. 4), falando da ressurreição
dos mortos em Cristo, não menciona a ressurreição dos
pecadores, isto é evidentemente por causa do seu propósito directo
que é de forçar a fé dos Cristãos em sua futura
ressurreição em Cristo. No entanto, não há duvida
que a aparência ou forma dos ressuscitados justos será diferente
da dos ressuscitados pecadores: "Então os justos resplandecerão
como o sol, no reino de Deus Pai" - são palavras faladas pelo Senhor
só sobre os justos (Mt. 14, 43) "alguns parecerão luz e
os outros trevas", reflecte São Efrém, o Sírio, nessa
passagem (Homilia «on the Fear of God and tje Last Judgemene»).
Da palavra de Deus deve-se concluir que os corpos ressuscitados serão
essencialmente os mesmos que pertenceram a suas almas na vida terrena. "Convém
que isto que é corruptível se revista da incorruptibilidade,
e que isto que é mortal se revista da imortalidade" (1 Cor. 15,
53). Mas ao mesmo tempo, eles serão transfigurados, e primeiro de tudo,
os corpos dos justos serão incorruptos e imortais, como é evidente
das mesmas palavras do Apóstolo. Eles serão completamente livres
das fraquezas e enfermidades da vida presente. Eles serão espirituais,
celestes, não tendo necessidades corporais terrenas. A vida depois da
ressurreição será como a vida dos espíritos sem
carne, os anjos, de acordo com a palavra do Senhor (Lc. 20, 36). Para os pecadores,
seus corpos também sem nenhuma dúvida se levantarão numa
nova forma, mas recebendo uma natureza incorrupta e espiritual, ao mesmo tempo
eles expressarão em si mesmos a condição de suas almas.
Com o objectivo de fazer a fé na futura transformação
dos corpos mais fácil, o Apóstolo compara a futura ressurreição
com semeadura, um símbolo da ressurreição dado por natureza: "mas
alguém dirá: como ressuscitarão os mortos? E com que corpo
virão? Insensato! O que tu semeias não é vivificado, se
primeiro não morrer. E quando semeias, não semeias o corpo que
há-de nascer, mas o simples grão, como de trigo, ou outra qualquer
semente. Mas Deus dá-lhe o corpo como quer, e a cada semente o seu próprio
corpo" (1 Cor. 15, 35-38).
Com o mesmo objectivo os Padres da Igreja indicaram que no mundo em geral nada é aniquilado
e desaparece, e que Deus é poderoso para restaurar aquilo que Ele mesmo
criou. Voltando à natureza, eles encontram nela similaridade com a ressurreição,
tais como: o brotar de plantas de uma semente que é jogada na terra
e apodrece ali; a renovação anual da natureza na primavera; a
renovação do dia, o acordar do sono; a formação
original do homem do pó da terra; e outras manifestações.
A ressurreição universal e os acontecimentos que a ela se seguem
são realidades que nós somos incapazes de representar totalmente
em nossa imaginação, já que nunca as experimentamos em
sua autêntica forma futura; nem podemos compreendê-las completamente
com nosso pensamento racional, nem resolver as numerosas questões que
são postas pelas mentes curiosas a respeito desse assunto. Por isso,
essas questões e as concepções pessoais que foram expressas
em resposta a ela - frequentemente em várias formas - nos escritos dos
Padres e Professores da Igreja não entram imediatamente no assunto da
teologia dogmática, cuja obrigação é desenhar as
verdades precisas da fé baseada na Sagrada Escritura.
h - O erro do quiliasmo
Bastante espalhado nos dias de hoje está o ensinamento
a respeito do reino de Cristo na terra por mil anos antes do universal ou Juízo
Final; esse ensinamento é conhecido pelo nome de "quiliasmo" (do
grego «chiliasmos», mil anos). A essência desse ensinamento é o
seguinte: muito antes do final do mundo, Cristo virá novamente para
a terra para derrotar o Anticristo e ressuscitar somente os justos, para estabelecer
um novo reino na terra no qual os justos, como recompensa por suas lutas e
sacrifícios, reinarão junto com Ele pelo período de mil
anos, regozijando-se com todas as coisas boas da vida temporal. Depois disso
seguir-se-á uma segunda universal ressurreição dos mortos,
o julgamento universal, e a universal e eterna doacção de recompensas.
