Catecismo Ortodoxo
Parte II
Deus Manifestado no Mundo
2 - A Providência de Deus
a - A providência de Deus sobre o mundo
"Meu Pai trabalha até agora, e eu trabalho também" (Jo.
5, 17). Nestas palavras do Senhor Jesus Cristo está contida a verdade
do constante cuidado e da constante providência para com o mundo. Apesar
de Deus ter descansado no sétimo dia de todos os seus trabalhos (Gén.
2, 2-3), Ele não abandonou o mundo. Deus "é quem a todos
dá a vida, e a respiração, e todas as coisas... Nele vivemos,
nos movemos e existimos" (Act. 17, 25.28). O poder de Deus mantém
o mundo em existência e participa de todas as actividades da vontade
viva de Deus; por elas mesmas essas "leis" seriam impotentes e não
efectivas.
A Providência de Deus abarca tudo no mundo. Deus provê não
só para o grande e imenso, mas também para o menos e aparentemente
insignificante; não só sobre o céu e a terra anjos e homens,
mas também sobre as menores criaturas; pássaros, grama, flores, árvores.
A Sagrada Escritura toda é preenchida com a infatigável e providencial
actividade de Deus.
Pela boa vontade de Deus o Universo mantém-se e todo o imenso espaço
do mundo Deus enche os céus e a terra (Jer. 23, 24); "Escondes
o teu rosto, e ficam perturbados" (Sal. 104, 29).
Pela Providência de Deus o mundo vegetal vive na terra: "Ele é que
cobre o céu de nuvens, que prepara a chuva para a terra e que faz produzir
erva sobre os montes: que dá aos animais o seu sustento" (Sal.
147, 8-9). Nem ele deixa sem cuidados os lírios do campo, adornando-os
e a outras flores com uma beleza que nos deixa atónitos (Mt. 6, 29).
A Providência de Deus estende-se para todo reino animal: "os olhos
de todos esperam em ti, e tu lhes dás o seu mantimento a seu tempo,
Abres a tua mão, e satisfazes os desejos de todos os viventes" (Sal.
14, 15-16). Deus cuida até mesmo do menor passarinho: "... nem
um deles cairá em terra sem a vontade de nosso Pai" (Mt. 10, 29).
Porém é o homem que é esse objecto principal da Providência
de Deus na terra. Deus conhece os pensamentos de cada homem (Sal. 138, 2),
e os seus sentimentos (Sal. 7, 9) e até os seus gemidos (Sal. 37, 9).
Ele provê o que "é necessário mesmo antes que lhe
peçam" (Mt. 6, 32) e inclina os seus ouvidos à súplica
daqueles que pedem (Sal. 85, 1), atendendo ao que é pedido somente se
a requisição vem de uma fé sincera e viva (Mt. 6, 33).
Deus dirige os passos do homem que não sabe o seu próprio caminho
(Prov. 20, 24). Ele torna pobre e enriquece, ele derruba e levanta, ele causa
feridas e ele mesmo as cura (Job 5, 18). Amando os justos, ele poupa os pecadores
também: "Não repreenderá perpetuamente, vem para
sempre conservará a Sua ira" (Sal. 103, 9). Ele é tolerante,
de modo que por meio da sua benignidade ele conduz os pecadores ao arrependimento
(Rom. 2, 4). Essa abarcadora e incessante actividade de Deus no mundo é expressa
no Símbolo da Fé quando nós chamamos a Deus de "Todo-Poderoso".
Como para as aparentes injustiças da vida, quando nós vemos homens
virtuosos sofrerem enquanto os ímpios são prósperos, Crisóstomo
exorta-nos com as seguintes palavras: "Se o Reino dos Céus está aberto
para nós e uma recompensa nos é mostrada na vida futura, então
não vale a pena investigar porque os justos sofrem mágoas aqui
enquanto os malignos vivem em conforto. Se uma recompensa está esperando
lá por todos de acordo com seus justos méritos, porque deveríamos
sermos perturbados pelos eventos presentes, se eles são afortunados
ou desafortunados? Por esses infortúnios Deus exercita aqueles que são
submissos a Ele como resolutos guerreiros; e os mais fracos, negligentes, e
aqueles incapazes de suportar qualquer dificuldade, Ele exorta mais à frente
no tempo a realizar boas obras" ("To Stagirius the Ascetic",
homilia I, 8, em sua «Collected Works» em russo, vol. I, Pt. 1,
p. 194). De facto nós mesmos com frequência vêmos que as
melhores experiências instrutivas e elevadoras são os infortúnios
a que o homem é submetido.
Essencialmente, a Providência de Deus sobre o mundo é uma actividade
incessante e inseparável, ainda que decido a nossas mentes limitadas
recebamos essa actividade de Deus no mundo variável e mutável
sob diferentes formas e aparências. A actividade da Providência
de Deus não é, pode dizer-se, uma interferência no curso
da vida dada ao mundo em sua criação; não é uma
série de intrusões privadas da vontade de Deus na vida do mundo.
