Catecismo Ortodoxo
Parte II
Deus Manifestado no Mundo
15 – Arrependimento (Confissão; Penitência)
a - Arrependimento
O Mistério do Arrependimento é um rito sagrado
dador de graça no qual, depois de que o fiel oferece o arrependimento
pelos seus pecados, a remissão dos pecados é concedida pela misericórdia
de Deus através da intermediação de um Sacerdote da Igreja,
de acordo com a promessa do Salvador.
No Mistério do Arrependimento as aflições espirituais
do homem são tratadas, impurezas da alma são removidas e o Cristão,
tendo recebido o perdão dos pecados, torna-se de novo inocente e santificado,
assim como ele saiu das águas do Baptismo. Por essa razão, o
Mistério do Arrependimento é chamado de “medicina espiritual”.
Os pecados, que puxam o homem para baixo, que embotam e embrutecem sua mente,
coração e consciência, que cega a sua contemplação
espiritual, que tornam impotente a sua vontade Cristã - são aniquilados,
e a ligação viva do homem com a Igreja e com o Senhor Deus é restaurada.
Sendo liberado do fardo dos pecados, o homem de novo chega à vida espiritual
e torna-se capaz de se reforçar e tornar-se perfeito no bom caminho
cristão.
O Mistério do Arrependimento consiste em duas acções básicas:
1 - a confissão de seus pecados diante de um Sacerdote da Igreja pela
pessoa vinda para o Mistério;
2 - a oração de perdão e remissão dos pecados,
pronunciada pelo Sacerdote.
Esse Mistério é chamado também de Mistério da Confissão
(ainda que a confissão dos pecados compreenda somente a primeira e preliminar
parte do Mistério), e isso indica a importância da revelação
sincera de uma alma e a manifestação dos pecados.
Confissão - isto é, pronunciamento de algo - é a expressão
de arrependimento interior, o seu resultado, o seu indicador. E o que é arrependimento?
Arrependimento não é só a consciência do pecado
ou o simples conhecimento de si próprio como indigno; não é nem
mesmo contrição ou pesar (apesar de todos esses aspectos deverem
entrar no arrependimento). Antes, é um acto de vontade de correcção,
um desejo, uma firme intenção, uma resolução, de
batalhar contra as inclinações malignas; e essa condição
da alma é unida com um pedido para ajuda de Deus na batalha contra outras
indignações malignas, tal arrependimento genuíno e sincero é necessário
para que o efeito desse Mistério possa estender-se não só para
remover os pecados, mas também para que possa entrar na alma aberta
uma dadora de graça cura que não permita que a alma de novo seja
imersa na imundície do pecado.
A simples proclamação em voz alta das aflições
da alma e das quedas diante de um pai espiritual - a confissão dos pecados
- tem importância pois por meio dela a superação:
a - do orgulho, a fonte principal dos pecados;
b - do desânimo vindo da desesperança na correcção
e salvação.
A manifestação do pecado leva-nos próximo de afasta-lo
de nós.
Os que se aproximam do Mistério do arrependimento preparam-se para ele
por um esforço de oração, jejum, e mergulho profundo em
si próprio, com o objectivo de descobrir e reconhecer seus pecados.
A misericórdia de Deus vai ao encontro do Cristo arrependido, através
dos lábios do Pai espiritual, que o Pai Celestial não rejeita
aquele que vem a ele, assim como ele não rejeitou o filho pródigo
e o publicano arrependido. Esse testemunho consiste nas palavras da oração
especial e das palavras especiais de remissão que são pronunciadas
pelo Sacerdote.
b - A Instituição do mistério
O Senhor institui o Mistério do Arrependimento, depois
da sua Ressurreição, quando tendo aparecido para os seus discípulos,
que, à excepção de Tomé, estavam reunidos solenemente,
disse-lhes: “Paz seja convosco. E dizendo isso assoprou sobre eles e
disse-lhes: Recebei o Espírito Santo. Àqueles a quem perdoardes
os pecados lhe serão perdoados: e àqueles a quem o retiverdes
lhes serão retidos” (Jo. 20, 21-23). Além disso, mesmo
antes disso, Cristo o Salvador por duas vezes fez uma promessa sobre esse Mistério.