Essas são as ideias dos quiliastas. Os defensores desse ensinamento
baseiam-se nas visões do visor de mistérios (João, o Teólogo)
no 2º capítulo do Apocalipse. Ali é dito que um anjo desceu
do céu e amarrou Satanás por mil anos que as almas daqueles que
foram degolados por testemunho de Jesus e pela Palavra de Deus vieram à vida
e reinaram com Cristo por mil anos. "Esta é a primeira ressurreição" (Apoc.
20, 5). "E acabando-se os mil anos, Satanás será solto da
sua prisão e sairá a enganar as nações" (Apoc.
20, 7-8). Logo então segue o julgamento do Diabo e daqueles que foram
enganados por ele. Os mortos serão levantados e julgados de acordo com
seus feitos. "E aquele que não foi achado escrito no livro da vida
foi lançado no lago de fogo... esta é a segunda morte" (Apoc.
20, 15). Sobre os que foram ressuscitados na primeira ressurreição,
no entanto, na segunda morte não terá poder.
As visões quiliásticas estiveram espalhadas na antiguidade principalmente
entre os heréticos. No entanto, elas também podem ser encontradas
em certos escritores antigos, Cristãos da Igreja Universal, (por exemplo
Papias de Hierápolis, Justino o Mártir, Irineu de Lyon). Em tempo
mais recentes essas visões foram ressuscitadas nas seitas protestantes;
e finalmente, nós vemos tentativas de certos teólogos modernistas
de nosso tempo de introduzir ideias quiliásticas também no pensamento
teológico Ortodoxo.
Como foi indicado, nesse ensinamento são supostos dois julgamentos futuros,
um para os justos ressuscitados, e então um segundo, universal; há duas
ressurreições futuras, primeiro uma dos justos, e então
outra dos pecadores; há duas futuras vindas do Salvador em glória;
há um futuro puramente terreno - ainda que bendito - reino de Cristo
com os justos com uma definida época histórica. Formalmente,
esse ensinamento é baseado num incorrecto entendimento da expressão "a
primeira ressurreição"; enquanto interiormente, sua causa
está enraizada na perda, entre as massas do sectarismo contemporâneo,
da fé na vida depois da morte, na beatitude dos justos no céu
(com quem as massas não têm comunhão em oração);
e outra causa em certas seitas, é para ser encontrada nos sonhos utópicos
para sociedades escondidas atrás de ideias religiosas e inseridas nas
misteriosas imagens do apocalipse.
Não é difícil ver o erro na interpretação
quiliástica do 2º capítulo do Apocalipse. Passagens paralelas
claramente indicam que a "primeira ressurreição" significa
renascimento espiritual na vida eterna em Cristo através do Baptismo,
uma ressurreição através da fé em Cristo, de acordo
com as palavras: "Desperta, tu que dormes, e levanta-te dentre os mortos
e Cristo te esclarecerá" (Ef. 5, 14). "Vós ressuscitastes
com Cristo", lemos muitas vezes nos Apóstolos (Col. 3, 1 e 2, 12;
Ef. 2, 5-6). Procedendo disso, por reino de mil anos deve-se entender o período
de tempo desde o início do reino da graça da Igreja de Cristo,
e em particular da triunfante Igreja do céu, até o final do mundo.
A Igreja que é militante na terra em essência também é triunfante
na vitória executada pelo Salvador, mas ainda enfrenta batalha com o "príncipe
desse mundo", uma batalha que terminará com a derrota de Satanás
e com o final de joga-lo no lago de fogo.
A "segunda morte" é o julgamento dos pecadores no Juízo
Final. Ela não tocará aqueles que "tem parte na primeira
ressurreição" (Cap. 20, 6); isso significa que aqueles que
são espiritualmente renascidos em Cristo e purificados pela graça
de Deus na Igreja não serão submetidos a julgamento mas entrarão
na vida abençoada do Reino em Cristo.
