Catecismo Ortodoxo
Parte II
Deus Manifestado no Mundo
8 - A economia geral da salvação
a - A condição do mundo antes da vinda
do Salvador
Nos livros proféticos do Velho Testamento, e em particular
nos Salmos de David, o povo escolhido, o povo Hebreu, como representativo de
todo género humano, é apresentado como a "plantação
de Deus", como a vinha de Deus (Isaías 5, 7; 61, 3). A imagem de
um jardim, tendo o mesmo significado é dado também no Evangelho.
Uma vinha ou jardim deve produzir frutos. Preservando e guardando a sua plantação,
o Senhor espera frutos dela. Mas o que deveria ser feito com um pomar quando
ele não dá frutos, e ainda mais, se está infestado com
doença? Deveria ele ser olhado e cuidado se ele não justifica
o seu propósito?
"
E também agora e está posto o machado à raiz das árvores:
toda árvore, por que não produz bom fruto, é cortada e
lançada no fogo" (Mt. 3, 10). Assim São João, o precursor
preveniu e acusou o povo antes da vinda do Senhor.
O Senhor fala a mesma coisa, e conta aos seus discípulos a parábola
da figueira:
"
Um certo homem tinha uma figueira plantada na sua vinha, e foi procurar nela
fruto, não o achando. E disse ao vinhateiro: Eis que há três
anos venho procurar fruto nessa figueira e não acho; corta-a, porque
ocupa ainda a terra inutilmente? E respondendo ele, disse-lhe: Senhor, deixa-a
este ano, até que eu a escave e a esterque; e, se der fruto, ficará,
e se não, depois a mandará cortar" (Lc. 3, 6-9).
Assim como essa figueira, a raça humana era sem fruto. Uma vez já tinha
sido exterminada pelo dilúvio. Agora havia sido condenada - ela havia
condenado a si própria - à perda da vida eterna, à perda
geral do Reino de Deus porque ela tinha perdido todo valor por não ter
cumprido seu propósito e estar se afogando no mal.
"
Não tem o oleiro poder sobre o barro?... E que direis se Deus, querendo
mostrar a sua ira, e dar a conhecer o seu poder, suportar com muita paciência
os vasos da ira, preparados para a perdição; para que também
desse a conhecer as riquezas da sua glória nos vasos de misericórdia,
que para glória já dantes preparou?" (Rom. 9, 21-23).
A humanidade, nas pessoas de seus melhores representantes, reconhecem o débito
em aberto, o pesado débito de numerosas gerações precedentes
e da sua própria época. Era um débito impossível
de ser pago. Esse sentimento de culpa na sua forma mais pura foi apresentado
pelo povo judeu. O género humano tentou eliminar os seus pecados por
meio de sacrifício, que expressavam o dar a Deus a melhor parte do que
estava na posse do homem, na posse de sua família, como um presente
para Deus. Mas esses sacrifícios não eram capazes de regenerar
moralmente os homens.
Citemos aqui as palavras do justo e santo, o Padre João de Kronstadt,
em seu sermão na festa da Exaltação da Cruz do Senhor: "Entremos
no significado do mistério da Cruz. O mundo, isto é, a raça
humana, teria sido dado para a morte eterna, tormentos eternos, de acordo com
a imutável, estrita justiça de Deus, se o Filho de Deus não
se tivesse tornado dada à sua bondade ilimitada um voluntário
Intermediário e Redentor da humanidade, que era criminosa, suja e corrupta
pelo pecado. Porque pela ilusão da serpente, o assassino de homens,
ela foi jogada num aterrador abismo sem lei e de perdição. Entretanto
para que o homem fosse capaz dessa reconciliação e redenção
do alto, foi necessário que o Filho de Deus descesse ao mundo, para
tomar sobre si corpo e alma humanos, e tornar-se Deus-homem de modo que em
sua própria pessoa, em sua natureza humana, ele fosse capaz de cumprir
toda a justiça de Deus que tinha sido descaradamente violada por todas
as formas de injustiça humana; para que ele pudesse cumprir a lei completa
de Deus, até a última virgula, e se tornasse o maior de todos
os homens justos pelo total das injustiças do género humano,
e ensinasse a humanidade justiça com arrependimento por todas as suas
injustiças e mostrasse frutos do arrependimento. Isso ele cumpriu, não
sendo culpado de um único pecado, e foi o único homem perfeito,
em hipostática união com a divindade" (Sermon on the Feast
of the Exaltation: "The Meaning of the Mistery of the Cross").
b - A salvação do mundo em Cristo
Como foi cumprida a justificação geral da existência
humana, e no que ela consiste? Ela foi cumprida pela Encarnação
de Cristo, juntos com todos os demais eventos da vida de Nosso Senhor Jesus
Cristo. A luz da Santidade mostrou-se na terra na pessoa da Imaculada, Puríssima
Virgem Maria, a Mãe de Deus, todo o género humano foi santificado.
