Catecismo Ortodoxo
Parte II
Deus Manifestado no Mundo
6 - Dogmas a respeito da Santíssima
Virgem Maria
a - A Perene Virgindade da Theotokos
O nascimento do Senhor Jesus Cristo de uma Virgem é testificado
directa e deliberadamente por dois Evangelistas, Mateus e Lucas. Este dogma
foi incluído no Símbolo da Fé do Primeiro Concílio
Ecuménico, onde se lê: "Que por nós, homens, e para
nossa salvação desceu dos céus. E encarnou pelo Espírito
Santo no seio de Maria Virgem e Se fez homem". A Perene Virgindade da
Mãe de Deus é testificada por suas próprias palavras,
levadas ao Evangelho onde ela expressa a consciência da incomensurável
majestade e elevação de Sua escolha: "Minha alma engrandece
o Senhor... pois eis que desde agora todas as gerações me chamarão
bem-aventurada... Porque me fez grandes coisas o Poderoso: e santo é o
Seu nome" (Lc. 1, 46-49).
A Santíssima Virgem Maria preservou em sua memória e em seu coração
tanto o anúncio do Arcanjo Gabriel e as inspiradas palavras da Justa
Isabel quando foi visitada por Maria: "E donde me provem isto a mim, que
venha visitar-me a Mãe do meu Senhor" (Lc. 1, 43); tanto a profecia
do justo Simeão no encontro da criança Jesus no Templo, e a profecia
da justa Ana no mesmo dia (Lc. 2, 25-38). Em conexão com o relato dos
pastores de Belém a respeito das palavras dos anjos para eles, e do
canto dos anjos, o Evangelista acrescenta: "Mas Maria guardava todas estas
coisas, conferindo-as em seu coração" (Lc. 2, 19). O mesmo
Evangelista, tendo contado a conversa da Divina Mãe com o Jesus de doze
anos depois da visita deles na festa de Páscoa, termina o seu relato
com as palavras: "E sua mãe guardava no seu coração
todas essas coisas" (Lc. 2, 51). Os Evangelistas mencionarem os "irmãos
e irmãs de Jesus", eles são refutados pelos seguintes factos
dos Evangelhos:
a - Nos Evangelhos são citados quatro "irmãos" (Tiago,
José, Simão e Judas), e existem também mencionadas as "irmãs" de
Jesus - não menos que três, como é evidente nas palavras "E
não estão entre nós todas as suas irmãs" (Mt.
13, 56).
b - De outro lado, no relato da viagem a Jerusalém do menino de doze
anos Jesus, onde há menção a "parentes e conhecidos" (Lc.
2, 44) no meio de quem estavam procurando Jesus, e é também mencionado
que Maria e José todo o ano viajavam da longínqua Galileia até Jerusalém,
não há razão para pensar que lá estavam presentes
outras crianças mais jovens com Maria; e foi assim que os primeiros
doze anos da vida terrena do Senhor passaram.
c - Quando, cerca de vinte anos depois da viagem acima mencionada, Maria estava
ao lado da cruz do Senhor, ela estava sozinha, e ela foi confiada por seu Divino
Filho para seu discípulo João; e "desde aquela hora o discípulo
a recebeu em sua casa" (Jo. 19, 27). Evidentemente, como também
acreditamos, os antigos cristãos, os Evangelistas falavam de "meios" irmãos
e irmãs ou de primos. (A tradição Ortodoxa geralmente
aceita que os "irmãos" e "irmãs" do Senhor
são as crianças de José de um casamento prévio
- ver Arcebispo João Maximovitch, «The Orthodox Veneration of
the mother of God», St. Herman Brotherhood, Platina, Califórnia,
1978, pg. 24).
b - A Santíssima Virgem Maria é Theotokos
O dogma do Filho de Deus tornar-se homem é intimamente
ligado a denominação da Santíssima Virgem Maria como Theotokos
(Mãe de Deus). Por esse nome a Igreja confirma a sua fé que Deus
o Verbo tornou-se homem verdadeiramente e não meramente em aparência;
a fé que, na pessoa do Senhor Jesus Cristo, Deus juntou-se ao homem
desde o primeiro instante de sua concepção no ventre da Virgem
Maria, e que ele sendo perfeitamente homem, é também perfeitamente
Deus.
