Catecismo Ortodoxo

Parte II

Deus Manifestado no Mundo

8 - A economia geral da salvação
a - A condição do mundo antes da vinda do Salvador

Nos livros proféticos do Velho Testamento, e em particular nos Salmos de David, o povo escolhido, o povo Hebreu, como representativo de todo género humano, é apresentado como a "plantação de Deus", como a vinha de Deus (Isaías 5, 7; 61, 3). A imagem de um jardim, tendo o mesmo significado é dado também no Evangelho. Uma vinha ou jardim deve produzir frutos. Preservando e guardando a sua plantação, o Senhor espera frutos dela. Mas o que deveria ser feito com um pomar quando ele não dá frutos, e ainda mais, se está infestado com doença? Deveria ele ser olhado e cuidado se ele não justifica o seu propósito?
" E também agora e está posto o machado à raiz das árvores: toda árvore, por que não produz bom fruto, é cortada e lançada no fogo" (Mt. 3, 10). Assim São João, o precursor preveniu e acusou o povo antes da vinda do Senhor.
O Senhor fala a mesma coisa, e conta aos seus discípulos a parábola da figueira:
" Um certo homem tinha uma figueira plantada na sua vinha, e foi procurar nela fruto, não o achando. E disse ao vinhateiro: Eis que há três anos venho procurar fruto nessa figueira e não acho; corta-a, porque ocupa ainda a terra inutilmente? E respondendo ele, disse-lhe: Senhor, deixa-a este ano, até que eu a escave e a esterque; e, se der fruto, ficará, e se não, depois a mandará cortar" (Lc. 3, 6-9).
Assim como essa figueira, a raça humana era sem fruto. Uma vez já tinha sido exterminada pelo dilúvio. Agora havia sido condenada - ela havia condenado a si própria - à perda da vida eterna, à perda geral do Reino de Deus porque ela tinha perdido todo valor por não ter cumprido seu propósito e estar se afogando no mal.
" Não tem o oleiro poder sobre o barro?... E que direis se Deus, querendo mostrar a sua ira, e dar a conhecer o seu poder, suportar com muita paciência os vasos da ira, preparados para a perdição; para que também desse a conhecer as riquezas da sua glória nos vasos de misericórdia, que para glória já dantes preparou?" (Rom. 9, 21-23).
A humanidade, nas pessoas de seus melhores representantes, reconhecem o débito em aberto, o pesado débito de numerosas gerações precedentes e da sua própria época. Era um débito impossível de ser pago. Esse sentimento de culpa na sua forma mais pura foi apresentado pelo povo judeu. O género humano tentou eliminar os seus pecados por meio de sacrifício, que expressavam o dar a Deus a melhor parte do que estava na posse do homem, na posse de sua família, como um presente para Deus. Mas esses sacrifícios não eram capazes de regenerar moralmente os homens.
Citemos aqui as palavras do justo e santo, o Padre João de Kronstadt, em seu sermão na festa da Exaltação da Cruz do Senhor: "Entremos no significado do mistério da Cruz. O mundo, isto é, a raça humana, teria sido dado para a morte eterna, tormentos eternos, de acordo com a imutável, estrita justiça de Deus, se o Filho de Deus não se tivesse tornado dada à sua bondade ilimitada um voluntário Intermediário e Redentor da humanidade, que era criminosa, suja e corrupta pelo pecado. Porque pela ilusão da serpente, o assassino de homens, ela foi jogada num aterrador abismo sem lei e de perdição. Entretanto para que o homem fosse capaz dessa reconciliação e redenção do alto, foi necessário que o Filho de Deus descesse ao mundo, para tomar sobre si corpo e alma humanos, e tornar-se Deus-homem de modo que em sua própria pessoa, em sua natureza humana, ele fosse capaz de cumprir toda a justiça de Deus que tinha sido descaradamente violada por todas as formas de injustiça humana; para que ele pudesse cumprir a lei completa de Deus, até a última virgula, e se tornasse o maior de todos os homens justos pelo total das injustiças do género humano, e ensinasse a humanidade justiça com arrependimento por todas as suas injustiças e mostrasse frutos do arrependimento. Isso ele cumpriu, não sendo culpado de um único pecado, e foi o único homem perfeito, em hipostática união com a divindade" (Sermon on the Feast of the Exaltation: "The Meaning of the Mistery of the Cross").