Pelos passos do Salvador, por seu Baptismo no Jordão, por sua vida na
terra, a natureza da terra foi santificada! O ensinamento do Evangelho e os
feitos da misericórdia de Jesus Cristo levou amor e fé aos corações
dos seus discípulos, em tal extensão que eles "deixaram
tudo" e seguiram-no. E, acima de tudo isso, na sua voluntária morte
na Cruz, há uma manifestação "que ultrapassa o entendimento",
da altura e abrangência do amor em Cristo, a cujo respeito o Apóstolo
raciocina assim:
"
...O amor de Deus está derramado em nossos corações pelo
Espírito Santo que nos foi dado. Porque Cristo, estando nós ainda
fracos, morreu a seu tempo pelos ímpios. Porque apenas alguém
morrerá por um justo; pois poderá ser que pelo bom alguém
ouse morrer. Mas Deus prova o seu amor para connosco, em que Cristo morreu
por nós, sendo nós ainda pecadores". (Rom. 5, 5-8). E o
Apóstolo conclui os seus pensamentos com isso: "Pois se nós
sendo inimigos, fomos reconciliados com Deus pela morte de seu Filho" (Rom.
5, 10); "assim também por um só acto de justiça veio
a graça sobre todos os homens para justificação de vida" (Rom.
5, 18). Por isso é que o Apóstolo Paulo em seus escritos divinamente
inspirados tão frequentemente coloca juntas, como se as identificando,
usando-as mesmo intercambialmente, as palavras "nós somos salvos
pelo amor de Cristo", já que em todas essas expressões está mostrando
o activo, misericordioso, amor pelo homem, auto-sacrificial, amor de Deus.
1 - Essa economia geral da salvação do mundo é apresentada
na Sagrada Escritura do Novo Testamento em várias palavras similares
em significado, como por exemplo: justificação, reconciliação,
redenção, propiciação, perdão, libertação.
Aqui estão alguns textos relacionados à economia geral:
"
Eis o Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo" (Jo. 1, 24).
"
E Ele é a propiciação pelos nossos pecados, e não
somente pelos nossos, mas também de todo o mundo" (Jo. 1, 24).
"
E Ele morreu por todos, para que os que vivem não vivam mais para si,
mas para aquele que por eles morreu e ressuscitou" (2 Cor. 5, 15).
"
Porque há um só Deus, e um só Mediador entre Deus e os
homens, Jesus Cristo, homem; o qual se deu a si mesmo em preço de redenção
por todos" (1 Tim. 2, 5-6).
"
Pois esperamos no Deus vivo, que é o Salvador de todos os homens, principalmente
dos fieis" (1 Tim. 4, 10).
2 - Em adição ao amplo significado da salvação
do mundo aqui indicada, a morte de Cristo e sua subsequente descida aos infernos
(1 Ped. 3, 19-20; 1 Ped. 4, 6; Ef. 4, 8-10) significa também num estrito
senso a libertação do "hades" das almas dos passados
primeiros ancestrais, profetas, e justos do mundo pré-cristão;
e assim eles expressam o especial significado da Cruz do Senhor para o mundo
do Velho Testamento, um significado que veio na morte de Cristo cumprida sobre
Ele: "para a remissão das transgressões que havia debaixo
do primeiro testamento" (Heb. 9, 15). De acordo com isso, nossos hinos
Ortodoxos para domingo também cantam a mística verdade da vitória
sobre o "hades" e a libertação das almas dele: "hoje
Adão dança de alegria e Eva rejubila, e com eles os profetas
e patriarcas incessantemente cantam o divino triunfo em Teu poder" (Kondakion
de domingo, Tom 3).
3 - Libertação do hades testemunha também o levantamento
das maldições. Que foram colocadas no Velho Testamento: a) as
maldições do terceiro capítulo do Livro da Génesis
que foram juntados à privação da vida no paraíso
de Adão e Eva e seus descendentes; b) as maldições colocadas
por Moisés, no livro do Deuteronómio (cap. 28), para o teimoso
não cumprimento das leias dadas através dele.
c - O renascimento pessoal e a nova vida em Cristo
A transição da ideia da economia geral de Deus
para o chamado para a salvação pessoal dos homens está claramente
expressa nas seguintes palavras do Apóstolo Paulo: "Deus estava
em Cristo reconciliando consigo o mundo, não lhes imputando os seus
pecados; e pôs em nós a palavra de reconciliação...
