Catecismo Ortodoxo
Parte II
Deus Manifestado no Mundo
19 – A Oração Como Expressão
da Vida na Igreja
a - A Ligação Espiritual dos Membros da
Igreja
A Oração é a manifestação
da vida da Igreja e a ligação espiritual de seus membros com
Deus na Santíssima Trindade, e de todos com cada um outro. Ela é tão
inseparável da fé que ela pode ser chamada de atmosfera da Igreja
ou a respiração da Igreja. As Orações são
as linhas de uma fábrica viva do corpo da Igreja, e elas vão
em todas as direcções. A ligação da oração
penetra no corpo todo da Igreja, conduzindo cada parte dela para a vida comum
do corpo, animando cada parte, e ajudando cada parte, pela nutrição,
limpeza, e por outras formas de auxílio mútuo (Ef. 4, 16). Ela
une cada membro da Igreja com o Pai Celestial, os membros da Igreja terrestre
com os outros e os membros terrestres com os membros celestes. Ela não
cessa, mas cresce mais ainda e é exaltada no Reino Celeste.
Por toda a Sagrada Escritura do Novo Testamento segue o comando de oração
sem cessar: "orai sem cessar" (Tess. 5, 17); "Orando em todo
tempo com toda a oração e suplica no Espírito" (Ef.
6, 18); "E contou-lhes uma parábola sobre o dever de orar sempre,
e nunca desfalecer" (Lc. 18, 1).
O exemplo perfeito de oração pessoal foi-nos dado pelo próprio
Senhor Jesus Cristo. Ele nos deixou um exemplo de oração, "Pai
Nosso" - a Oração do Senhor. Oração é:
a - a forma da vida da Igreja; b - um instrumento ou meio de suas actividades;
c - o seu poder de vencer.
A oração é de dois tipos: pública e privada. Existe
oração que é de palavras, e em particular cantada, e existe
oração mental, isto é, oração interior,
ou a oração da mente no coração. O conteúdo
da oração é: a - louvor ou glória; b - agradecimento;
c - arrependimento; d - súplica pela misericórdia de Deus, pelo
perdão dos pecados, para a concessão de boas coisas para a alma
e para o corpo, tanto celestes quanto terrestres. Arrependimento perante Deus
muitas vezes tem a forma de conversa com a própria alma - como por exemplo,
com frequência ocorre nos cánones (não os cánones
ou regras dos Concílios, mas os cánones, usualmente compostos
de nove cânticos ou odes, que são uma parte regular dos ofícios
de matinas e Completas, e que podem serem lidos privadamente).
A oração pode ser por si ou pelos outros. A oração
por cada outro expressa o amor mutuo entre membros da Igreja. Desde que, o
amor nunca falha de acordo com a lei do amor Cristão, eles também
oram por aqueles que estão na terra, assim como pelo repouso de seus
irmãos que estão necessitados do auxilio da oração.
Finalmente, nós próprios apelamos para aqueles no céu
com a súplica para que orem por nós e por nossos irmãos.
Sobre essa ligação do celeste com o terrestre está baseada
também a preocupação dos anjos connosco e com nossas orações
para eles.
O poder da oração pelos outros é constantemente afirmado
pela palavra de Deus. O Salvador disse ao Apóstolo Pedro: "Mas
eu roguei por ti, para que tua fé não desfaleça" (Lc.
22, 32). O Santo Apóstolo Paulo frequentemente roga aos Cristãos
que orem por ele: "Porque espero que pelas vossas orações
vos hei-de ser concedido" (Filemon 1, 22). "Irmãos, rogai
por nós, para que a palavra do Senhor tenha livre curso e seja glorificada,
como também o é entre vós" (2 Tess. 3, 1). Estando
longe, o Apóstolo junta-se com os seus irmãos espirituais em
orações comuns: "E rogo-vos irmãos, por Nosso Senhor
Jesus Cristo, e pelo amor do Espírito, que combatais comigo nas vossas
orações por mim a Deus" (Rom. 15, 30). O Apóstolo
Tiago instrui: "... e orai uns pelos outros, para que sareis; a oração
feita por um justo pode muito em seus efeitos" (Tig. 5, 16). São
João, o Teólogo, viu na revelação como no céu
vinte e quatro anciãos, estando no trono de Deus, prostraram-se diante
do Cordeiro, e todos tinham harpas e salvas de ouro cheias de incenso, "que
são as orações dos mortos" (Apoc. 5, 8), isto é eles
elevaram as orações dos santos na terra para o Trono Celeste.