b - A salvação do mundo em Cristo

Como foi cumprida a justificação geral da existência humana, e no que ela consiste? Ela foi cumprida pela Encarnação de Cristo, juntos com todos os demais eventos da vida de Nosso Senhor Jesus Cristo. A luz da Santidade mostrou-se na terra na pessoa da Imaculada, Puríssima Virgem Maria, a Mãe de Deus, todo o género humano foi santificado. Pelos passos do Salvador, por seu Baptismo no Jordão, por sua vida na terra, a natureza da terra foi santificada! O ensinamento do Evangelho e os feitos da misericórdia de Jesus Cristo levou amor e fé aos corações dos seus discípulos, em tal extensão que eles "deixaram tudo" e seguiram-no. E, acima de tudo isso, na sua voluntária morte na Cruz, há uma manifestação "que ultrapassa o entendimento", da altura e abrangência do amor em Cristo, a cujo respeito o Apóstolo raciocina assim:
" ...O amor de Deus está derramado em nossos corações pelo Espírito Santo que nos foi dado. Porque Cristo, estando nós ainda fracos, morreu a seu tempo pelos ímpios. Porque apenas alguém morrerá por um justo; pois poderá ser que pelo bom alguém ouse morrer. Mas Deus prova o seu amor para connosco, em que Cristo morreu por nós, sendo nós ainda pecadores". (Rom. 5, 5-8). E o Apóstolo conclui os seus pensamentos com isso: "Pois se nós sendo inimigos, fomos reconciliados com Deus pela morte de seu Filho" (Rom. 5, 10); "assim também por um só acto de justiça veio a graça sobre todos os homens para justificação de vida" (Rom. 5, 18). Por isso é que o Apóstolo Paulo em seus escritos divinamente inspirados tão frequentemente coloca juntas, como se as identificando, usando-as mesmo intercambialmente, as palavras "nós somos salvos pelo amor de Cristo", já que em todas essas expressões está mostrando o activo, misericordioso, amor pelo homem, auto-sacrificial, amor de Deus.
1 - Essa economia geral da salvação do mundo é apresentada na Sagrada Escritura do Novo Testamento em várias palavras similares em significado, como por exemplo: justificação, reconciliação, redenção, propiciação, perdão, libertação.
Aqui estão alguns textos relacionados à economia geral:
" Eis o Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo" (Jo. 1, 24).
" E Ele é a propiciação pelos nossos pecados, e não somente pelos nossos, mas também de todo o mundo" (Jo. 1, 24).
" E Ele morreu por todos, para que os que vivem não vivam mais para si, mas para aquele que por eles morreu e ressuscitou" (2 Cor. 5, 15).
" Porque há um só Deus, e um só Mediador entre Deus e os homens, Jesus Cristo, homem; o qual se deu a si mesmo em preço de redenção por todos" (1 Tim. 2, 5-6).
" Pois esperamos no Deus vivo, que é o Salvador de todos os homens, principalmente dos fieis" (1 Tim. 4, 10).
2 - Em adição ao amplo significado da salvação do mundo aqui indicada, a morte de Cristo e sua subsequente descida aos infernos (1 Ped. 3, 19-20; 1 Ped. 4, 6; Ef. 4, 8-10) significa também num estrito senso a libertação do "hades" das almas dos passados primeiros ancestrais, profetas, e justos do mundo pré-cristão; e assim eles expressam o especial significado da Cruz do Senhor para o mundo do Velho Testamento, um significado que veio na morte de Cristo cumprida sobre Ele: "para a remissão das transgressões que havia debaixo do primeiro testamento" (Heb. 9, 15). De acordo com isso, nossos hinos Ortodoxos para domingo também cantam a mística verdade da vitória sobre o "hades" e a libertação das almas dele: "hoje Adão dança de alegria e Eva rejubila, e com eles os profetas e patriarcas incessantemente cantam o divino triunfo em Teu poder" (Kondakion de domingo, Tom 3).
3 - Libertação do hades testemunha também o levantamento das maldições. Que foram colocadas no Velho Testamento: a) as maldições do terceiro capítulo do Livro da Génesis que foram juntados à privação da vida no paraíso de Adão e Eva e seus descendentes; b) as maldições colocadas por Moisés, no livro do Deuteronómio (cap. 28), para o teimoso não cumprimento das leias dadas através dele.