Rogamo-vos pois da parte de Cristo que vos reconcilieis com Deus" (2 Cor.
5, 19-20).
A salvação pessoal do homem é expressa na Sagrada Escritura
usualmente com a mesma terminologia com as mesmas palavras, como são
as da Salvação do mundo no sentido amplo das palavras "justificação", "renovação", "reconciliação",
como nós vemos no texto que citamos acima. Só que as palavras
aqui são aplicadas num sentido mais estreito. Aqui os Apóstolos
já têm em mente os homens que vieram a acreditar em Cristo e que
receberam o Santo Baptismo. As frases comuns para expressar ambos os tipos
de salvação podem ser vistas nos seguintes exemplos:
"
Cristo segundo a sua misericórdia, salvou-nos pela lavagem da regeneração
e da renovação do Espírito Santo... que sendo justificados
pela sua graça sejamos feitos herdeiros segundo a esperança da
vida eterna" (Tito 3, 5-7).
"
E não entristeçais o Espírito Santo de Deus, no qual estais
selados para o dia da salvação" (isto quer dizer, o dia
do Baptismo e do recebimento do selo do Espírito Santo; Ef. 4, 30).
Mas o lugar principal entre todas essas expressões com relação
aos Cristãos é o da concepção da "Ressurreição
em Cristo". O mistério no Baptismo é uma ressurreição
pessoal em Cristo: "Nele também ressuscitastes" (Colossenses
2, 12).
O Apóstolo Pedro escreve na Primeira Epístola Católica: "...agora
vos salva, baptismo... pela Ressurreição de Jesus Cristo" (1
Ped. 3, 21). A verdadeira pregação dos Apóstolos é,
em sua essência, a pregação da Ressurreição
de Cristo.
O Baptismo por água é chamado pelas Escrituras Apostólicas
como um novo nascimento, adopção, santificação: "...mas
haveis sido santificado, mas haveis sido justificados em nome do Senhor Jesus" (1
Cor. 6, 11). "Porque todos quanto fostes baptizados em Cristo já vos
revestistes de Cristo" (Gal. 3, 27).
Disso fica claro que no mistério da Redenção a Cruz e
a Ressurreição do Senhor são inseparáveis. Na consciência
da Igreja essa verdade é expressa de modo completo nos hinos Pascais,
que confessam o poder da Ressurreição de Cristo, não só para
a salvação pessoal dos cristãos, mas também no
final, completa justificação do mundo: "Páscoa da
incorruptibilidade, salvação do mundo" (Exapostilário
da Páscoa). Pela Cruz foi cumprida a limpeza dos pecados do mundo, a
reconciliação com Deus; pela Ressurreição vida
nova foi trazida ao mundo.
d - A palavra "redenção" no uso dos Apóstolos
A totalidade das consequências da Cruz e da Ressurreição
são usualmente expressas pelos Apóstolos, e portanto em terminologia
teológica também, pelo conceito único de "redenção",
que literalmente significa um "resgate", uma oferta de pagamento.
Esse conceito é suficientemente vívido para que fosse acessível
ao entendimento do povo mesmo do mais baixo nível da sociedade. Mas
essa característica vívida em si inspirou tentativas de se perguntar
por outras questões não relacionadas à essência
da salvação, ainda mais que esse termo tem somente um significado
simbólico e alegórico. Por isso, São Gregório,
o Teólogo, elimina essas demais questões e estabelece a essência
da presente expressão na seguinte reflexão: "A quem foi
oferecido aquele sangue que foi derramado por nós, e porque ele foi
derramado? Eu quero dizer o precioso e famoso Sangue de Nosso Deus e Sumo Sacerdote
e Sacrifício. Nós estamos detidos na escravidão pelo maligno,
vendidos pelo pecado, e recebíamos prazeres em troca de maldade. Agora,
já que um resgate pertence só a quem mantêm alguém
em escravidão, eu pergunto por quem foi oferecido isso e porque causa?
Se pelo maligno, livrai-me Deus do ultraje! O ladrão receberia resgate,
não somente de Deus, mas um resgate que consiste no próprio Deus,
e recebe tão ilustre pagamento por sua tirania, um pagamento por aqueles
que teria sido bom para o ladrão deixar abandonados todos juntos. Mas
primeiro eu pergunto, como? Pois não foi por Deus que nós fomos
oprimidos; e segundo, baseado em que princípio o Sangue de Seu Filho
Unigénito agradou o Pai, que não quis receber sequer Isaac, quando
ele estava sendo oferecido por seu pai, mas mudou o sacrifício, pondo
um cordeiro no lugar da vítima humana? Não é evidente
que o Pai aceita o Filho, mas nem pediu por ele nem demandou-o; mas por causa
da Encarnação, e porque a humanidade deve ser santificada pela
humanidade de Deus, que ele deveria libertar-se a si próprio, superando
o tirano, e nos conduzir a ele próprio pela mediação de
seu Filho, que também arranjou isso dessa forma para honrar ao Pai,
a quem Ele manifesta obedecer em todas as coisas?" (São Gregório,
o Teólogo, «Second Oration on Pasha», tradução
inglesa em «Eerdman’n Nicenene and Post-Nicene Fathers»,
Second Séries, vol 7, pg 431).