Ao mesmo tempo o nome de Theotokos é o mais elevado nome que exalta
ou glorifica a Virgem Maria.
O nome «Theotokos» tem uma base directa na Sagrada Escritura. O
Apóstolo Paulo, escreve: a - “Mas vindo a plenitude dos tempos,
Deus enviou seu filho, nascido de mulher” (Gál. 4, 4). Aqui está expressa
a verdade que uma mulher deu á luz o Filho de Deus, b - "Deus manifestou-se
em carne" (1 Tim. 3, 16); a carne foi preparada para Deus o Verbo pela
Santíssima Virgem Maria.
No encontro da Virgem Maria, após a Anunciação, com a
justa Isabel: "Isabel foi cheia do Espírito Santo, e exclamou com
grande voz, e disse: Bendita tu entre as mulheres e bendito o fruto de teu
ventre. E donde me provem isso a mim, que venha visitar-me a mãe do
meu Senhor? Bem-aventurada a que creu, pois hão-de cumprir-se as coisas
que da parte do Senhor lhe foram ditas" (Lc. 1, 41-44). Assim Isabel,
estando cheia com o Espírito Santo, chama Maria, a Mãe do Senhor,
o Deus do Céu; é precisamente o Deus do Céu que ela está chamando
de "Senhor", como está claro pelas suas palavras seguintes: "a
que creu... as coisas que da parte do Senhor lhe foram ditas" - o Senhor
Deus.
A respeito do nascimento de Deus de uma virgem o Velho Testamento, fala: O
Profeta Ezequiel escreve de sua visão: "E disse-me o Senhor: Esta
porta estará fechada, não se abrirá; ninguém entrará por
ela, porque o Senhor Deus de Israel entrou por ela: por isso estará fechada" (Ez.
44, 2).
O Profeta Isaías profetiza: "Eis que vossa viagem conceberá,
e dará a luz um filho, e será o seu nome Emanuel (Deus está connosco)...
Porque um menino nos nasceu, um filho se nos deu; e o principado estará sobre
seus ombros. E o seu nome será: maravilhoso, Conselheiro, Deus Forte,
Pai da Eternidade, Príncipe da Paz" (Isaias 7, 14; 9, 6).
Nos primeiros séculos da Igreja de Cristo a verdade de Deus, o Verbo,
tornou-se homem e o seu nascimento deu-se da Virgem Maria. Por isso, os Padres
Apostólicos expressavam-se assim: "Nosso Senhor Jesus estava no
ventre de Maria"; "Deus tomou carne da Virgem Maria" (Santo
Inácio o Portador de Deus, Santo Irineu). Exactamente as mesmas expressões
foram usadas por São Dionísio e Santo Alexandre de Alexandria
(século III e IV). Os padres do quarto século, Santo Atanásio,
Efrém da Síria, Cirilo de Jerusalém e Gregório
de Nissa, chamaram a Santíssima Virgem de Theotokos.
No quinto século, por conta da heresia de Nestório, a Igreja
triunfante confessou ser a Santíssima Virgem Maria a Mãe de Deus
no Terceiro Concílio Ecuménico, aceitando e confirmando as seguintes
palavras de São Cirilo de Alexandria: "Se alguém não
confessar que o Emmanuel é verdadeiro Deus, e que daí a Santíssima
Virgem é Theotokos, porquanto na carne ela carregou o Verbo de Deus
que se fez carne: que esse alguém seja anátema" (Eerdmans
Seven Ecumenical Councils, p. 206).