c - O renascimento pessoal e a nova vida em Cristo

A transição da ideia da economia geral de Deus para o chamado para a salvação pessoal dos homens está claramente expressa nas seguintes palavras do Apóstolo Paulo: "Deus estava em Cristo reconciliando consigo o mundo, não lhes imputando os seus pecados; e pôs em nós a palavra de reconciliação... Rogamo-vos pois da parte de Cristo que vos reconcilieis com Deus" (2 Cor. 5, 19-20).
A salvação pessoal do homem é expressa na Sagrada Escritura usualmente com a mesma terminologia com as mesmas palavras, como são as da Salvação do mundo no sentido amplo das palavras "justificação", "renovação", "reconciliação", como nós vemos no texto que citamos acima. Só que as palavras aqui são aplicadas num sentido mais estreito. Aqui os Apóstolos já têm em mente os homens que vieram a acreditar em Cristo e que receberam o Santo Baptismo. As frases comuns para expressar ambos os tipos de salvação podem ser vistas nos seguintes exemplos:
" Cristo segundo a sua misericórdia, salvou-nos pela lavagem da regeneração e da renovação do Espírito Santo... que sendo justificados pela sua graça sejamos feitos herdeiros segundo a esperança da vida eterna" (Tito 3, 5-7).
" E não entristeçais o Espírito Santo de Deus, no qual estais selados para o dia da salvação" (isto quer dizer, o dia do Baptismo e do recebimento do selo do Espírito Santo; Ef. 4, 30).
Mas o lugar principal entre todas essas expressões com relação aos Cristãos é o da concepção da "Ressurreição em Cristo". O mistério no Baptismo é uma ressurreição pessoal em Cristo: "Nele também ressuscitastes" (Colossenses 2, 12).
O Apóstolo Pedro escreve na Primeira Epístola Católica: "...agora vos salva, baptismo... pela Ressurreição de Jesus Cristo" (1 Ped. 3, 21). A verdadeira pregação dos Apóstolos é, em sua essência, a pregação da Ressurreição de Cristo.
O Baptismo por água é chamado pelas Escrituras Apostólicas como um novo nascimento, adopção, santificação: "...mas haveis sido santificado, mas haveis sido justificados em nome do Senhor Jesus" (1 Cor. 6, 11). "Porque todos quanto fostes baptizados em Cristo já vos revestistes de Cristo" (Gal. 3, 27).
Disso fica claro que no mistério da Redenção a Cruz e a Ressurreição do Senhor são inseparáveis. Na consciência da Igreja essa verdade é expressa de modo completo nos hinos Pascais, que confessam o poder da Ressurreição de Cristo, não só para a salvação pessoal dos cristãos, mas também no final, completa justificação do mundo: "Páscoa da incorruptibilidade, salvação do mundo" (Exapostilário da Páscoa). Pela Cruz foi cumprida a limpeza dos pecados do mundo, a reconciliação com Deus; pela Ressurreição vida nova foi trazida ao mundo.