Nessa reflexão teológica de São Gregório, o Teólogo,
a ideia que aparece na Primeira Epístola Católica do Apóstolo
tem dada a sua completa expressão: "sabendo que fostes resgatados
da vossa vã maneira de viver que por tradição recebeste
ele de vossos pais, não com coisas corruptíveis como ouro e prata,
mas com o precioso sangue de Cristo, como de um cordeiro imaculado e contaminado,
o qual na verdade em outro tempo foi conhecido, ainda antes da fundação
do mundo" (1 Ped. 1, 18-20).
Para a definição teológica do conceito de "redenção" um
exame teológico das palavras gregas que correspondem a esse conceito
tem grande importância.
No texto grego das Escrituras do Novo Testamento esse conceito é expresso
por duas palavras, e cada uma delas tem uma importante sombra do significado.
A primeira delas lytro-o, significa "comprar", "resgate".
Naqueles tempos o mundo conhecia três formas de resgatar pessoas sendo
(de acordo com dicionários gregos): 1) resgatar de cativeiro, 2) resgatar
da prisão, por exemplo por débito, 3) resgatar de escravidão.
No significado cristão os Apóstolos usam esse termo para expressar
o momento da realização de nossa salvação que é juntada à Cruz
de Cristo, isto é, a libertação dos justos das amarras
do hades. Essas são as mesmas três formas de "resgate":
resgate do cativeiro do pecado, resgate do hades, resgate da escravidão
ao demónio.
O segundo verbo, agorazo, significa "comprar para si próprio", "comprar
no mercado" (agora significa "mercado"). A imagem utilizada
nesse termo refere se só a fiéis, a cristãos. Aqui ele
tem um significado especialmente rico. Esse verbo é encontrado três
vezes nos escritos dos Apóstolos, quais sejam:
"
Ou não sabeis que o nosso corpo é o templo do Espírito
Santo, que habita em vós, proveniente de Deus, e que não sois
de vós mesmos? Porque fostes comprados por bom preço" (1
Cor. 6, 19-20).
"
Fostes comprados por bom preço; não vos façais servos
dos homens" (1 Cor. 7, 23).
O hino no céu ao Cordeiro: "porque foste morto e com teu sangue
compraste para Deus homens de toda a tribo, e língua, e povo e nação" (Apoc.
5, 9).
Em todos os três trechos esse verbo significa que Cristo nos adquiriu
para si próprio de modo que agora nós devemos pertencer a Ele
inteiramente, como escravos comprados pertencem a seus mestres. Fica por nossa
conta reflectir sobre a profundidade dessa imagem, que foi colocada em palavras
pelos próprios Apóstolos.
De um lado a palavra "escravos" de Cristo significa um completo,
e incondicional, dar-se em obediência a Aquele Deus que redimiu todos
nós. Assim, precisamente, os Apóstolos se sentiam. É suficiente
ler os primeiros versículos de numerosas Epístolas dos Apóstolos.
Nas primeiras palavras eles chamam-se de escravos (ou servos) de Cristo: "Simão
Pedro, servo e Apóstolo de Jesus Cristo" (2ª Pedro); "Judas,
servo de Jesus Cristo, e irmão de Tiago" (Judas); "Paulo,
servo de Jesus Cristo, chamado para Apóstolo" (Romanos); "Paulo
e Timóteo, servos de Jesus Cristo" (Filipenses). Tal auto-consciência
deveria estar presente, segundo o ensinamento dos Apóstolos, em todos
os fiéis. A Santa Igreja precisamente da mesma forma em todos os tempos
chamou e chama os membros da Igreja na linguagem dos Divinos Ofícios, "escravos
(servos) de Deus".
Mas há outro lado. O Salvador endereça aos discípulos
em sua conversa de despedida: "Vós sereis meus amigos, se fizerdes
o que vos mando" (Jo. 15, 14); e no mesmo lugar Ele os chama de "Filhinhos" (Jo.
13, 33); "Como o Pai me amou, também eu vos amei a vós" (Rom.