b - Orações Para os Mortos
"Orai uns pelos outros" (Tig. 5, 16)
"
Se vivemos ou morremos, somos do Senhor" (Rom. 14, 8)
"
O amor nunca falha" (1 Cor. 13, 8)
"
E tudo quanto pedirdes em meu nome, eu o farei, para que o Pai seja glorificado
no Filho" (Jo. 14, 13)
Em Deus todos nós estamos vivos. A vida da Igreja é penetrada
por uma consciência e um sentimento vivos de que nossos mortos continuam
a viver depois da morte, só de maneira diferente do que na terra, e
eles não são privados de uma proximidade espiritual com aqueles
que permanecem na terra.
Por isso, a ligação da oração com eles de parte
da Igreja peregrina (na terra) não cessa: "... Nem a morte, nem
a vida,... nos poderá separar do amor de Deus, que está em Cristo
Jesus, nosso Senhor" (Rom. 3, 38). Os que partiram precisam somente de
um tipo de ajuda por parte de seus irmãos: oração e petição
pela remissão de seus pecados.
Na "Igreja" do Velho Testamento também existiu o costume de
se orar pelos mortos. A respeito disso existe testemunho na história
sagrada. Assim, nos dias do pio líder dos judeus, Judas Macabeu, quando
depois de uma inspecção daqueles que tinham caído no campo
de batalha foram encontradas em suas vestes material de saque de presentes
oferecidos aos ídolos, todos os judeus "abençoaram os caminhos
do Senhor, o justo Juiz, que revela as coisas que estão ocultas; e eles
puseram a orar, suplicando que o pecado que havia sido cometido fosse totalmente
apagado". E Judas Macabeu foi ele próprio para Jerusalém
para "providenciar uma oferenda pelos pecados. E fazendo isso ele agiu
muito bem e honradamente, levando em conta a ressurreição" (2
Macabeus 12, 39-46).
Que a remissão de pecados para aqueles que pecaram não para a
morte pode ser dada tanto na vida presente quanto na vida depois da morte pode
ser concluída naturalmente das palavras do Senhor: "E, se qualquer
disser alguma palavra contra o Filho do homem, ser-lhe-á perdoado, mas
se alguém falar contra o Espírito Santo, não lhe será perdoado,
nem neste século nem no futuro" (Mt. 12, 32). Similarmente da palavra
de Deus nós sabemos que o Senhor Jesus tem "as chaves da morte
e do inferno" (Act. 1, 18); consequentemente, ele tem poder para abrir
as portas do Inferno pelas orações da Igreja e pelo poder do
propiciatório Sacrifício sem Sangue que é oferecido pelos
mortos.
Na Igreja Cristã todas as antigas liturgias, tanto do Oriente quanto
do Ocidente, testemunham a lembrança da Igreja em orações
dos mortos. Tais liturgias são conhecidas sob os nomes do Santo Apóstolo
Tiago, o irmão do Senhor, São Basílio, o Grande, São
João Crisóstomo e São Gregório, o Dialoguista.
Referências similares são encontradas nas liturgias romana, espanhola
e galesa, e finalmente nas antigas liturgias dos grupos que se separaram da
Ortodoxia: os Jacobitas, Coptas, Arménios, Etíopes, Sírios
e outros. Para todas essas liturgias não há uma única
onde não se encontre oração para os mortos. O testemunho
dos Professores e Pais da Igreja fala a mesma coisa.