Se em algum tempo foi possível expressar ideias quiliásticas
como opiniões particulares, foi só até o Concílio
Ecuménico expressar o seu julgamento sobre isso. Mas quando o Segundo
Concilio Ecuménico (381), condenando todos os erros do herético
Apolinário, condenou também o seu ensinamento sobre os mil anos
do Reino de Cristo e introduziu no próprio símbolo da fé as
palavras a respeito de Cristo: "E seu Reino não terá fim" -
tornou-se não mais possível de todo um Cristão Ortodoxo
manter essas opiniões. (Um dos padres lideres da Igreja no inicio que
combateu a heresia do quiliasmo foi o Bem-aventurado Santo Agostinho: ver as
suas discussões sobre isso no «The City of God» 20, 7-9,
p. 718-728. Ele liga a "prisão" do Diabo por mil anos (Apoc.
20, 2) com a "prisão" do "homem valente" em Mc.
3, 27 (ver também Jo. 12, 31; as palavras de Cristo logo antes de sua
Paixão: "agora será expulso o príncipe desse mundo"),
e afirma que "a prisão do demónio é ele ser impelido
a exercer todo o seu poder para seduzir o homem". Os Cristãos Ortodoxos
que experimentaram a vida da graça na Igreja podem entender bem o que
os protestantes não podem: que os "mil anos" (o período
todo) do Reino de Cristo com os seus santos e o poder limitado do Diabo é agora.
Um erro relacionado largamente espalhado entre protestantes contemporâneos, é o "rapto".
Não ouvido antes do século XIX, essa crença diz que durante
a "grande tribulação" próximo ao fim do mundo
(ou antes ou depois do "milénio" de acordo com várias
versões), os verdadeiros Cristãos serão "raptados" para
o ar, para escapar dos sofrimentos que existirão para os que permanecerem
na terra. Isso é baseado numa interpretação errada de
1 Tess. 4, 17, que ensina que no final do mundo propriamente dito os fiéis
serão "arrebatados nas nuvens", junto com os mortos ressuscitados, "a
encontrar o Senhor" que está vindo para o julgamento e a abertura
do eterno Reino dos Céus. A Escritura é bem clara que mesmo os
eleitos sofrerão na terra no período de "tributação",
e que por eles esse período será abreviado (Mt. 24, 21-22).).
i - O final do mundo
Como resultado da queda do homem, a criação
inteira foi involuntariamente submetida á "servidão da corrupção" e "geme...
tem as dores do parto... juntamente connosco" (Rom. 8, 21-23). O tempo
virá quando todo o mundo material e humano será purificado do
pecado no mundo angélico. Essa renovação do mundo material
será cumprida no "último dia", o dia quando o julgamento
final do mundo será cumprido; e ele ocorrerá por meio de fogo
o género humano antes do dilúvio pereceu sendo afogado na água.
Mas o Apóstolo Pedro instrui-nos que: "Os céus e a terra
que agora existem pela mesma palavra reservam-se como tesouro, e guardam-se
para o fogo, até o dia do juízo, e da perdição
dos homens ímpios" (2 Ped. 3, 7). "O dia do Senhor virá como
o ladrão da noite no qual os céus passarão com grande
estrondo, e os elementos ardendo se desfarão, e a terra e as obras que
nela há, se queimarão... Mas nós segundo a sua promessa,
aguardamos novos céus e nova terra, em que habita a justiça" (2
Ped. 3, 10-13).
Que o mundo presente não é eterno foi profetizado até pelo
Salmista quando ele clama a Deus: "Desde a antiguidade fundaste a terra:
e os céus são obra das tuas mãos. Eles perecerão,
mas tu permanecerás: todos eles, como um vestido, envelhecerão;
como roupas os mudarás, e ficarão mudados" (Sal. 102, 25-26).
E o Senhor Jesus Cristo disse: "O céu e a terra passarão" (Mt.