A primeira, Ele disse-o ao Apóstolo Pedro, quando este, em nome de todos
os Apóstolos, confessou ser ele o Filho de Deus: “E eu te darei
as chaves do reino do céu; e tudo o que ligares na terra será ligado
nos céus, e tudo o que desligares na terra será desligado nos
céus” (Mt. 16, 19). A segunda vez ele testemunhou para todos os
Apóstolos: “...e, se ele não escutar, considera-o como
gentio e publicano. Em verdade vos digo que tudo o que ligardes na terra será ligado
no céu, e tudo que desligardes na terra será desligado no céu” (Mt.
18, 17-18).
Os Presbíteros são só os instrumentos visíveis
da realização do Mistério, que é realizado através
do próprio Deus.
São João Crisóstomo tendo em mente a divina instituição
dos Pastores na Igreja para ligar e desligar, diz: “Os Presbíteros
decretam em baixo, Deus confirma acima, e o Mestre concorda com a opinião
de seus escravos”. O Presbítero é aqui um instrumento da
misericórdia de Deus, e redime os pecados não por sua autoridade,
mas em nome da Santíssima Trindade.
Os efeitos invisíveis da graça no Mistério do Arrependimento,
em sua extensão e poder, abrange todos os actos ilegais do homem, e
não há pecado que não possa ser perdoado no homem se ele
sinceramente se arrepender e confessar o pecado com viva fé no Senhor
Jesus Cristo e esperança em Sua misericórdia. “Eu não
vim a chamar os justos, mas os pecadores ao arrependimento” (Mt. 9, 13),
disse o Salvador, e o pecado tão grande do Apóstolo Pedro, ele
perdoou quando Pedro se arrependeu sinceramente. É sabido que o Apóstolo
Pedro chamou para o arrependimento até os judeus que crucificaram o
verdadeiro Messias (Act. 2, 38), e depois ele chamou Simão, o Feiticeiro,
o ancestral de todos os heréticos (Act. 8, 22); o Apóstolo Paulo
deu remissão para o homem incestuoso que se arrependeu, submetendo primeiro
a uma excomunhão temporária (2 Cor. 2, 7).
De outro lado, é essencial lembrar que a remissão dos pecados
do Mistério é um acto de misericórdia, mas não
uma piedade irracional. É dada para o proveito espiritual do homem,
para a edificação e não para a destruição” (2
Cor. 10, 8). Isso deixa uma grande responsabilidade para quem realiza o Mistério.
A Sagrada Escritura fala de casos ou condições em que pecados
não são perdoados. Na Palavra de Deus há menção à blasfémia
contra o Espírito Santo, que “não será perdoada
ao homem, nem nesse século, nem no futuro” (Mt. 12, 31-32). Da
mesma forma é falado do pecado para a morte, para o perdão do
qual não digo que ore (1 Jo. 5, 16). Finalmente, o Apóstolo Paulo
instrui que “é impossível que os que já uma vez
foram iluminados, e provaram a boa Palavra de Deus, e as virtudes do século
futuro, e recaíram, sejam outra vez renovado para arrependimento, pois
assim quanto a eles, de novo crucificam o Filho de Deus, e o expõe ao
vitupério” (Heb. 6, 4-6).
Em todos esses casos, a razão pela qual o perdão dos pecados
não é possível é para ser encontrada nos próprios
pecadores e não na vontade de Deus; mas precisamente, na falta de arrependimento
dos pecadores. Como pode um pecado ser perdoado pela graça do Espírito
Santo, quando blasfémia é lançada contra essa própria
graça? Mas deve-se acreditar que, mesmo nesses pecados, os pecadores,
se oferecerem arrependimento sincero e lamentarem sobre os seus pecados, serão
perdoados, pois, diz São João Crisóstomo sobre a blasfémia
contra o Espírito Santo, “mesmo essa culpa será redimida
para aqueles que se arrependerem. Muitos daqueles que lançaram blasfémia
contra o Espírito subsequentemente vieram a crer, e tudo foi redimido
neles” (Homilias sobre o Evangelho de São Mateus). Além
disso, os Padres do Sétimo Concílio Ecuménico falam da
possibilidade do perdão de pecados para a morte: “O pecado para
a morte é quando, depois de pecar, o pecador não se corrige...