A respeito do bom efeito da comunhão em nome do Senhor Jesus Cristo
entre aqueles vivendo na terra e os mortos, São Efrém o Sírio,
por exemplo, raciocina assim: "para os mortos, a lembrança feita
pelos santos durante sua vida é benéfica. Nós vemos um
exemplo disso em numerosas obras de Deus. Por exemplo, num vinhedo há o
amadurecimento das uvas no campo, e o vinho já amassado nos barris;
quando as uvas amadurecem no vinhedo, então o vinho que estava imóvel
na casa começa a espumar e se agitar, como se desejasse escapar. A mesma
coisa acontece, parece, com outra planta, a cebola; pois assim que a cebola
foi semeada no campo começa a amadurecer, a cebola que está na
casa também começa a dar brotos. E assim, se até mesmo
coisas que crescem entre si tal sentimento de companheirismo, as petições
em oração, não serão muito mais sentidas pelos
mortos? E quando sensivelmente concordar que isso ocorre de acordo com a natureza
das criaturas, imagine então que tu és a primeira das criaturas
de Deus?"
Orando pelos mortos, a Igreja intercede por eles assim como pelos vivos, não
em seu próprio nome, mas no nome do Senhor Jesus Cristo (Jo. 14, 13-14),
e pelo poder de seu Sacrifício na Cruz, que foi oferecido pela libertação
de todos, essas orações ferventes ajudam às sementes da
nova vida que os nossos que partiram levaram com eles - se essas sementes não
foram capazes de germinar suficientemente aqui na terra - a gradualmente abrirem-se
e se desenvolverem sob a influência das orações e com a
misericórdia de Deus, assim como uma boa semente é desenvolvida
na terra sob os vivificantes raios de sol, com clima favorável. Mas
nada pode reviver sementes estéreis que perderam o real princípio
da vida vegetal. Similarmente, impotentes serão as orações
pelos mortos que morreram em impiedade e sem arrependimento, que extinguiram
em si o Espírito de Cristo (1 Tess. 5, 19). É precisamente a
respeito de tais pecadores que se deve lembrar das palavras do Salvador na
parábola do homem rico e Lázaro; que não há libertação
para eles das partes mais profundas do inferno, e não há transferência
para eles para dar o seio de Abraão (Lc. 16, 26). E de facto, tais pessoas
usualmente não deixam atrás de si na terra pessoas que possam
orar sinceramente por elas a Deus; da mesma forma, elas não adquiriram
para si amigos no céu entre os santos, quando eles falham (isso é,
morrem) possam recebe-los nas moradas perenes - isso é, que possam orar
por eles (Lc. 16, 9).
Com certeza, na terra não é sabido para que lote cada um foi
sujeito depois de sua morte. Mas a oração de amor nunca pode
ser inútil. Se nossos mortos que são caros para nós foram
para o Reino dos Céus, eles respondem às orações
com uma oração de resposta para nós. E se nossas orações
forem impotentes para ajuda-los, de qualquer maneira elas não serão
nocivas para nós, de acordo com a palavra do Salmista: "Minha oração
retornará ao meu seio", e de acordo com as palavras do Salvador: "Retorne
para vós a vossa paz" (Mt. 10, 13). Mas elas são de facto
proveitosas para nós. São João Damasceno ressalta: "Se
alguém desejar ungir um doente com mirra ou outro óleo sagrado,
primeiro ele se torna um participante da unção ele próprio
e então ele próprio recebe benefício, e então oferece
ao vizinho; pois Deus não é injusto, para esquecer as obras de
acordo com a palavra do Divino Apóstolo".
c - Comunhão com os Santos
A Igreja ora por todos os que morreram na fé, e pede
perdão pelos seus pecados, pois não há homem sem pecado: "se
ele vier um único dia sobre a terra" (Jo. 14, 5 - Septuaginta). "Se
dissermos que não temos pecado, enganamo-nos a nós mesmos, e
não há verdade em nós" (1 Jo. 1, 8). Por isso, não
importa quão justo seja um homem, quando ele parte desse mundo, a Igreja
acompanha a sua partida com orações por ele ao Senhor. "Irmãos,
orai por nós", pede o Santo Apóstolo Paulo aos seus filhos
espirituais (1 Tess. 5, 25).