24, 35).
O final do mundo consistirá não na sua total destruição
e aniquilação, mas numa completa mudança e renovação.
O Quinto Concílio Ecuménico, refutando vários ensinamentos
falsos dos origenistas, solenemente condenou também seu falso ensinamento
que o mundo material não seria meramente transformado, mas seria totalmente
aniquilado.
Os homens a quem a vinda do Senhor encontrar vivos na terra, de acordo com
a palavra do Apóstolo serão instantaneamente mudados, na mesma
maneira que os mortos ressuscitados serão mudados: "...nem todos
dormiremos, mas todos seremos transformados, num momento, num abrir e fechar
de olhos, ante a última trombeta, porque a trombeta soará, e
os mortos ressuscitarão incorruptíveis e nós seremos transformados.
Porque convém que isto que é corruptível se revista de
incorruptibilidade, e que isto que é mortal se revista da imortalidade" (1
Cor. 15, 51-53).
j - O julgamento final
Há numerosos testemunhos na Sagrada Escritura sobre
a realidade e indisputabilidade do Julgamento universal futuro: Jo. 5, 22,
27-29; Mt. 16, 27; 7, 21-23; 11, 22-29; 12, 36.41-42; 13, 37-43; 19, 28-30;
24, 30; 25, 31-46; Act. 17, 31; Judas 14, 15; 2 Cor. 5, 10; Rom. 2, 5; 7, 14-10,
1 Cor. 4, 5; Ef. 6, 8; Col. 3, 24-2; 2 Tess. 1, 6-10; 2 Tim. 4, 1; Apoc. 20,
11-15. Desses testemunhos a mais completa descrição é dada
em Mateus 25, 31-46 ("E quando o Filho do Homem vier em sua glória...")
de acordo com essa descrição podemos tirar conclusões
a respeito das características do julgamento. Ele será: Universal,
isto é, extensivo a todos os homens vivos e mortos, bons e maus, e de
acordo com outras indicações dadas na palavra de Deus, até os
próprios anjos decaídos (2 Ped. 2, 4; Judas 6); solene e aberto,
pois o Juiz aparecerá em toda a sua glória com todos os seus
anjos diante da face do mundo todo; estrito e terrível, executando em
toda Justiça de Deus - ele será "o dia de ira e da manifestação
da justiça de Deus" (Rom. 2, 5) final e definitivo, determinando
por toda a eternidade o destino de cada um que for julgado. O resultado do
julgamento será a recompensa eterna - bênção para
os justos e tormento para os malignos que forem condenados.
Descrevendo da maneira mais brilhante e jubilosa as características
da vida eterna dos justos depois do Julgamento Universal, a Palavra de Deus
fala da mesma maneira positiva, e certeza a respeito dos tormentos eternos
dos homens malignos. "Apartai-vos de mim, malditos para o fogo eterno",
o Filho do Homem dirá no dia do Julgamento: "E irão estes
para o tormento eterno, mas os justos para a vida eterna" (Mt. 25, 41-46).
Esta condição de tormento é apresentada na Sagrada Escritura
pintada como um lugar de tormento e é chamada de Gehenna (a imagem da ígnea
- com fogo). Gehenna é tomada do vale de Hinnon nos arredores de Jerusalém,
onde eram feitas as execuções, e também era jogada todo
tipo de coisa suja, e como resultado havia um fogo queimando constantemente
como defesa contra infecções). O Senhor disse: "E se tua
mão te escandalizar, corta-a: melhor é para ti entrares na vida
aleijado do que, tendo duas mãos, ires para o inferno (gehenna) para
o fogo que nunca se apaga, onde seu bicho não morre e o fogo nunca se
apaga" (Mc. 9, 43-48). "Haverá choro e ranger de dentes",
o Salvador repete muitas vezes a respeito de Gehenna (Mt. 8, 12 e outros lugares).