d - A palavra "redenção" no uso dos Apóstolos

A totalidade das consequências da Cruz e da Ressurreição são usualmente expressas pelos Apóstolos, e portanto em terminologia teológica também, pelo conceito único de "redenção", que literalmente significa um "resgate", uma oferta de pagamento. Esse conceito é suficientemente vívido para que fosse acessível ao entendimento do povo mesmo do mais baixo nível da sociedade. Mas essa característica vívida em si inspirou tentativas de se perguntar por outras questões não relacionadas à essência da salvação, ainda mais que esse termo tem somente um significado simbólico e alegórico. Por isso, São Gregório, o Teólogo, elimina essas demais questões e estabelece a essência da presente expressão na seguinte reflexão: "A quem foi oferecido aquele sangue que foi derramado por nós, e porque ele foi derramado? Eu quero dizer o precioso e famoso Sangue de Nosso Deus e Sumo Sacerdote e Sacrifício. Nós estamos detidos na escravidão pelo maligno, vendidos pelo pecado, e recebíamos prazeres em troca de maldade. Agora, já que um resgate pertence só a quem mantêm alguém em escravidão, eu pergunto por quem foi oferecido isso e porque causa? Se pelo maligno, livrai-me Deus do ultraje! O ladrão receberia resgate, não somente de Deus, mas um resgate que consiste no próprio Deus, e recebe tão ilustre pagamento por sua tirania, um pagamento por aqueles que teria sido bom para o ladrão deixar abandonados todos juntos. Mas primeiro eu pergunto, como? Pois não foi por Deus que nós fomos oprimidos; e segundo, baseado em que princípio o Sangue de Seu Filho Unigénito agradou o Pai, que não quis receber sequer Isaac, quando ele estava sendo oferecido por seu pai, mas mudou o sacrifício, pondo um cordeiro no lugar da vítima humana? Não é evidente que o Pai aceita o Filho, mas nem pediu por ele nem demandou-o; mas por causa da Encarnação, e porque a humanidade deve ser santificada pela humanidade de Deus, que ele deveria libertar-se a si próprio, superando o tirano, e nos conduzir a ele próprio pela mediação de seu Filho, que também arranjou isso dessa forma para honrar ao Pai, a quem Ele manifesta obedecer em todas as coisas?" (São Gregório, o Teólogo, «Second Oration on Pasha», tradução inglesa em «Eerdman’n Nicenene and Post-Nicene Fathers», Second Séries, vol 7, pg 431).
Nessa reflexão teológica de São Gregório, o Teólogo, a ideia que aparece na Primeira Epístola Católica do Apóstolo tem dada a sua completa expressão: "sabendo que fostes resgatados da vossa vã maneira de viver que por tradição recebeste ele de vossos pais, não com coisas corruptíveis como ouro e prata, mas com o precioso sangue de Cristo, como de um cordeiro imaculado e contaminado, o qual na verdade em outro tempo foi conhecido, ainda antes da fundação do mundo" (1 Ped. 1, 18-20).
Para a definição teológica do conceito de "redenção" um exame teológico das palavras gregas que correspondem a esse conceito tem grande importância.
No texto grego das Escrituras do Novo Testamento esse conceito é expresso por duas palavras, e cada uma delas tem uma importante sombra do significado. A primeira delas lytro-o, significa "comprar", "resgate". Naqueles tempos o mundo conhecia três formas de resgatar pessoas sendo (de acordo com dicionários gregos): 1) resgatar de cativeiro, 2) resgatar da prisão, por exemplo por débito, 3) resgatar de escravidão. No significado cristão os Apóstolos usam esse termo para expressar o momento da realização de nossa salvação que é juntada à Cruz de Cristo, isto é, a libertação dos justos das amarras do hades. Essas são as mesmas três formas de "resgate": resgate do cativeiro do pecado, resgate do hades, resgate da escravidão ao demónio.
O segundo verbo, agorazo, significa "comprar para si próprio", "comprar no mercado" (agora significa "mercado"). A imagem utilizada nesse termo refere se só a fiéis, a cristãos. Aqui ele tem um significado especialmente rico. Esse verbo é encontrado três vezes nos escritos dos Apóstolos, quais sejam:
" Ou não sabeis que o nosso corpo é o templo do Espírito Santo, que habita em vós, proveniente de Deus, e que não sois de vós mesmos? Porque fostes comprados por bom preço" (1 Cor. 6, 19-20).
" Fostes comprados por bom preço; não vos façais servos dos homens" (1 Cor. 7, 23).
O hino no céu ao Cordeiro: "porque foste morto e com teu sangue compraste para Deus homens de toda a tribo, e língua, e povo e nação" (Apoc. 5, 9).
Em todos os três trechos esse verbo significa que Cristo nos adquiriu para si próprio de modo que agora nós devemos pertencer a Ele inteiramente, como escravos comprados pertencem a seus mestres. Fica por nossa conta reflectir sobre a profundidade dessa imagem, que foi colocada em palavras pelos próprios Apóstolos.
De um lado a palavra "escravos" de Cristo significa um completo, e incondicional, dar-se em obediência a Aquele Deus que redimiu todos nós. Assim, precisamente, os Apóstolos se sentiam. É suficiente ler os primeiros versículos de numerosas Epístolas dos Apóstolos. Nas primeiras palavras eles chamam-se de escravos (ou servos) de Cristo: "Simão Pedro, servo e Apóstolo de Jesus Cristo" (2ª Pedro); "Judas, servo de Jesus Cristo, e irmão de Tiago" (Judas); "Paulo, servo de Jesus Cristo, chamado para Apóstolo" (Romanos); "Paulo e Timóteo, servos de Jesus Cristo" (Filipenses). Tal auto-consciência deveria estar presente, segundo o ensinamento dos Apóstolos, em todos os fiéis. A Santa Igreja precisamente da mesma forma em todos os tempos chamou e chama os membros da Igreja na linguagem dos Divinos Ofícios, "escravos (servos) de Deus".
Mas há outro lado. O Salvador endereça aos discípulos em sua conversa de despedida: "Vós sereis meus amigos, se fizerdes o que vos mando" (Jo. 15, 14); e no mesmo lugar Ele os chama de "Filhinhos" (Jo. 13, 33); "Como o Pai me amou, também eu vos amei a vós" (Rom. 8, 16-17). E o Santo Apóstolo João, ele que se apoia sobre o peito de Cristo, clama com inspiração: "Amados, agora somos filhos de Deus, e ainda não é manifestado o que havemos de ser. Mas sabemos que, quando ele se manifestar seremos semelhantes a ele; pois assim como é o veremos" (1 Jo. 3, 2).
Ele que santifica e eles que são santificados são todos do Um (Deus): por isso chama aqueles que foram santificados de seus irmãos. Mais importante, ele é o "príncipe de nossa salvação" (Heb. 2, 10); Ele é o Sumo Sacerdote do Novo Testamento. "Pelo que convinha que em tudo fosse semelhante aos irmãos, para ser misericordioso e fiel sumo sacerdote naquilo que é de Deus, para expiar os pecados do povo. Porque naquilo que ele mesmo, sendo tentado, padeceu, pode socorrer aos que são tentados" (Heb. 2, 17-18). Para ele nós pedimos perdão de nossos pecados; pois o Pai Celeste não julga ninguém, mas entregou o julgamento inteiramente ao Filho, e que todos devem adorar o Filho como adoram o Pai. O Filho mesmo proclamou antes de Sua ascensão: "É-me dado todo o poder no céu e na terra" (Mt. 28, 18). É por isso que quase todas as nossas orações - seja por nós próprios, por nossos pais e irmãos, pelos vivos e pelos mortos - nós oferecemos ao Filho de Deus. Nós estamos na casa de Deus; nós somos a casa de Cristo. Portanto para nós é fácil, alegre e salvífico ter comunhão com todos os membros celestes dessa casa: com a Santíssima Trindade, com os Apóstolos, os Profetas, os Mártires, os Hierarcas, e os Santos Monásticos - uma única Igreja no céu e na terra! É para isso que nós fomos comprados por Cristo.
Tão grandes são as consequências do Sacrifício de Cristo que foi oferecido na Cruz e assinando pela Ressurreição de Cristo! Esse é o significado do novo canto diante do Cordeiro no seu trono, que foi dado no Apocalipse ao Apóstolo São João, o Teólogo: "...tu foste morto e nos compraste para Deus com teu sangue" (Apoc. 5, 9). Nós fomos comprados para Deus.
Portanto, não permitamos que a triste condição espiritual do mundo que nós observamos nos confunda. Nós sabemos que a triste condição das crianças da Igreja, os escravos de Cristo, está se cumprindo. E a salvação do mundo, no amplo, escatológico significado da palavra, já foi realizada. Mas como o Apóstolo Paulo nos instrui: "Porque em esperança fomos salvos. Ora a esperança que se vê não é esperança; porque o que alguém vê como o esperava? Mas se esperamos com paciência o esperamos" (Rom. 8, 24-25). As forças espirituais no mundo podem estar escondidas mas não estão extintas. O corpo celeste-terrestre da Igreja de Cristo cresce e puxa o mundo para próximo do dia místico da triunfante e gloriosa manifestação aberta do Filho do Homem, o Filho de Deus, quando após o grande e justo Juízo Geral, a renovação e transfiguração do mundo será revelada, e ele que senta no trono virá: "Eis que eu faço novas todas as coisas" (Apoc. 21, 5). E existirá um novo céu e uma nova terra. Amém.