Ao mesmo tempo, quando a voz comum da Igreja testemunha a justiça da
pessoa que repousou, os cristãos, à parte de orar por ele, são
ensinados pelo bom exemplo de sua vida e colocando como um exemplo a ser imitado.
E quando, depois, a convicção geral da santidade da pessoa que
repousou é confirmada por testemunhos especiais, martírio, confissão
sem medo, auto-sacrifício ao serviço da Igreja, dom de cura,
e especialmente quando o Senhor confirma a santidade da pessoa que repousou
por milagres após sua morte quando ela é lembrada em orações
então a Igreja glorifica-a de modo especial. Como a Igreja pode não
glorificar aqueles que o próprio Senhor chama de Seus "amigos"? "Vós
sereis meus amigos,... tenho-vos chamado amigos" (Jo. 15, 14-15), a quem
ele recebeu em suas mansões celestiais em cumprimento das palavras: "...
para onde eu estiver estejais vós também" (Jo. 14, 3). Quando
isso acontece; cessar as orações pelo perdão dos pecados
da pessoa que partiu, e pelo seu repouso; elas dão lugar a outras formas
de comunhão com a pessoa, nomeadamente:
a - louvação de suas lutas em Cristo, "pois não se
acende a candeia e se coloca debaixo do alqueire, mas no selador, e da luz
em todos que estão na casa" (Mt. 5, 15);
b - petições à pessoa para que ela ore por nós,
pela remissão dos nossos pecados, e pelo nosso avanço moral,
e que ela possa nos ajudar em nossas necessidades espirituais e em nossas aflições.
É
dito: "Bem-aventurados os mortos que desde agora morrem no Senhor" (Apoc.
14, 13) e na verdade nós os bendizemos.
É
dito: "E Eu dei-lhes a glória que a Mim me deste (o Pai)" (Jo.
17, 22), e nós na verdade damos essa glória à pessoa,
de acordo com o comando do Salvador.
Da mesma forma o Salvador disse: "Quem recebe um profeta em qualidade
de profeta, receberá galardão de justo" (Mt. 10, 41). "Porque,
qualquer que fizer a vontade de meu Pai, que está nos céus, este é meu
irmão, e irmã e mãe" (Mt. 12, 50). Portanto, nós
devemos receber um justo como um justo. Se ele é irmão do Senhor,
então ele deve ser o mesmo para nós também. Os santos
são nossos irmãos espirituais, irmãs, mães e pais,
e nosso amor por eles é expresso pela comunhão em oração
com eles.
O Apóstolo João escreveu para seus companheiros cristãos: "O
que vimos e ouvimos isso vos anunciamos, para que também tenhais comunhão
connosco; e a nossa comunhão é com o Pai, e com seu Filho Jesus
Cristo" (1 Jo. 1, 3). E na igreja essa comunhão com os Apóstolos
não é interrompida; ela continua com eles no outro reino da existência
deles, o reino celeste.
A proximidade dos santos ao Trono do Cordeiro e a elevação por
eles de orações pela Igreja na terra é descrito no livro
da Revelação (Apocalipse) de São João, o Teólogo: "E
olhei, e ouvi a voz de muitos anjos ao redor do trono, e dos animais e dos
anciãos; e era o número deles milhões de milhões
e milhares de milhares", que louvavam o Senhor (Apoc. 5, 11).
A comunhão em oração com os santos é a realização
em factos reais da ligação entre os cristãos na terra
e a Igreja Celeste na qual o Apóstolo fala: "Mas chegastes ao monte
de Sião, e à cidade do Deus vivo, à Jerusalém Celestial
e aos muitos milhares de anjos; à universal assembleia e igreja dos
primogénitos que estão inscritos nos céus, e à Deus
o juiz de todos, e aos espíritos dos justos aperfeiçoados" (Heb.