No Apocalipse de São João, o Teólogo, esse lugar ou condição é chamado
de "lago de fogo" (Apoc. 19, 20). E no Apóstolo Paulo nós
lemos: "Como labareda de fogo, tomando vingança dos que não
conhecem a Deus e dos que não obedecem ao evangelho de Nosso Senhor
Jesus Cristo" (2 Tess. 1, 9). As imagens do "bicho que não
morre" e do "fogo que nunca se apaga" são evidentemente
simbólicas e indicam a severidade dos tormentos. (Por "simbólica" nossa
linguagem contemporânea racionalista, usualmente entende "não
real não mais do que uma imagem" - uma definição
que daria uma idéia muito confusa da vida na era futura. Com respeito às
imagens nas quais futuras bênçãos e futuros tormentos são
descritos, deve-se repetir as palavras do anjo a São Macário
de Alexandria sobre os "pedágios" (citadas no texto acima): "Aceita
as coisas terrenas aqui como a mais fraca descrição das coisas
celestes"; certamente tais imagens como "o bicho" e o "fogo" correspondem
a realidades que são assustadoramente além de nossa imaginação
- e uma realidade que, enquanto não "material" de acordo com
nossa experiência em coisas terrenas, é no entanto de alguma forma "corporal",
correspondendo ao corpo espiritual ressuscitado que os sentirão! Deve-se
ler a assustadora experiência "real" do "bicho que não
morre" por um filho espiritual de São Serafim de Sarov («Are
There Tortures in Hell?« no «Orthodox Life», 1970, nº5)
de modo a se ganhar uma certa indicação da natureza dos futuros
na Gehenna). São João Damasceno diz: "Os pecadores serão
entregues ao fogo eterno, que não será um fogo material como
o que estamos acostumados, mas um fogo que Deus conhece" («Exact
Expositiion of the Ortodhodox Faith», Livro 4; 27. tradução
inglesa, p 406).
"
Eu sei", escreve São João Crisóstomo, "que muitos
são aterrorizados só pela gehenna, mas eu acho que a privação
daquela glória (do Reino de Deus) é um tormento maior que a gehenna" (homilia
23, sobre São Mateus). "Essa privação das coisas
boas", ele reflecte em outro lugar, "causará tal tormento,
tal tristeza e opressão, que mesmo que nenhuma punição
espere aqueles que pecam aqui, em si mesma (essa privação) pode
atormentar e perturbar nossas almas mais poderosamente que o tormento da gehenna,
muitas pessoas tolas desejam só serem libertadas da gehena; mas eu considero
muito mais atormentador do que a gehenna, a punição de não
estar naquela glória. E eu acho que aquele que é privado dessa
glória deveria não chorar tanto pelos tormentos na gehenna quanto
por ser privado das coisas boas do céu, pois só isso é o
mais cruel de todas as punições" (homilia 1, Papa Teodoro).
Pode-se ler uma explicação similar em Santo Irineu de Lyon (Agains
Heresies, Livro 5, cap. 27).
São Gregório, o Teólogo, ensina: "Reconhece a ressurreição,
o julgamento, e a recompensa dos justos pelo julgamento de Deus. E essa recompensa
para esses que foram purificados no coração será luz,
isto é, Deus visível e conhecido de acordo com o grau de pureza
de cada um, que nós chamamos também de Reino do Céu. Mas
para aqueles que são cegos na mente, isto é, para aqueles que
se tornaram estranhos para Deus, de acordo com o grau de sua presente cegueira,
serão trevas" (homilia 40, «On Holy Baptismo»).
A Igreja, baseando-se na Palavra de Deus, reconhece os tormentos na gehenna
como sendo eterno e sem fim, e por essa razão condenou no Quinto Concílio
Ecuménico o falso ensinamento dos origenistas que diziam que os demónios
e pessoas ímpias sofreriam no inferno somente por um certo tempo definido,
e então seriam devolvidos a sua condição original de inocência
(«apokatastasis» em grego). A condenação do Juízo
Final é chamada no Apocalipse de São João, o Teólogo,
de "segunda morte" (Apoc. 20, 14).