8, 16-17). E o Santo Apóstolo João, ele que se apoia sobre o
peito de Cristo, clama com inspiração: "Amados, agora somos
filhos de Deus, e ainda não é manifestado o que havemos de ser.
Mas sabemos que, quando ele se manifestar seremos semelhantes a ele; pois assim
como é o veremos" (1 Jo. 3, 2).
Ele que santifica e eles que são santificados são todos do Um
(Deus): por isso chama aqueles que foram santificados de seus irmãos.
Mais importante, ele é o "príncipe de nossa salvação" (Heb.
2, 10); Ele é o Sumo Sacerdote do Novo Testamento. "Pelo que convinha
que em tudo fosse semelhante aos irmãos, para ser misericordioso e fiel
sumo sacerdote naquilo que é de Deus, para expiar os pecados do povo.
Porque naquilo que ele mesmo, sendo tentado, padeceu, pode socorrer aos que
são tentados" (Heb. 2, 17-18). Para ele nós pedimos perdão
de nossos pecados; pois o Pai Celeste não julga ninguém, mas
entregou o julgamento inteiramente ao Filho, e que todos devem adorar o Filho
como adoram o Pai. O Filho mesmo proclamou antes de Sua ascensão: "É-me
dado todo o poder no céu e na terra" (Mt. 28, 18). É por
isso que quase todas as nossas orações - seja por nós
próprios, por nossos pais e irmãos, pelos vivos e pelos mortos
- nós oferecemos ao Filho de Deus. Nós estamos na casa de Deus;
nós somos a casa de Cristo. Portanto para nós é fácil,
alegre e salvífico ter comunhão com todos os membros celestes
dessa casa: com a Santíssima Trindade, com os Apóstolos, os Profetas,
os Mártires, os Hierarcas, e os Santos Monásticos - uma única
Igreja no céu e na terra! É para isso que nós fomos comprados
por Cristo.
Tão grandes são as consequências do Sacrifício de
Cristo que foi oferecido na Cruz e assinando pela Ressurreição
de Cristo! Esse é o significado do novo canto diante do Cordeiro no
seu trono, que foi dado no Apocalipse ao Apóstolo São João,
o Teólogo: "...tu foste morto e nos compraste para Deus com teu
sangue" (Apoc. 5, 9). Nós fomos comprados para Deus.
Portanto, não permitamos que a triste condição espiritual
do mundo que nós observamos nos confunda. Nós sabemos que a triste
condição das crianças da Igreja, os escravos de Cristo,
está se cumprindo. E a salvação do mundo, no amplo, escatológico
significado da palavra, já foi realizada. Mas como o Apóstolo
Paulo nos instrui: "Porque em esperança fomos salvos. Ora a esperança
que se vê não é esperança; porque o que alguém
vê como o esperava? Mas se esperamos com paciência o esperamos" (Rom.
8, 24-25). As forças espirituais no mundo podem estar escondidas mas
não estão extintas. O corpo celeste-terrestre da Igreja de Cristo
cresce e puxa o mundo para próximo do dia místico da triunfante
e gloriosa manifestação aberta do Filho do Homem, o Filho de
Deus, quando após o grande e justo Juízo Geral, a renovação
e transfiguração do mundo será revelada, e ele que senta
no trono virá: "Eis que eu faço novas todas as coisas" (Apoc.
21, 5). E existirá um novo céu e uma nova terra. Amém.
e - Uma nota sobre o ensinamento Católico Romano
A interpretação da verdade da Redenção
ficou muito complicada quanto à direcção que foi dada
pela Teologia ocidental da Idade Média. As expressões figurativas
dos Apóstolos foram aceitas na teologia católica romana medieval
no seu sentido literal e extremamente estreito, e o trabalho da redenção
foi interpretado como uma "satisfação" - mais precisamente,
uma satisfação por ofensas feitas a Deus, e ainda mais precisamente "satisfação
de Deus (Deus na Santíssima Trindade) pela ofensa causada a ele pelo
pecado de Adão". É fácil ver que a base de tal visão é o
especial ensinamento latino sobre o pecado original: aquele homem na transgressão
de Adão "ofendeu infinitamente" Deus e evocou a ira de Deus;
assim, foi requerido que fosse oferecida a Deus uma satisfação
completa de modo que a culpa fosse removida e Deus pudesse ser apaziguado;
isso foi feito pelo Salvador quando ele aceitou a morte na Cruz: o Salvador
ofereceu uma satisfação infinitamente completa.