12, 22-23).
A Sagrada Escritura apresenta numerosos exemplos do facto que, enquanto ainda
vivendo na terra, o justo pode ver e ouvir e conhecer muito do que é inacessível
ao entendimento comum. Muito mais esses dons estão presentes com eles
quando eles dispensaram a carne e estão no céu. O Santo Apóstolo
Pedro viu no coração de Ananias, de acordo com o livro dos Actos
(At. 5, 3). A Eliseu foi revelado o acto sem lei do servo Geazi (2 Reis 4),
e o que é ainda mais notável, para ele foi revelada as intenções
secretas da corte Síria, que ele então comunicou ao Rei de Israel
(2 Reis 6, 12). Quando ainda na terra, os santos penetram em espírito
mundo acima; e alguns deles vêem coros de anjos, a outros é concedido
contemplar a imagem de Deus (Isaias e Ezequiel), e ainda outros são
exaltados para o terceiro céu e lá ouvem palavras místicas
e impronunciáveis. Ainda mais quando eles estão no céu
e são capazes de saber o que está a acontecendo na terra e de
ouvir aqueles que apelam a eles porque os santos no céu são iguais
aos anjos (Lc. 20, 36).
Da parábola do Senhor sobre o homem rico e Lázaro (Lc. 16, 19-31)
ficamos sabendo que Abraão, estando no céu, podia ouvir o grito
do homem rico que estava sofrendo no inferno, apesar do "grande abismo" que
os separava. As palavras de Abraão sobre os irmãos do homem rico: "Tem
Moisés e os profetas; ouçam-nos" (Lc. 16, 29) claramente
indicam que Abraão conhece a vida do povo hebreu que ocorreu depois
de sua morte; ele sabe de Moisés e da lei, dos profetas e seus escritos.
A visão espiritual das almas dos justos no céu, sem nenhuma dúvida, é maior
do que a visão era na terra. O Apóstolo escreve: "porque
agora temos por espelho em enigma, mas então veremos face a face; agora
conheço em parte, mas então conhecerei como também sou
conhecido" (1 Cor. 13, 12).
A Santa Igreja sempre manteve o ensinamento da invocação dos
santos estando totalmente convencida que eles intercederam por nós perante
Deus no céu. Isso nós vemos nas antigas Liturgias. Na Liturgia
do Santo Apóstolo Tiago é dito: "Especialmente nós
fazemos memória da Santa, Gloriosa e Sempre Virgem, a abençoada «Theotokos».
Lembra-te dela, Ó Senhor, e pelas santas orações delas,
preserva-nos e tem piedade de nós". São Cirilo de Jerusalém,
explicando a Liturgia na Igreja de Jerusalém, destaca: "Então
nós também comemoramos (oferecendo o Sacrifício sem Sangue)
aqueles que partiram previamente: antes de todos, patriarcas, profetas, apóstolos,
mártires para que por suas orações e intercessão
de Deus venha a receber nossas petições".
Numerosos os testemunhos dos Professores e Padres da Igreja, especialmente
do quarto século em diante, a respeito da veneração pela
Igreja dos Santos. Mas já no começo do segundo século
existe indicações directas na antiga literatura Cristã a
respeito da fé, da oração dos santos no céu por
seus irmãos na terra. Os testemunhos da morte por martírio de
São Inácio, o Teóforo (no começo do século
II) dizem: "Tenho retornado à casa com lágrimas, nós
tivemos a vigília de toda a noite... então, depois de dormir
um pouco alguns de nós de repente vimos o abençoado Inácio
em frente a nós e nos abraçando, e outros igualmente o viram
orando por nós". Relatos similares, mencionando as orações
e intercessão por nós dos mártires, são encontrados
em outros relatos da época da perseguição contra os Cristãos.
d - O lado exterior da Oração
A Oração é o oferecimento da mente e
do coração para Deus. No entanto, enquanto vivemos no corpo sobre
a terra, nossa oração naturalmente é expressa em várias
formas exteriores: inclinações e prostrações, o
Sinal da Cruz, a elevação das mãos, o uso de vários
objectos nos ofícios Divinos, e todas as acções exteriores
dos Divinos Serviços dos Cristãos Ortodoxos.