Uma tentativa de entender os tormentos da gehena num sentido relativo, entender
a eternidade como algum tipo de era ou período - talvez longo, mas mesmo
assim tendo um fim - foi feita na antiguidade, assim como é feita hoje;
essa visão em geral nega a realidade desses tormentos. Nessa tentativa
são trazidas à tona concepções de um tipo lógico:
a desarmonia entre tais tormentos e a bondade de Deus é apontada, assim
como a aparente desproporção entre crimes que são temporais
e a eternidade das punições por pecado, assim como também
a desarmonia entre essas punições eternas e o fim ultimo da criação
do homem, que é bênção de Deus.
Mas não cabe a nós definir os limites entre a inexprimível
misericórdia de Deus e sua justiça. Nós sabemos que o
Senhor: "Quer que todos os homens se salvem, e venham ao conhecimento
da verdade" (1 Tim. 2, 4); mas o homem é capaz, através
de sua própria vontade maligna, de rejeitar a misericórdia de
Deus e os meios de salvação. Crisóstomo, interpretando
a descrição do Juízo Final, demarca: "Quando Ele
(o Senhor) falou acerca do Reino, depois de dizer: "Vinde, benditos de
meu Pai, possui por herança o reino", Ele acrescenta, que está "preparado
para nós desde a fundação do mundo" (Mt. 25, 34),
mas quando falando sobre o fogo, Ele não fala assim, mas Ele acrescenta:
que está "preparado para o diabo e seus anjos" (Mt. 25, 41).
Pois eu prepararei para vós o Reino, mas o fogo Eu prepararei não
para vós mas para o Diabo e seus anjos. Mas desde que vós vos
jogastes no fogo, então acuseis a vós mesmos por isso" (homilia
70 sobre Mateus).
Não temos o direito de entender as palavras do Senhor só condicionalmente,
como ameaça ou como um certo meio pedagógico aplicado pelo Salvador.
Se nós entendermos nessa maneira nós erramos, já que o
Senhor não instila em nós nenhum desses entendimentos e nós
nos sujeitamos à ira de Deus de acordo com a Palavra do Salvador: "porque
o ímpio provocou Deus? Pois ele disse em seu coração.
Ele não inquirirá".
Além disso, o próprio conceito de "raiva" em relação
a Deus é condicional e antropomórfico, como aprendemos do ensinamento
de Santo António, o Grande (conhecido entre nós como Santo Antão),
que diz: "Deus é bom, desapaixonado e imutável. Agora se
alguém pensa que é razoável e verdadeiro afirmar que Deus
não muda, pode-se perguntar como nesse caso, é possível
se falar de Deus rejubilando sobre aqueles são bons e mostrando misericórdia
para aqueles que o honram, enquanto afastando-se dos maldosos e ficando raivoso
com os pecadores. Para essa pergunta deve ser respondido que Deus não
rejubila nem fica com raiva, por rejubilar e ficar ofendido são paixões;
nem Ele se comove pelos dons daqueles que o honram, por isso significaria que
Ele é movido por prazer... Ele é bom, e Ele só concede
bênçãos e nunca provoca dano, permanecendo sempre o mesmo.
Nós homens, de outro lado, se permanecemos bons assemelhando-nos a Deus,
somos unidos a Ele; mas se nós nos tornarmos malignos não assemelhando-nos
a Deus; mas tornando-nos malignos nós fazemos Dele nosso inimigo. Não é que
Ele fica raivoso connosco de maneira arbitrária, mas são os nossos
pecados que impedem que Deus brilhe dentro de nós, e nos expõe
aos demónios que nos punem. E se por orações e actos de
compaixão nós recebemos alívio de nossos pecados, isso
não significa que nós tenhamos ganho de Deus e façamo-lo
mudar, mas sim que através dos nossos actos e nosso virar-se para Deus
nós curamos nossa malignidade e assim mais uma vez nós nos regozijamos
com a bondade de Deus. Assim dizer que Deus afasta dos malignos é como
dizer que o sol se esconde dos cegos" (Philokalia, vol 1, texto 150; tradução
inglesa por Palmer – Sherrara - Ware, p. 352).