Essa interpretação unilateral da Redenção tornou-se
reinante na teologia latina e permaneceu até o tempo presente. Ela evocou
no Protestantismo a reacção oposta, que conduziu as ultimas seitas à mais
completa negação do dogma da Redenção e a aceitação
de não mais que um significado moral ou instrutivo para a vida de Cristo
e sua morte na Cruz.
O termo "satisfação" tem sido usado na Teologia Ortodoxa
Russa, mas numa forma mudada: "a satisfação de justiça
de Deus". A expressão "satisfazer a justiça de Deus",
deve-se reconhecer, não é inteiramente estranha ao Novo Testamento,
como pode ser visto nas palavras do próprio Salvador: "...porque
assim nos convém cumprir toda justiça" (Mt. 3, 15). Uma
expressão que é próxima em significado ao presente termo
mas que é mais completa, e autenticamente bíblica, e dá uma
base para o entendimento Ortodoxo do trabalho na Redenção, é a
palavra "propiciação" que é lida na Primeira
Epistola de João: "Nisto está o amor, não que nós
tenhamos amado a Deus, mas que Ele nos amou por nós, e enviou Seu Filho
para propiciação dos nossos pecados" (1 Jo. 4, 10); "propiciação" é uma
tradução directa da palavra grega «ilasmos». O mesmo
uso da palavra é encontrado em 1 Jo. 2, 2.
f - O triplo ministério do Senhor
Os sistemas de teologia dogmática, seguindo o antigo
costume, para ganhar uma mais completa iluminação do trabalho
de salvação realizado pelo Senhor Jesus Cristo, vêem mais
frequentemente esse trabalho sob três aspectos nomeadamente: a) o ministério
de Sumo Sacerdote; b) seu ministério profético; e c) seu ministério
real. Esses três aspectos são chamados o triplo ministério
do Senhor.
O aspecto comum dos três ministérios, o Profético, o Sumo
Sacerdotal, e o Real, é que no Velho Testamento o chamado para esses
três ministérios era acompanhado por unção com óleo,
e aqueles que meritoriamente passavam por esses ministérios eram reforçados
pelo poder do Espírito Santo.
O próprio nome "Cristo" significa "ungido" (o nome "Jesus" significa "Salvador").
O Senhor refere-se a si mesmo com as palavras do Profeta Isaías quando
ele as lê na Sinagoga de Nazaré: "O Espírito do Senhor é sobre
mim, pois que me ungiu para evangelizar os pobres, enviou-me a curar os quebrantados
do coração, a apregoar a liberdade aos cativos, e dar vista aos
cegos; a por em liberdade aos oprimidos; a aceitar o ano aceitável do
Senhor" (Lc. 4, 18-19).
g - Cristo o Sumo Sacerdote
O Senhor Jesus Cristo não é só o Cordeiro
de Deus que é oferecido em sacrifício pela vida do mundo; Ele é ao
mesmo tempo Aquele que oferece, o Executor do sacrifício, o Sumo Sacerdote.
Cristo é "Tu que ofereces e é oferecido, és Tu que
recebes e distribui" (oração secreta no Hino dos Querubins
na Liturgia). Ele próprio é oferecido como sacrifício,
e Ele próprio também oferece o sacrifício. Ele tanto recebe
como distribui o sacrifício para aqueles que vêm.
O Senhor expressou seu ministério Sumo Sacerdotal na terra, no mais
alto grau na oração a seu Pai que é chamada de "a
oração do Sumo Sacerdote", que foi pronunciada depois da
conversa de despedida com seus discípulos na noite em que ele foi preso
pelos soldados e da mesma forma na oração em solidão no
jardim de Gethsemane: "E por eles me santifico a mim mesmo, para que também
eles sejam santificados na verdade. Eu não rogo somente por estes, mas
também por aqueles que pela sua palavra hão de crer em mim" (Jo.
17, 19-20).
O Apóstolo Paulo interpreta o ministério Sumo Sacerdotal de Cristo
na sua Epístola aos Hebreus (capítulos 5-10). Ele justapõe
o ministério sumo sacerdotal de Cristo com os ministérios dos
Sumos Sacerdotes do Velho Testamento e mostra que o sacerdócio de Cristo
os ultrapassa incomparavelmente.
Existiram muitos sumos sacerdotes de acordo com a ordem de Aarão, já que
a morte não permitia que houvesse só um. Mas esse Um, de acordo
com a ordem de Melquisedec, permanecendo eternamente, tem um sacerdócio
que não passa (Heb. 7, 23-24).
Aqueles sumos sacerdotes eram cobertos com enfermidade; mas esse sumo sacerdote é perfeito
para sempre (Heb. 7, 28).
Aqueles eram sacerdotes dos tabernáculos terrestres feitos por mãos;
mas esse Um é o Executor sagrado do tabernáculo eterno que não é feito
por mãos humanas (Heb. 9, 24).