A adoração Cristã de Deus, em seu estado mais elevado, é adoração "em
espírito e em verdade" (Jo. 4, 23-24). Os Serviços Divinos
Cristãos são incomparavelmente mais exaltados que os do Velho
Testamento. Apesar dos ofícios do Velho Testamento terem sido instituídos
de acordo com o comando do próprio Deus (Ex. 25, 40), ainda assim eles
serviriam só como "exemplo e sombra das coisas celestiais" (Heb.
8, 5). Eles foram terminados porque estavam "decaídos e envelhecidos" e "perto
de se acabarem" (Heb. 8, 13) com a instituição do Novo Testamento,
que foi santificado pelo preciosíssimo Sangue do Senhor Jesus Cristo.
Os Ofícios Divinos do Novo Testamento consistem não em constantes
sacrifícios de bezerros e carneiros, mas em oração de
louvor, agradecimento e petição, no oferecimento do Sacrifício
sem Sangue do Corpo e Sangue de Cristo, e na concessão de graça
dos Santos Mistérios.
No entanto, a oração cristã tem também várias
acções exteriores. O próprio Senhor Jesus Cristo não
evitou as manifestações exteriores de oração e
das acções de sacrifício: ele dobrou os joelhos, caiu
sobre sua face e orou; ele levantou as suas mãos e abençoou:
ele soprou e disse aos seus discípulos: "Paz esteja convosco".
Ele usou acções exteriores quando curado; ele visitou o Templo
em Jerusalém e chamou-o "a casa do Meu Pai". "A Minha
casa será chamada de casa de oração" (Mt. 21, 13).
Os Apóstolos também fizeram todas essas coisas.
A adoração espiritual deve ser acompanhada por adoração
corporal, como resultado da íntima ligação e mútua
influência do corpo e da alma. "Ou não sabeis que o nosso
corpo é o templo do Espírito Santo, que habita em vós,
proveniente de Deus, e que não sois de vós mesmos? Porque fostes
comprados por bom preço, glorificai pois a Deus no vosso corpo, e no
vosso espírito, os quais pertencem a Deus" (1 Cor. 6, 19-20).
Um cristão é chamado a glorificar a Deus não só com
a sua alma e o seu corpo, mas com tudo o que o cerca ele deve também
dirigir para a glorificação do Senhor: "Portanto, quer comais
quer bebais, ou façais qualquer outra coisa, fazei tudo para a glória
de Deus" (1 Cor. 10, 31). Deve-se santificar por oração
não só a si próprio mas também tudo aquilo que
se faz uso: "Porque toda criatura de Deus é boa e não há nada
que rejeitar sendo recebido com acções de graça. Pois
pela palavra de Deus e pela oração é santificada" (1
Tim. 4, 45). O cristão é chamado conscientemente a ajudar até o
fim tudo que o cerca, para que em suas mãos e em sua consciência
possa ser realizado o chamado do salmo: "Que tudo o que respira e toda
criatura louve o Senhor". Isso é feito pelos Divinos Ofícios
Cristãos Ortodoxos, tomados em sua totalidade.
e - A veneração dos ícones
Uma das formas exteriores da adoração de Deus
e veneração dos santos é o uso de imagens sagradas e o
respeito demonstrado por elas.