Nesse pecador o Senhor Jesus não habita, a menos que ele se humilhe
e se recobre da queda no pecado. È adequado para o pecador aproximar-se
mais uma vez de Deus e com o coração contrito peça pela
remissão dos pecados e perdão, e não vanglorie-se sobre
um acto injusto. “Perto está o Senhor dos que têm o coração
quebrantado, e salva os contritos de espírito” (Apoc. 2, 1-5).
c - Epitimia (Penitência)
Por “epitimia” deve ser entendido uma interdição
ou punição (2 Cor. 2, 6) onde de acordo com os cánones
da Igreja, o Presbítero como um médico espiritual decreta para
determinado cristão arrependido de modo a tratar das suas doenças
mortais. Tais penitencias por exemplo, são: jejum especial, acima do
que é dado para todo mundo: orações de arrependimento
junto com um número definido de prostrações e outras.
A forma básica de epitimia que existiu na prática da Igreja antiga
era suspensão da Comunhão dos Santos Mistérios por um
período maior ou menor.
Na Igreja antiga existia um rito de arrependimento público pelos “caídos” e
em particular por aqueles que não haviam se mantido firmes na fé durante
as perseguições. De acordo com esse rito, os penitentes eram
divididos em quatro classes:
a - os “pranteadores”, que não tinham o direito de estar
presente nos serviços divinos públicos, e estendendo suas mãos
para o pórtico da Igreja, chorando deveriam implorar para os que estavam
entrando na Igreja que orassem por eles;
b - os “ouvintes” a quem era permitido estar no «nartex» da
Igreja o tempo todo até ao final da Liturgia dos catecúmenos;
c - os “prostadores”, que entravam na Igreja, mas também
não participavam da Liturgia dos fiéis; depois da Liturgia, de
joelhos dobrados, lhes era concedida a bênção pastoral;
d - a classe dos que “permaneciam juntos” com os fiéis por
toda a Liturgia, mas não podiam receber a Comunhão dos Santos
Mistérios (De acordo com os cánones do Primeiro Concílio
Ecuménico (e seus comentários), ver «Seven Ecumenical Concils»,
pg. 24-27, Eerdmans).
As penitencias não são dadas para todo mundo mas só para
alguns cristãos arrependidos: para aqueles que, ou pela seriedade ou
gravidade de seus pecados, ou pelo carácter do seu arrependimento, tinham
necessidade desses tratamentos espirituais. Tal interdição foi
estabelecida pelo Apóstolo Paulo para o Cristão de Corinto que
havia cometido incesto, quando para tratá-lo, o Apóstolo ordenou
que ele fosse excomungado da Igreja e do contacto com os fiéis e que
ele: “...seja entregue a Satanás para a destruição
da carne, para que o espírito seja salvo no dia do Senhor Jesus Cristo” (1
Cor. 5, 1-5). E então, após a sua sincera contrição,
o Apóstolo ordena que ele seja recebido em Comunhão na Igreja,
de novo (2 Cor. 2, 6-8).
As penitências têm o carácter de punição,
mas não no estrito senso e não para uma “satisfação
pelos pecados”, como a teologia romana ensina. São actos que são
correctivos, curadores, pedagógicos. O seu propósito é aumentar
o pesar pelos pecados cometidos e apoiar a resolução da vontade
ser corrigida. O Apóstolo diz: “...a tristeza segundo Deus gera
arrependimento para a salvação, da qual ninguém se arrepende;
mas a tristeza do mundo opera a morte” (2 Cor. 7, 10). Isso é,
a tristeza por Deus produz um imutável arrependimento para a salvação.