e - Uma nota sobre o ensinamento Católico Romano

A interpretação da verdade da Redenção ficou muito complicada quanto à direcção que foi dada pela Teologia ocidental da Idade Média. As expressões figurativas dos Apóstolos foram aceitas na teologia católica romana medieval no seu sentido literal e extremamente estreito, e o trabalho da redenção foi interpretado como uma "satisfação" - mais precisamente, uma satisfação por ofensas feitas a Deus, e ainda mais precisamente "satisfação de Deus (Deus na Santíssima Trindade) pela ofensa causada a ele pelo pecado de Adão". É fácil ver que a base de tal visão é o especial ensinamento latino sobre o pecado original: aquele homem na transgressão de Adão "ofendeu infinitamente" Deus e evocou a ira de Deus; assim, foi requerido que fosse oferecida a Deus uma satisfação completa de modo que a culpa fosse removida e Deus pudesse ser apaziguado; isso foi feito pelo Salvador quando ele aceitou a morte na Cruz: o Salvador ofereceu uma satisfação infinitamente completa.
Essa interpretação unilateral da Redenção tornou-se reinante na teologia latina e permaneceu até o tempo presente. Ela evocou no Protestantismo a reacção oposta, que conduziu as ultimas seitas à mais completa negação do dogma da Redenção e a aceitação de não mais que um significado moral ou instrutivo para a vida de Cristo e sua morte na Cruz.
O termo "satisfação" tem sido usado na Teologia Ortodoxa Russa, mas numa forma mudada: "a satisfação de justiça de Deus". A expressão "satisfazer a justiça de Deus", deve-se reconhecer, não é inteiramente estranha ao Novo Testamento, como pode ser visto nas palavras do próprio Salvador: "...porque assim nos convém cumprir toda justiça" (Mt. 3, 15). Uma expressão que é próxima em significado ao presente termo mas que é mais completa, e autenticamente bíblica, e dá uma base para o entendimento Ortodoxo do trabalho na Redenção, é a palavra "propiciação" que é lida na Primeira Epistola de João: "Nisto está o amor, não que nós tenhamos amado a Deus, mas que Ele nos amou por nós, e enviou Seu Filho para propiciação dos nossos pecados" (1 Jo. 4, 10); "propiciação" é uma tradução directa da palavra grega «ilasmos». O mesmo uso da palavra é encontrado em 1 Jo. 2, 2.