Digno de atenção também é o comentário simples
a esse respeito do Bispo Teofano, o Recluso: "Os justos irão para
a vida eterna, mas os pecadores satanizados para os tormentos eternos, em comunhão
com os demónios. Esses tormentos terminarão? Se o satanismo é tornar-se
como Satanás terminou, então esses tormentos também poderiam
acabar. Mas até então nós devemos acreditar que assim
como a vida eterna não terá fim, assim também os tormentos
eternos que ameaçam os pecadores não terão fim. Nenhuma
conjectura pode mostrar a possibilidade do fim do satanismo. O que Satanás
viu depois da sua queda! Quanto poder de Deus foi revelado! Como ele mesmo
foi batido pelo poder da Cruz do Senhor! Como até agora toda a sua astúcia
e malícia são derrotadas por esse poder! Mas ele ainda é incorrigível,
ele constantemente se opõe; e quanto mais longe ele vai, mais teimoso
ele se torna. Não há esperança nenhuma dele ser corrigido!
E se não há esperança para ele, não há esperança
também para os homens que tornam-se satanizados por sua influência.
Isso significa que deve haver inferno com tormentos eternos".
Os escritos dos santos ascetas cristãos indica que quanto mais alta
a consciência moral, mais agudo torna-se o sentimento de responsabilidade
moral, o medo de ofender Deus, e consciência da inevitável punição
por se desviar dos mandamentos de Deus. Mas exactamente o mesmo grau é o
que aumenta a esperança na misericórdia de Deus. A esperança
nela e o pedir por ela ao Senhor é para cada um de nós uma obrigação
e uma consolação.
l - O Reino da Glória
Com o final dessa era e a transformação do mundo,
num mundo novo e melhor é então revelado o eterno Reino de Deus,
o Reino da Glória.
Então chegará ao fim o Reino de Graça, a existência
da Igreja na terra, a Igreja militante; ela entrará nesse Reino de glória
e fundir-se-á com a Igreja celeste: "Depois virá o fim,
quando tiver entregado o reino a Deus, ao Pai, e quando houver aniquilado todo
o império, e toda a potestade e força. Porque convém que
reine até que haja posto a todos os inimigos debaixo de Seus pés.
Ora, o último inimigo a ser aniquilado é a morte... E, quando
todas lhe estiverem sujeitas, então também o mesmo Filho se sujeitará Àquele
que todas as coisas lhe sujeitou para que Deus seja tudo em todos" (1
Cor. 15, 24-26.28). Essas palavras a respeito do fim do reino de Cristo devem
ser entendidas como o preenchimento da missão do Filho, que ele aceitou
do Pai, e que consiste na condução dos homens a Deus através
da Igreja. Então o Filho reinará no Reino de glória junto
com o Pai e o Espírito Santo, e "o seu Reino não terá fim",
como o Arcanjo anunciou para a Virgem Maria (Lc. 1, 33), e como lemos no Símbolo
da Fé. São Cirilo de Jerusalém diz disso: "Pois foi
ele que reinou antes de derrotar os seus inimigos, não reinará mais
ainda depois que os tiver conquistado?" (Catechetical Lectures).
A morte não terá poder no Reino da Glória: "Ora,
o último inimigo que há de ser aniquilado é a morte...
então cumprir-se-á a palavra que está escrita: Tragada
foi a morte na vitória" (1 Cor. 16, 54). "Não haverá mais
demora" (Apoc. 10, 6).
A eterna vida abençoada é apresentada vividamente no capítulo
24 do Apocalipse: "E vi um novo céu, e uma nova terra. Porque já o
primeiro céu e a primeira terra passaram, e o mar já não
existe" (Apoc. 21, 1). No reino futuro tudo será espiritualizado,
imortal e santo.
Mas a coisa mais importante é que aqueles que atingem a futura vida
abençoada e tornam-se "participantes na natureza divina" (2
Ped. 1, 4), serão participantes na mais perfeita vida, cuja fonte é só Deus.