A vida do mundo está constantemente na mão direita de Deus; "O
mundo não se manteria por um instante se Deus removesse a sua Providência
dele" (Santo Agostinho). "O Todo-Poderoso e Santíssimo Verbo
do Pai, estando no meio de todas as coisas e manifestando os seus poderes por
toda a parte, iluminando todas as coisas visíveis e invisíveis,
abarca e contém tudo em si, de modo que nada é sem a participação
em seus poderes; mas tudo em tudo, toda criatura separadamente e toda criatura
junta, Ele dá vida e preserva" (Santo Atanásio, o Grande, "Against
Pagans", cap. 42).
A esse respeito deve notar-se ainda outro aspecto que faz o homem parar reverentemente
atónito. É o facto que, enquanto o Criador contém tudo
em sua mão direita, desde o primeiro dia da criação, ele
deu a todos os seres orgânicos, até mesmo para o reino vegetal,
uma liberdade de crescimento e desenvolvimento, o uso de seus próprios
poderes e do ambiente circundante, a cada um em sua própria medida e
de acordo com sua natureza e organização. Uma liberdade ainda
maior o Criador deu ao homem sua criação racional e moralmente
responsável - a criação mais elevada na terra. Com essa
variedade de esforços - natural, instintivo, e no mundo racional também
moralmente livre - a Providência de Deus vem junto de maneira que todos
eles são mantidos em si e dirigidos de acordo com o plano providencial.
Todas as imperfeições, sofrimentos e doenças que procedem
dessa colisão de esforços separados do mundo, são corrigidas
e curadas pela benignidade de Deus. Essa benignidade acalma as hostilidades
e dirige a vida do mundo todo para o objectivo bom que foi para ele estabelecido
lá me cima. Além disso, para as criaturas racionais de Deus,
essa benignidade abre caminho para a incessante glorificação
de Deus.
Não importa quanto a humanidade viole o seu propósito no mundo,
não importa quanto ela caia, não importa quanto a massa humana,
conduzida por seus lideres malignos, esteja inclinada a renunciar aos comandos
de Deus, como vemos no tempo presente, a história do mundo ainda assim
culminará no objectivo estabelecido para ela pela Providência
de Deus: o triunfo da justiça de Deus em seguida ao qual haverá o
Reino de Glória, quando "Deus será tudo em todos" (1
Cor. 15, 28).
Contemplando a majestade, sabedoria e benignidade de Deus no mundo, o Apóstolo
Paulo clama: "Ó profundidade das riquezas, tanto da sabedoria,
como da ciência de Deus!... Porque quem compreendeu o intento do Senhor?
Ou quem foi seu conselheiro? Ou quem lhe deu primeiro a Ele, para que lhe seja
recompensado? Porque Dele e por Ele e para Ele, são todas as coisas,
glória pois a Ele eternamente. Amén" (Rom. 11, 33-36).
b - A Providência de Deus sobre o homem antes da queda
Tendo sido criado o homem, o Criador não deixou os
primeiros criados sem a sua Providência. A graça de Deus habitou
constantemente em nossos primeiros ancestrais e, na expressão dos Santos
Padres, serviu como uma espécie de roupa para eles. Eles tinham um perfeito
sentimento de proximidade de Deus, o próprio Deus era seu primeiro Instrutor
e Professor e concedeu-lhes revelações imediatas. Aparecendo
para eles, ele conversou com eles e revelou-lhes a sua vontade.
Os capítulos dois e três do Livro do Génesis mostra-nos
a vida desse primeiro povo. Deus colocou Adão e Eva no Paraíso,
no Jardim do Éden, o "Paraíso de Delícias",
onde crescia toda árvore que era agradável à vista e boa
para comer, comandando-lhes para que o mantivessem. O Jardim do Éden
era um lugar tão esplêndido que as primeiras pessoas devem ter
sido involuntariamente elevadas para um sentimento de júbilo e suas
mentes dirigidas para o mais perfeito artista do mundo. O próprio trabalho
deve ter facilitado o desenvolvimento tanto do poder físico quanto do
poder espiritual.
Como o escritor do Génesis informa-nos, Deus trouxe todas as características
vivas para o homem para que este lhes desse nome. É claro que de um
lado isso deu ao homem a oportunidade de tomar conhecimento da saúde
e variedade do reino animal, e do outro lado, facilitar o desenvolvimento das
suas capacidades mentais dando-lhe um mais completo conhecimento próprio
por comparação com o mundo que pairava diante dos seus olhos,
e uma consciência de sua real superioridade sobre toda as outras criaturas
da terra.