f - O triplo ministério do Senhor

Os sistemas de teologia dogmática, seguindo o antigo costume, para ganhar uma mais completa iluminação do trabalho de salvação realizado pelo Senhor Jesus Cristo, vêem mais frequentemente esse trabalho sob três aspectos nomeadamente: a) o ministério de Sumo Sacerdote; b) seu ministério profético; e c) seu ministério real. Esses três aspectos são chamados o triplo ministério do Senhor.
O aspecto comum dos três ministérios, o Profético, o Sumo Sacerdotal, e o Real, é que no Velho Testamento o chamado para esses três ministérios era acompanhado por unção com óleo, e aqueles que meritoriamente passavam por esses ministérios eram reforçados pelo poder do Espírito Santo.
O próprio nome "Cristo" significa "ungido" (o nome "Jesus" significa "Salvador"). O Senhor refere-se a si mesmo com as palavras do Profeta Isaías quando ele as lê na Sinagoga de Nazaré: "O Espírito do Senhor é sobre mim, pois que me ungiu para evangelizar os pobres, enviou-me a curar os quebrantados do coração, a apregoar a liberdade aos cativos, e dar vista aos cegos; a por em liberdade aos oprimidos; a aceitar o ano aceitável do Senhor" (Lc. 4, 18-19).

g - Cristo o Sumo Sacerdote

O Senhor Jesus Cristo não é só o Cordeiro de Deus que é oferecido em sacrifício pela vida do mundo; Ele é ao mesmo tempo Aquele que oferece, o Executor do sacrifício, o Sumo Sacerdote. Cristo é "Tu que ofereces e é oferecido, és Tu que recebes e distribui" (oração secreta no Hino dos Querubins na Liturgia). Ele próprio é oferecido como sacrifício, e Ele próprio também oferece o sacrifício. Ele tanto recebe como distribui o sacrifício para aqueles que vêm.
O Senhor expressou seu ministério Sumo Sacerdotal na terra, no mais alto grau na oração a seu Pai que é chamada de "a oração do Sumo Sacerdote", que foi pronunciada depois da conversa de despedida com seus discípulos na noite em que ele foi preso pelos soldados e da mesma forma na oração em solidão no jardim de Gethsemane: "E por eles me santifico a mim mesmo, para que também eles sejam santificados na verdade. Eu não rogo somente por estes, mas também por aqueles que pela sua palavra hão de crer em mim" (Jo. 17, 19-20).
O Apóstolo Paulo interpreta o ministério Sumo Sacerdotal de Cristo na sua Epístola aos Hebreus (capítulos 5-10). Ele justapõe o ministério sumo sacerdotal de Cristo com os ministérios dos Sumos Sacerdotes do Velho Testamento e mostra que o sacerdócio de Cristo os ultrapassa incomparavelmente.
Existiram muitos sumos sacerdotes de acordo com a ordem de Aarão, já que a morte não permitia que houvesse só um. Mas esse Um, de acordo com a ordem de Melquisedec, permanecendo eternamente, tem um sacerdócio que não passa (Heb. 7, 23-24).
Aqueles sumos sacerdotes eram cobertos com enfermidade; mas esse sumo sacerdote é perfeito para sempre (Heb. 7, 28).
Aqueles eram sacerdotes dos tabernáculos terrestres feitos por mãos; mas esse Um é o Executor sagrado do tabernáculo eterno que não é feito por mãos humanas (Heb. 9, 24).
Aqueles sumos sacerdotes entraram no local sagrado como sangue de bodes e bezerros; mas esse Um com seu próprio sangue entrou uma vez no local sagrado e obteve uma redenção eterna (Heb. 9, 12).
Eles foram sacerdotes do Velho Testamento; enquanto esse Um é o sacerdote do Novo Testamento (Heb. 8, 6).