Em particular, aos futuros membros do Reino de Deus será concedido,
como o é aos anjos, "ver Deus" (Mt. 5, 9), contemplar a sua
glória não através de um vidro turvo, não por meio
de conjecturas, mas face a face. E eles não só contemplarão
essa glória, mas eles próprios serão participantes dela,
brilhando como o sol, no Reino do Pai deles (Mt. 13, 43), sendo "co-herdeiros" de
Cristo, sentando com Cristo num trono e partilhando com ele a real grandeza
(Apoc. 3, 21; Rom. 8, 17; 2 Tim. 2, 11-12).
Como é simbolicamente descrito no Apocalipse, "nunca mais terão
fome, nunca mais terão sede; nem calor algum cairá sobre eles.
Porque o Cordeiro que está no meio do trono os apascentará e
lhes servirá de guia para as fontes das águas da vida; e Deus
limpará de seus olhos toda a lágrima" (Apoc. 7, 16-17).
Como o profeta Isaías diz: " ...nem com ouvidos se percebeu, nem
com os olhos se viu um Deus além de Ti, que trabalhe para aquele que
Nele espera" (Isaías 64, 4; 1 Cor. 2, 9).
Bênção em Deus será o mais desejável já que
ela será eterna, sem fim: "os justos irão para a vida eterna" (Mt.
25, 46).
No entanto, essa glória em Deus, no pensamento dos Santos Padres da
Igreja, terá seus grupos correspondentes a dignidade moral de cada um.
Deve-se concluir isso das palavras da Sagrada Escritura: "na casa de Meu
Pai há muitas moradas" (Jo. 14, 2); "e então dará a
cada um segundo as suas obras" (Mt. 16, 27); "cada um receberá o
seu galardão segundo o seu trabalho" (1 Cor. 3, 8); "uma estrela
difere em glória de outra estrela" (1 Cor. 15, 41).
Santo Efrém, o Sírio, diz: "Assim como todo mundo se regozija
com os raios do sol de acordo com a dureza de seu poder de ver e das impressões
que são dadas, e assim como em uma única lâmpada que ilumina
a casa cada raio tem seu lugar, enquanto a luz não é dividida
em muitas lâmpadas, também assim no tempo futuro todos os justos
morarão inseparavelmente em um único jubilo, mas cada um em seu
grau próprio será iluminado pelo único sol mental, e até o
grau de seu valor ele estará em júbilo e regozijo como se em
uma única atmosfera e lugar, e ninguém verá os graus que
são mais altos ou mais baixos, porque olhando para a graça superior
de outro e para sua própria privação, ele terá por
ai alguma causa interior para tristeza e perturbação. Que isso
não seja lá, onde não há tristeza nem gemido; mas
enquanto externamente todos terão uma única contemplação
e uma única alegria" (Santo Efrém, o Sírio, «Oh
the Heavenly Mansions»).
Concluamos essa exposição das verdades da Fé Cristã Ortodoxa
com as palavras do Metropolitano Macário de Moscovo no final de seu
longo curso de teologia dogmática: "Concede-nos, ó Senhor,
a todos nós sempre, a viva e não moribunda memória da
tua gloriosa futura Vinda, do teu terrível Juízo Final, sobre
nós, a tua justíssima e eterna doacção de recompensa
para os justos e os pecadores - que na luz de tua Vinda e com o auxílio
de tua graça: "vivamos neste século sóbria, e justa
e piamente" (Tito 2, 12), e assim possamos atingir finalmente a eterna
vida abençoada no céu, e que com todo nosso ser nós possamos
glorificar-te, junto com o teu Pai não-originado, e com o teu Santíssimo,
bom e vivificante espírito, pelos séculos dos séculos" («Orthodox
Dogmatic Theology», vol 2, p. 674).
Arcebispo Primaz Katholikos
S.B. Dom ++ Paulo Jorge de Laureano – Vieira y Saragoça
(Mar Alexander I da Hispânea)
Última actualização deste
Link em 01 de Outubro
de 2011