Compreensivelmente, a condição original das primeiras pessoas
era de uma infantilidade e simplicidade espiritual, juntadas à pureza
moral. Mas essa condição continha a oportunidade de um desenvolvimento
rápido e harmonioso e crescimento de todos os poderes do homem, dirigido
para uma semelhança com Deus e a mais íntima união com
Ele!
A mente do homem era pura, brilhante e sadia. Mas ao mesmo tempo era uma mente
limitada e não testada pela experiência da vida, como foi revelado
na hora da queda no pecado. A mente do homem ainda tinha que ser desenvolvida
e aperfeiçoada.
Moralmente, o primeiro homem era puro e inocente. As palavras: "E ambos
estavam nus, o homem e sua mulher; e não se envergonhavam" (Gen.
2, 25). Interpretadas por São João Damasceno como "o pináculo
da despaixão". No entanto, pode compreender-se essa pureza nas
primeiras pessoas como que, desde o inicio elas já possuíssem
todas as virtudes e não estando necessitadas de aperfeiçoamento.
Não, Adão e Eva, apesar de terem vindo das mãos do Criador
puros e inocentes, ainda tinham que ser confirmados no bem, como expressa Santo
Irineu, "tendo recebido a existência, tinha que crescer e amadurecer
tornando-se então forte, e, atingindo a maturidade plena seria glorificado
e, sendo glorificado, ser-lhe-ia concedido ver Deus".
O homem veio das mãos do Criador sem faltas também no corpo.
Seu corpo, tão notável em sua organização, sem
duvida não recebeu nenhum erro ou defeito interno ou externo do Criador.
Ele possuía faculdades que elas eram frescas e não corrompidas.
Ele não tinha em si a menor desordem e estava apto a estar livre de
doenças e sofrimentos. Na verdade, as doenças e sofrimentos são
apresentados no Livro do Génesis como consequências da queda de
nossos primeiros ancestrais e como castigo para o pecado. Adicionalmente, o
Livro do Génesis dá uma indicação mística
da Árvore da Vida cujo fruto estava acessível aos primeiros ancestrais
antes da queda no pecado, fruto esse que os preservaria na morte física.
A morte não era uma necessidade para o homem: "Deus criou o homem
nem completamente mortal nem completamente imortal, mas capaz de ser ou um
ou outro" (Teófilo de Antioquia; ver em Bispo Sylvester, «Essay
in Orthodox Dogmatic Tehology», vol. 3, p. 379).
Mas não importa quão perfeito eram os poderes do homem, pois
sendo uma criatura limitada ele requeria mesmo assim um constante reforço
na fonte de toda vida, de Deus, assim como fazem todos os seres criados. Meios
apropriados para o reforço do homem no caminho do bem eram necessários.
Assim um meio elementar foi o comando para não comer do fruto da arvore
do conhecimento do bem e do mal. Esse foi um comando de obediência. Obediência
livre é o caminho para o avanço moral. Onde existe obediência
voluntária existe (a) o corte do caminho para a auto-estima, (b) respeito
e confiança para aqueles que estão acima de nós, e (c)
continência. A obediência age beneficamente sobre a mente, humilhando
o orgulho; sobre os sentimentos limitando o amor-próprio; e sobre a
vontade, dirigindo a liberdade do homem para o bem. A graça de Deus
coopera e reforça alguém nesse caminho. Esse era o caminho que
estava diante das primeiras pessoas, nossos primeiros ancestrais.
"
Deus fez o homem sem pecado e dotou-o de livre arbítrio. Por ser sem
pecado eu não quero dizer incapaz de pecar, pois só a divindade é incapaz
de pecar, mas tendo a tendência e tendo o poder de perseverar e progredir
no bem com ajuda da graça divina, assim como tendo o poder de afastar-se
na virtude e cair no vício" (São João Damasceno, «Exact
Exposition», II, 12, tradução inglesa, p. 235).
Em geral, é difícil, se não impossível para o homem
contemporâneo imaginar a verdadeira condição do homem no
Paraíso, uma condição que punha junto pureza moral, claridade
da mente, a perfeição da primeira natureza criada, proximidade
de Deus, com uma infantilidade espiritual geral. Mas de qualquer maneira deve
ser notado que as tradições de todos os povos falam precisamente
de tal condição, que os poetas chamam de "idade de ouro" da
humanidade (a tradição dos chineses, índios, persas, gregos
e outros). As grandes mentes da antiguidade pagã expressaram a certeza
que os antigos eram mais puros que os homens que vieram depois (Sócrates);
que as mais antigas tradições religiosas e suas concepções
eram mais perfeitas que as concepções posteriores, porque os
primeiros homens estavam mais perto de Deus e o conheciam como seu Criador
e Pai (Platão e Cícero).
Arcebispo Primaz Katholikos
S.B. Dom ++ Paulo Jorge de Laureano – Vieira y Saragoça
(Mar Alexander I da Hispânea)
Última actualização deste
Link em 01 de Outubro
de 2011