h - Cristo o Evangelizador (Seu ministério profético)

O evangelístico, ou instrutivo, ou profético ministério do Senhor Jesus Cristo foi expressado no facto de que Ele proclamou aos homens, em toda totalidade e clareza acessível a eles, a vontade do Pai celestial, para a salvação do mundo; e concedeu a Eles a nova, e mais perfeita lei de fé e piedade que serve ao propósito de salvação de toda raça humana. Esse ministério foi executado pelo próprio Senhor e através de Seus discípulos, que de acordo com Seus mandamentos, proclamaram as boas novas para todos os povos e entregaram-nas à Igreja em todos os tempos.
O Senhor proclamou as boas novas de 1) o ensinamento de fé, e 2) o ensinamento de vida e piedade.
O ensinamento evangélico de fé é o ensinamento:
a) a respeito de Deus, nosso Boníssimo Deus, a Quem nós somos ensinados a apelar com o grito de um filho: "Pai Nosso". A respeito dessa revelação aos homens desse novo e mais perfeito entendimento de Deus, o Salvador fala na oração antes de Seus sofrimentos: "Manifestei o teu nome aos homens... e eu lhes fiz conhecer o teu nome" (Jo. 17, 6.26).
b) a respeito da vinda do Verbo ao mundo - a vida do Unigénito Filho de Deus - para a salvação dos homens e para a reunião deles com Deus.
c) a respeito do Espírito Santo, nosso Confortador e Santificador;
d) a respeito da natureza e propósito do homem; a respeito do pecado, arrependimentos, os meios de salvação, santificação e renascimento;
e) a respeito do Reino de Deus e da Igreja do Novo Testamento; a respeito do Julgamento Geral e o destino final do mundo e do homem.
O ensinamento evangélico e vida e piedade é o elevado comando de amor a Deus e ao próximo, que é apresentado muito mais completamente que no Velho Testamento, e que inspira para a completa devoção a Deus por seus filhos. Muitos desses mandamentos dessa perfeitíssima lei moral estão concentrados no Sermão da Montanha. Por exemplo, lá estão os mandamentos de perdoar as ofensas e amar os inimigos, de auto negação e humildade, de verdadeira castidade, não só corporal mas também espiritual, de serviço mútuo de acordo com o exaltado exemplo do próprio Salvador, e de outras coisas que são demandadas moralmente de um Cristão.
Enquanto o Velho Testamento em suas leis inspira a cumprir os mandamentos principalmente para uma prosperidade terrena e temporal, o Novo Testamento inspira para as coisas mais elevadas, eternas, espirituais.
A lei do Velho Testamento, no entanto, não foi ab-rogada pelo Salvador, ela só foi elevada; foi-lhe dada uma interpretação mais perfeita; foi colocada sobre melhores bases. Com a vinda do Novo Testamento, só foi a lei ritual Judaica que foi ab-rogada.
A respeito da relação dos Cristãos com o Velho Testamento, o Bem-aventurado Teodoreto raciocina assim: "Assim como mães de recém-nascidos dão nutrição por meio do peito, e depois comida leve, e finalmente, quando eles se tornam crianças ou jovens, dão a eles comida sólida, assim também o Deus de todas as coisas de tempos em tempos deu aos homens ensinamentos mais perfeitos. Mas, apesar de tudo isso, nós reverenciamos o Velho Testamento como o peito da mãe, só não tomamos leite dele; os perfeitos não têm necessidade de leite de uma mãe, apesar de deverem reverenciá-la por que foi dela que eles receberam o desenvolvimento. Assim nós também, apesar de não mais observar a circuncisão, o sábado, as ofertas de sacrifício, os borrifamentos - não o mínimo, nós tiramos do Velho Testamento um benefício diferente: por ele, de modo perfeito, nos introduz em piedade, em fé de Deus, em amor pelo próximo, em continência, em justiça, em coragem e acima de tudo pela imitação dos exemplos dos antigos Santos" (Abençoado Teodoreto, "Brief Exposition of the Divine Dogmas").
A lei dos Evangelhos foi dada para todos os tempos, até o final dos tempos, e não está sujeita a ser ab-rogada ou modificada.
A lei dos Evangelhos é dada para todos os homens, e não para um só povo, como foi a lei do Velho Testamento.
Por essas razões, a fé e ensinamentos dos Evangelhos é chamada pelos Padres da Igreja de "Católica", sito é, englobando todos os homens em todos os tempos.