Os cánones dos Santos Concílios e os Santos Padres afirmam que
as penitências na antiguidade eram consideradas meios de cura espiritual;
que os antigos Pastores, dando essas penitências para os pecadores, não
estavam meramente preocupados em punir justamente uns mais e outros menos,
de acordo com os crimes de cada um, para a satisfação própria
da justiça de Deus para os pecados, mas que eles tinham em mente a boa
influência dessas punições sobre os pecadores. Por isso,
se eles vissem a necessidade de punição, eles a diminuiriam,
encurtariam o tempo da interdição, ou removeriam a penitência
por completo. Um cánon do Sexto Concílio Ecuménico, diz: “Convém àqueles
que receberam de Deus o poder de ligar e desligar, considerar a qualidade do
pecado, e se o pecador está pronto para a conversão, e aplicar
remédio adequado para a doença, para que ele não seja
injusto em cada um desses aspectos e não falhe em relação à cura
do homem doente. Pois a doença do pecado não é simples,
mas variada e multiforme, e ela germina muitos rebentos malignos dos quais
muito mal é difuso, e continua até que é conferida pelo
poder do médico” (Cánon 102 do «Concílio Quinisext» -
considerado como parte do Sexto Concílio Ecuménico; «Seven
Ecumenical Councils», p 408, Erdmans).
d - A visão Católica Romana
Do que foi dito acima fica clara a inaceitabilidade da visão
Católica Romana das penitências, que procede de conceitos legais
de acordo com os quais:
a - todo pecado ou soma de pecados deve ter uma punição eclesiástica
(à parte o facto que frequentemente infortúnios por exemplo,
doenças são uma recompensa pelos pecados, assim com frequência
o pecador pode ver em seu dado uma punição divina pelos pecados);
b - essa punição pode ser removida por uma “indulgência”,
que pode ser dada até mesmo antecipadamente aos pecados, por exemplo,
por ocasião da celebração de Jubileus, (Os teólogos
católicos romanos dividem as boas obras em dois aspectos: mérito
pessoal (que é pessoal e não transferível), e satisfação
(expiação); esse último aspecto pode ser transferido para
outros que têm falta de “satisfação”. A “satisfação” de
todos os santos (e primeiro de todos, do próprio Cristo) formaram um “tesouro” que
o Papa Católico Romano distribui para os fiéis por meio de “indulgências” formalmente
definida como “a remissão de punição temporal devida
ao pecado, a culpa do qual foi perdoada. “Obras suprarrogatórias”,
ou “obras de super rogação” são o “excesso” de
satisfação dos santos, não requerido para sua salvação,
que entram no acima mencionado “tesouro” (ver «Catholic Encyclopedia» 1913,
Ed., Artigo “Indulgences”). Todas essas ideias foram desenvolvidas
no século XIII pelo Escolásticismo e são totalmente estranhas
ao pensamento Ortodoxo).
Se entre certos professores da Igreja antiga, as penitências eram chamadas
de “satisfação”, elas eram assim chamadas só no
sentido moral, como um meio de aprofundar a consciência do pecado no
pecador, isso sendo “satisfatório” para o fim de edificação,
mas não como uma justificação legal.
Deve-se distinguir do Mistério da Confissão à orientação
moral do pai espiritual, algo muito generalizado na antiguidade e agora em
uso especialmente entre monásticos. Frequentemente a orientação
era (ou é) dada por pessoas que não foram consagradas, isto é,
que não têm grau Sacerdotal, quando sobre eles recai a obrigação
de guiar seus filhos espirituais. A confissão dos pensamentos e actos
diante do guia espiritual tem um significado psicológico imenso no sentido
de crescimento moral, para correcção das inclinações
malignas, a superação das dúvidas e flutuações
e assim por diante. Mas essa orientação espiritual não
tem a importância de um Mistério de uma acção dadora
de graça.
Arcebispo Primaz Katholikos
S.B. Dom ++ Paulo Jorge de Laureano – Vieira y Saragoça
(Mar Alexander I da Hispânea)
Última actualização deste
Link em 01 de Outubro
de 2011