Entre os vários dons do homem que o distingue de outras criaturas é o
dom da arte ou das pinturas em linhas e cores. Esse é um dom nobre e
elevado, e é digno de ser usado para glorificar Deus. Com todos os meios
puros e elevados disponíveis para nós, devemos glorificar a Deus
de acordo com o chamado do Salmista: "Bendiz, ó minha alma ao Senhor
e tudo o que há em mim bendiga o seu santo nome" (Sal. 103, 1). "Tudo
que há em mim" refere-se a todas as capacidades da alma. E verdadeiramente,
a capacidade de arte é um dom de Deus. Antigamente, antes de Moisés: "...Eis
que o Senhor tem chamado por nome a Bezaleel, o filho de Uri, filho de Hur,
da tribo de Judá. E o Espírito de Deus encheu-o de sabedoria,
entendimento e ciência em todo o artifício. E para inventar invenções,
para trabalhar em ouro e prata, e em cobre, e em artifício de pedras
para engastar, e em artifício de madeira, para trabalhar em toda a obra
esmerada também lhe tem disposto o coração para ensinar
a outros... Encheu-os de sabedoria de coração, para fazer toda
a obra de mestre... e a do bordador... e a do tecelão..." (Ex.
35, 30-35).
Os objectos materiais feitos pelo habilidoso trabalho dos artistas para o tabernáculo
de Moisés, assim como subsequentemente para o Templo de Salomão,
eram todos sagrados. No entanto, enquanto alguns deles serviam mais como adornos
sagrados, outros eram especialmente reverenciados e tornaram-se lugares excepcionais
da glória de Deus. Por exemplo, existia a "Arca de Deus",
e o simples toque nela sem reverência especial podia causar a morte (2
Sam. 6-7 - o incidente com Uza no tempo da transparência da Arca por
David, quando Uza foi ferido de morte porque tocou na Arca com sua mão).
Existiam também os "Querubins de Glória" sobre a Arca,
no meio dos quais Deus dignou-se revelar e dar os seus comandos a Moisés. "E
ali virei a ti, e falarei contigo de cima do propiciatório, do meio
de dois querubins (que estão sobre a arca do testemunho), tudo que eu
te ordenar para os filhos de Israel" (Ex. 25, 22). Essas foram "a
imagem visível do Deus Invisível" (na exposição
do Metropolita Macarius em sua «Orthodox Dogmatic Theology»).
Entre as numerosas pinturas nas paredes e cortinas do Templo do Velho Testamento,
não haviam pinturas dos justos que haviam partido, como existem nas
Igrejas Cristãs. Não existiam porque os justos estavam esperando
a sua libertação, esperando serem tirados do inferno; isso foi
feito pela descida ao inferno; isso foi feito pela descida e a Ressurreição
de Cristo. De acordo com o Apóstolo: "...para que eles sem nós
não fossem aperfeiçoados" (Heb. 11, 40); eles foram glorificados
como santos só no Novo Testamento.
Se na Sagrada Escritura há proibições contra a erecção
de ídolos e a adoração deles, não se pode transferir
essas proibições para os ícones. Ídolos são
as imagens de falsos deuses, e a adoração deles era a adoração
de demónios; ou ainda de seres imaginários que não tem
existência; e assim, em essência, é a adoração
do material dos objectos sem vida - madeira, ouro ou pedra. Mas a Sagrada Escritura
instrui estritamente a pormos diferença entre santo e o profano, entre
o limpo e o imundo (Levitico 10, 10). Aquele que é incapaz de ver a
diferença entre imagens sagradas e ídolos blasfemos e profana
os ícones, comete sacrilégio e está sujeito á condenação
da Sagrada Escritura, que previne: "Tu, que abominais os ídolos,
cometes sacrilégios" (Rom. 2, 22).
As descobertas da arqueologia eclesiástica mostram que na antiga Igreja
Cristã existiram imagens nas catacumbas e em outros lugares de assembleia
para oração, e subsequentemente em Igrejas Cristãs. Se
em certos casos escritores Cristãos expressaram-se contra a existência
de estátuas e imagens similares, eles tinham em mente a adoração
pagã (o Concílio de Elvira na Espanha, 305). Às vezes,
no entanto, tais expressões e proibições eram evocadas
pelas condições especiais do tempo - por exemplo, a necessidade
de esconder coisas santas dos perseguidores pagãos e das massas não-Cristãs
que tinham uma atitude hostil para com o Cristianismo.