i - Cristo o Rei do mundo (Seu ministério real)

O Filho de Deus, o Criador e Mestre do céu e da terra, o Rei Eterno de acordo com a Divindade, é réu também de acordo com Seu Deus-Humano, do seu ministério na terra, até sua morte na Cruz, e em Sua condição glorificada após a Ressurreição.
O Profeta profetizou-o como um Rei, como lemos no Profeta Isaías: "Porque um menino nos nasceu, um filho se nos deu; e o principado está sobre os seus ombros; e o seu nome será: Maravilhoso, Conselheiro, Deus Forte, Pai da eternidade, Príncipe da Paz... do incremento deste principado e da paz, não haverá fim, sobre o trono de David, e no Seu Reino" (Isaías 9, 6-7).
O ministério Real do Senhor antes de sua Ressurreição foi expresso: a) em seus milagres, em sua autoridade sobre a natureza; b) em sua autoridade sobre os poderes do inferno, a respeito da qual há testemunhos de seus inúmeros exorcismos de demónios a palavra do Senhor: "E disse-lhes: Eu via Satanás, como raio, cair do céu" (Lc. 10, 18); c) em sua autoridade sobre a morte, manifestada na Ressurreição do filho da viúva de Naim, a irmã de Jairo, e Lázaro dos quatros dias.
O próprio Senhor Jesus Cristo fala de si como um Rei antes de sua Ressurreição quando ele estava sendo julgado por Pilatos: "O meu Reino é deste mundo" (Jo. 18, 36). Ele disse a eles: "É-me dado todo o poder no céu e na terra" (Mt. 28, 18).
Depois de sua Ascensão o Deus-Homem Cristo é Cabeça do céu, da terra e do sub mundo. Ao inferno e sua vitória sobre eles, sua destruição das amarras dele; adiante, em sua Ressurreição e vitória sobre a morte; e finalmente, na Ascensão de Jesus Cristo e a abertura do Reino do Céu para todos aqueles que acreditam Nele.

j - A deificação da humanidade em Cristo

A natureza humana do Senhor Jesus Cristo, através de sua união com a Divindade, participou nas qualidades divinas e foi enriquecida por elas, em outras palavras, ela foi "deificada". E não só a natureza humana do Senhor, foi deificada: através Dele e Nele nossa humanidade também é deificada, pois "também ele participou das mesmas coisas", isto é, de nossa carne e sangue (Heb. 2, 14), uniu a si próprio do modo mais intimo com a raça humana, e consequentemente uniu-a à divindade. Como o Senhor Jesus Cristo recebeu carne da sempre Virgem Maria, os Livros da Igreja, muito frequentemente chamam-na de fonte da nossa deificação: "através dela nós fomos deificados". Nós somos deificados igualmente através da recepção do corpo e sangue de Cristo. No entanto, deve-se compreender os limites do significado desse termo, porque na literatura filosófico-religiosa de tempos recentes, começando com Vladimir Soloviev, existe uma tendência para um incorrecto alargamento do significado do dogma de Calcedónia! O termo ‘deificação’ não significa a mesma coisa que o termo "Deus-Humano", e alguém que é "deificado" não é posto no caminho do Deus-Humano pessoal. Se a Igreja de Cristo é chamada de organismo divino-humano, isto é porque a cabeça da Igreja é Cristo Deus, e o corpo da Igreja é humanidade renascida em Cristo. Nela própria a humanidade em geral, e da mesma forma o homem individualmente, permanecem com aquela natureza na qual e para a qual ela foi criada; pois, na pessoa de Cristo também, o corpo e alma humanos não passaram para a natureza divina, mas foram só unidos com ela, unidos "sem confusão ou mudança". "Porque nunca existiu, existe, ou existirá outro Cristo consistindo em Divindade e humanidade, que permanece em humanidade, o mesmo sendo perfeito Deus e perfeito Homem" como ensina São João Damasceno (Exact Exposition of the Orthodox Faith, Livro 3, capit. 3).

 

Arcebispo Primaz Katholikos

S.B. Dom ++ Paulo Jorge de Laureano – Vieira y Saragoça
(Mar Alexander I da Hispânea)


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Última actualização deste Link em 01 de Outubro de 2011