O Bem-aventurado Teodoreto também, que previamente esteve em bons termos
com Nestório, quando mais tarde condenou a teimosia na heresia deste,
escreveu: "O primeiro estágio nesse novo ensinamento de Nestório
era de opinião que a Santíssima Virgem, de quem Deus o Verbo
tomou carne e nasceu na carne, não deveria ser reconhecida como Theotokos
mas somente como Cristotokos; considerando-se que no entanto, os antigos e
mais antigos proclamadores da verdadeira Fé, de acordo com a tradição
apostólica ensinaram que a Mãe do Senhor deveria ser chamada
e confessada ser a Theotokos."
c - O Dogma Católico Romano da Imaculada Conceição
O dogma da Imaculada Conceição foi proclamado
por uma Bula do Papa Pio IX em 1854. A definição desse dogma
diz que a Santíssima Virgem Maria no momento de sua concepção
estava limpa de pecado ancestral. Em essênio é uma dedução
directa do ensinamento romano sobre o pecado original. De acordo com o ensinamento
romano, o peso do pecado de nosso primeiro ancestral consiste na remoção
da humanidade de um dom sobrenatural de graça. Mas aí surge uma
questão teológica: se a humanidade foi privada do dom da graça,
então como se pode entender as palavras do Arcanjo Gabriel endereçadas
a Maria; "Rejubila, tu que és cheia de graça, o Senhor está contigo.
Bendita és tu entre as mulheres... Tu que achaste graça com Deus?" Só se
poderia concluir que a Santíssima Virgem Maria teria sido removida da
lei geral de "privação da graça" e da culpa
do pecado de Adão. E desde que a sua vida foi santa desde o nascimento,
consequentemente ela recebeu, na forma de excepção um dom sobrenatural,
uma graça de santidade, mesmo antes do nascimento, isto é, na
sua concepção. Tal dedução foi feita pelos teólogos
latinos. Eles chamaram essa remoção de um "privilégio" da
Mãe de Deus. Deve notar-se que a aceitação desse dogma
foi no ocidente por um longo período de disputa teológica, que
durou do século doze, quando esse ensinamento apareceu, até o
século dezessete, quando ele foi espalhado pelos jesuítas no
mundo católico-romano (para mais informações sobre a Imaculada
Conceição, ver Arcebispo João, «The Orthodoz Veneration
or the Mother of God», p 35-47).
Em 1950, o assim chamado Ano do Jubileu, o Papa Pio XII triunfante proclamou
um segundo dogma, o Dogma da Assunção da Mãe de Deus com
o seu corpo para o céu. Dogmaticamente esse ensinamento foi deduzido
na teologia romana do Dogma romano da Imaculada Conceição e é um
desenvolvimento lógico decorrente do ensinamento romano do pecado original.
Se a Mãe de Deus morresse, então, na visão dos teólogos
romanos, ela teria aceitado a morte voluntariamente, como para emular seu Filho:
mas a morte não teria domínio sobre ela.
A declaração de ambos os dogmas corresponde à teoria romana
de "desenvolvimento de dogmas". A Igreja Ortodoxa não aceita
o sistema latino de argumentos a respeito do pecado original. Particularmente,
a Igreja Ortodoxa, confessando a pessoal e perfeita imaculabilidade e a perfeita
santidade da Mãe de Deus, a quem o Senhor Jesus Cristo por seu nascimento
através dela fez que ela fosse mais venerável que os Querubins
e incomparavelmente mais gloriosa que os Serafins - não viu e não
vê nenhuma base para o estabelecimento do dogma da Imaculada Conceição
no sentido da interpretação Católica-Romana, apesar de
venerar a concepção da Mãe de Deus, assim como venera
também a concepção do Santo Profeta e Precursor João
Baptista.
De um lado, vemos que Deus não privou a humanidade, mesmo depois da
queda, de sua graça doadora de dons, como por exemplo as palavras do
Salmo 51 indicam: "Não retires de mim o teu Espírito Santo...
sustém-me com um Espírito Voluntário..." ou nas palavras
do Salmo 71: "Por ti tenho sido sustentado desde o ventre; das entranhas
da minha mãe tu me tiraste".