Aqueles sumos sacerdotes entraram no local sagrado como sangue de bodes e bezerros;
mas esse Um com seu próprio sangue entrou uma vez no local sagrado e
obteve uma redenção eterna (Heb. 9, 12).
Eles foram sacerdotes do Velho Testamento; enquanto esse Um é o sacerdote
do Novo Testamento (Heb. 8, 6).
h - Cristo o Evangelizador (Seu ministério profético)
O evangelístico, ou instrutivo, ou profético
ministério do Senhor Jesus Cristo foi expressado no facto de que Ele
proclamou aos homens, em toda totalidade e clareza acessível a eles,
a vontade do Pai celestial, para a salvação do mundo; e concedeu
a Eles a nova, e mais perfeita lei de fé e piedade que serve ao propósito
de salvação de toda raça humana. Esse ministério
foi executado pelo próprio Senhor e através de Seus discípulos,
que de acordo com Seus mandamentos, proclamaram as boas novas para todos os
povos e entregaram-nas à Igreja em todos os tempos.
O Senhor proclamou as boas novas de 1) o ensinamento de fé, e 2) o ensinamento
de vida e piedade.
O ensinamento evangélico de fé é o ensinamento:
a) a respeito de Deus, nosso Boníssimo Deus, a Quem nós somos
ensinados a apelar com o grito de um filho: "Pai Nosso". A respeito
dessa revelação aos homens desse novo e mais perfeito entendimento
de Deus, o Salvador fala na oração antes de Seus sofrimentos: "Manifestei
o teu nome aos homens... e eu lhes fiz conhecer o teu nome" (Jo. 17, 6.26).
b) a respeito da vinda do Verbo ao mundo - a vida do Unigénito Filho
de Deus - para a salvação dos homens e para a reunião
deles com Deus.
c) a respeito do Espírito Santo, nosso Confortador e Santificador;
d) a respeito da natureza e propósito do homem; a respeito do pecado,
arrependimentos, os meios de salvação, santificação
e renascimento;
e) a respeito do Reino de Deus e da Igreja do Novo Testamento; a respeito do
Julgamento Geral e o destino final do mundo e do homem.
O ensinamento evangélico e vida e piedade é o elevado comando
de amor a Deus e ao próximo, que é apresentado muito mais completamente
que no Velho Testamento, e que inspira para a completa devoção
a Deus por seus filhos. Muitos desses mandamentos dessa perfeitíssima
lei moral estão concentrados no Sermão da Montanha. Por exemplo,
lá estão os mandamentos de perdoar as ofensas e amar os inimigos,
de auto negação e humildade, de verdadeira castidade, não
só corporal mas também espiritual, de serviço mútuo
de acordo com o exaltado exemplo do próprio Salvador, e de outras coisas
que são demandadas moralmente de um Cristão.
Enquanto o Velho Testamento em suas leis inspira a cumprir os mandamentos principalmente
para uma prosperidade terrena e temporal, o Novo Testamento inspira para as
coisas mais elevadas, eternas, espirituais.
A lei do Velho Testamento, no entanto, não foi ab-rogada pelo Salvador,
ela só foi elevada; foi-lhe dada uma interpretação mais
perfeita; foi colocada sobre melhores bases. Com a vinda do Novo Testamento,
só foi a lei ritual Judaica que foi ab-rogada.
A respeito da relação dos Cristãos com o Velho Testamento,
o Bem-aventurado Teodoreto raciocina assim: "Assim como mães de
recém-nascidos dão nutrição por meio do peito,
e depois comida leve, e finalmente, quando eles se tornam crianças ou
jovens, dão a eles comida sólida, assim também o Deus
de todas as coisas de tempos em tempos deu aos homens ensinamentos mais perfeitos.
Mas, apesar de tudo isso, nós reverenciamos o Velho Testamento como
o peito da mãe, só não tomamos leite dele; os perfeitos
não têm necessidade de leite de uma mãe, apesar de deverem
reverenciá-la por que foi dela que eles receberam o desenvolvimento.
Assim nós também, apesar de não mais observar a circuncisão,
o sábado, as ofertas de sacrifício, os borrifamentos - não
o mínimo, nós tiramos do Velho Testamento um benefício
diferente: por ele, de modo perfeito, nos introduz em piedade, em fé de
Deus, em amor pelo próximo, em continência, em justiça,
em coragem e acima de tudo pela imitação dos exemplos dos antigos
Santos" (Abençoado Teodoreto, "Brief Exposition of the Divine
Dogmas").