De outro lado, de acordo com o ensinamento na Sagrada Escritura, em Adão
toda a humanidade provou o fruto proibido. Só Deus-homem, o Cristo começa
consigo a nova humanidade, libertada por ele do pecado de Adão. Por
isso, ele é chamado de "o primogénito de muitos irmãos" (Rom.
8, 29), isto é: o primeiro da nova raça humana; ele é o "novo
Adão". A Santíssima Virgem Maria nasceu sujeita ao pecado
de Adão junto com toda a humanidade, e com ela partilhou da necessidade
de redenção (Epístola aos Patriarcas Orientais, parágrafo
6). A pura e imaculada vida da Virgem Maria até a Anunciação
pelo Arcanjo, sua liberdade de pecados pessoais, foi o fruto da união
de seu trabalho espiritual sobre si própria e a abundância de
graça que foi derramada sobre ela. "Tu achaste graça diante
de Deus", o Arcanjo disse a ela ao saúda-la: "tu achaste",
isto é, obtiveste, adquiriste, mereceste, a Santíssima Virgem
Maria foi preparada pela melhor parte da humanidade como um vaso digno para
a descida de Deus o Verbo para a terra. A vinda do Espírito Santo ("Descerá sobre
ti o Espírito Santo") santificou totalmente o ventre da Virgem
Maria para a recepção de Deus o verbo.
Deve-se saber que o princípio de um "privilégio" preliminar é alguma
coisa que não tem harmonia com os conceitos cristãos, pois "para
com Deus, não há acepção de pessoas" (Rom.
2, 11).
Para a tradição a respeito da assunção do corpo
da Mãe de Deus: a crença na assunção de seu corpo
depois de seu sepultamento existe na Igreja Ortodoxa. Ela é expressa
no conteúdo do Ofício para a Festa da Dormição
da Mãe de Deus, e também na Confissão do Concílio
de Jerusalém dos Patriarcas Ortodoxos em 1672. São João
Damasceno em sua segunda homilia sobre a Dormição relata que
uma vez a Imperatriz Pulquéria (século V), que tinha construído
uma Igreja em Constantinopla, pediu ao Patriarca de Jerusalém Juvenalius,
um dos participantes do Concílio de Calcedónia, relíquias
da Santíssima Virgem Maria, para colocar na Igreja, Juvenalius respondeu
que, de acordo com a antiga tradição, o corpo da Mãe de
Deus tinha sido levado para o céu, e ele juntou a essa resposta o bem
conhecido relato de como os Apóstolos tinham sido reunidos de modo milagroso
para o sepultamento da Mãe de Deus, como depois da chegada do Apóstolo
Tomé, o seu túmulo havia sido aberto e o seu corpo não
estava lá, e como foi revelado aos Apóstolos que o seu corpo
havia subido ao céu. Testemunhos escritos da Igreja sobre esse assunto
datam em geral de um período relativamente tardio (não antes
do século IV), e a Igreja Ortodoxa, com todo o respeito por esses escritos,
não atribui a eles o significado de uma fonte dogmática. A Igreja,
aceitando a tradição da Ascensão do corpo da Mãe
de Deus, não encarou e não encara essa pia tradição
como uma das verdades fundamentais ou dogmas da Fé Cristã.
d - O culto do "Imaculado Coração" da Santíssima Virgem
De modo similar à veneração do "Sagrado Coração" de Jesus, foi estabelecido pela Igreja Católica-Romana o culto do "Imaculado Coração da Santíssima Virgem", que recebeu uma disseminação universal. Em essência pode dizer-se dele a mesma coisa que foi dita sobre a veneração do Coração de Jesus.
Arcebispo Primaz Katholikos
S.B. Dom ++ Paulo Jorge de Laureano – Vieira y Saragoça
(Mar Alexander I da Hispânea)
Última actualização deste
Link em 01 de Outubro
de 2011