A lei dos Evangelhos foi dada para todos os tempos, até o final dos
tempos, e não está sujeita a ser ab-rogada ou modificada.
A lei dos Evangelhos é dada para todos os homens, e não para
um só povo, como foi a lei do Velho Testamento.
Por essas razões, a fé e ensinamentos dos Evangelhos é chamada
pelos Padres da Igreja de "Católica", sito é, englobando
todos os homens em todos os tempos.
i - Cristo o Rei do mundo (Seu ministério real)
O Filho de Deus, o Criador e Mestre do céu e da terra,
o Rei Eterno de acordo com a Divindade, é réu também de
acordo com Seu Deus-Humano, do seu ministério na terra, até sua
morte na Cruz, e em Sua condição glorificada após a Ressurreição.
O Profeta profetizou-o como um Rei, como lemos no Profeta Isaías: "Porque
um menino nos nasceu, um filho se nos deu; e o principado está sobre
os seus ombros; e o seu nome será: Maravilhoso, Conselheiro, Deus Forte,
Pai da eternidade, Príncipe da Paz... do incremento deste principado
e da paz, não haverá fim, sobre o trono de David, e no Seu Reino" (Isaías
9, 6-7).
O ministério Real do Senhor antes de sua Ressurreição
foi expresso: a) em seus milagres, em sua autoridade sobre a natureza; b) em
sua autoridade sobre os poderes do inferno, a respeito da qual há testemunhos
de seus inúmeros exorcismos de demónios a palavra do Senhor: "E
disse-lhes: Eu via Satanás, como raio, cair do céu" (Lc.
10, 18); c) em sua autoridade sobre a morte, manifestada na Ressurreição
do filho da viúva de Naim, a irmã de Jairo, e Lázaro dos
quatros dias.
O próprio Senhor Jesus Cristo fala de si como um Rei antes de sua Ressurreição
quando ele estava sendo julgado por Pilatos: "O meu Reino é deste
mundo" (Jo. 18, 36). Ele disse a eles: "É-me dado todo o poder
no céu e na terra" (Mt. 28, 18).
Depois de sua Ascensão o Deus-Homem Cristo é Cabeça do
céu, da terra e do sub mundo. Ao inferno e sua vitória sobre
eles, sua destruição das amarras dele; adiante, em sua Ressurreição
e vitória sobre a morte; e finalmente, na Ascensão de Jesus Cristo
e a abertura do Reino do Céu para todos aqueles que acreditam Nele.
j - A deificação da humanidade em Cristo
A natureza humana do Senhor Jesus Cristo, através de sua união com a Divindade, participou nas qualidades divinas e foi enriquecida por elas, em outras palavras, ela foi "deificada". E não só a natureza humana do Senhor, foi deificada: através Dele e Nele nossa humanidade também é deificada, pois "também ele participou das mesmas coisas", isto é, de nossa carne e sangue (Heb. 2, 14), uniu a si próprio do modo mais intimo com a raça humana, e consequentemente uniu-a à divindade. Como o Senhor Jesus Cristo recebeu carne da sempre Virgem Maria, os Livros da Igreja, muito frequentemente chamam-na de fonte da nossa deificação: "através dela nós fomos deificados". Nós somos deificados igualmente através da recepção do corpo e sangue de Cristo. No entanto, deve-se compreender os limites do significado desse termo, porque na literatura filosófico-religiosa de tempos recentes, começando com Vladimir Soloviev, existe uma tendência para um incorrecto alargamento do significado do dogma de Calcedónia! O termo ‘deificação’ não significa a mesma coisa que o termo "Deus-Humano", e alguém que é "deificado" não é posto no caminho do Deus-Humano pessoal. Se a Igreja de Cristo é chamada de organismo divino-humano, isto é porque a cabeça da Igreja é Cristo Deus, e o corpo da Igreja é humanidade renascida em Cristo. Nela própria a humanidade em geral, e da mesma forma o homem individualmente, permanecem com aquela natureza na qual e para a qual ela foi criada; pois, na pessoa de Cristo também, o corpo e alma humanos não passaram para a natureza divina, mas foram só unidos com ela, unidos "sem confusão ou mudança". "Porque nunca existiu, existe, ou existirá outro Cristo consistindo em Divindade e humanidade, que permanece em humanidade, o mesmo sendo perfeito Deus e perfeito Homem" como ensina São João Damasceno (Exact Exposition of the Orthodox Faith, Livro 3, capit. 3).
Arcebispo Primaz Katholikos
S.B. Dom ++ Paulo Jorge de Laureano – Vieira y Saragoça
(Mar Alexander I da Hispânea)
Última actualização deste
Link em 01 de Outubro
de 2011