É
natural supor que nos primeiros tempos da história do Cristianismo,
a primeira necessidade era que o povo fosse afastado da adoração
pagã dos ídolos, e só depois poderia ser trazido para
a realidade a ideia da plenitude das formas de glorificar Deus e seus santos;
e entre essas formas há lugar para a glorificação em cores,
nas imagens sagradas.
O Sétimo Concílio Ecuménico expressa o dogma da veneração
dos ícones sagrados com as seguintes palavras: "Por consequência
nós definimos toda certeza e acurácia que assim como a figura
da preciosa e vivificante Cruz, também as veneráveis e santas
imagens... deveriam ser colocadas nas igrejas de Deus (para veneração)...
pois quanto mais frequentemente elas são vistas em representação
artística (isto é, o Senhor Jesus Cristo, a «Theotokos»,
os anjos e santos que são pintados nos ícones), tanto mais prontamente
os homens são elevados à memória dos protótipos,
e por um desejo por eles. E para essas imagens deve ser dado saudação
e honorável reverência (em grego: «timitiki proskynisis»),
mas não aquela verdadeira adoração de fé (grego «latreia»)
que pertence somente à natureza divina; mas para as imagens... incenso
e luzes devem ser oferecidos... Pois a honra que é dada às imagens
passa para o que a imagem representa" («Seven Ecumenical Councils»,
p. 550, Eerdmans). (Essa distinção entre a "adoração
de Deus" e a "reverência" ou "veneração" pelos ícones
foi colocada primeiro por São João Damasceno em seus tratados
sobre os ícones. Ver seu «On the Divine Images», tradução
por David Andersen, St Vladimir Seminary Press, Crestwood, N.Y., 1980. p. 82-88
e introdução p. 10-11).
Nada é dito nos cánones ortodoxos a respeito de veneração
de estátuas, como as que vieram a ser usadas na arte religiosa do ocidente
na Idade Média e séculos posteriores. No entanto, a tradição
virtualmente universal da Igreja Ortodoxa tanto do Oriente quanto do ocidente
nos primeiros séculos, e da Igreja Oriental nos últimos séculos,
tem sido permitir como arte religiosa pinturas bidimensionais e baixo-relevo,
mas não estátuas ao redor. A razão para isto parece estar
no realismo que é inevitável nas obras tridimensionais, tornando-as
adequadas para representar as coisas desse mundo terrestre (por exemplo, as
estátuas do imperador), mas não aquelas do mundo celeste nas
quais nosso pensamento e realismo terrestre não pode penetrar. Ícones
bidimensionais, de outro lado, são como "janelas para o céu" que
são muito mais capazes de elevar a mente e o coração para
realidades celestes).
f - A veneração das santas relíquias
Dando veneração aos Santos de Deus que partiram
com as suas almas para o céu, a Santa Igreja ao mesmo tempo honra as
relíquias ou corpos dos santos de Deus que permanecem na terra.
No Velho Testamento não havia a veneração dos corpos dos
justos, pois os justos estavam ainda esperando a sua libertação.
Então também a carne (dos mortos) era considerada impura.
No Novo Testamento após a Encarnação do Salvador, houve
uma elevação não só do conceito do homem em Cristo,
mas também do conceito do corpo como morada do Espírito Santo.
O próprio Senhor, o Verbo de Deus, encarnou e tomou sobre si um corpo
humano. Os cristãos são chamados para isso: que não só suas
almas mas também seus corpos, santificados pelo Santo Baptismo, santificados
pela recepção do Puríssimo Corpo e Sangue de Cristo, possam
tornar-se verdadeiros templos do Espírito Santo. "Não sabeis
que o nosso corpo é o templo do Espírito Santo, que habita em
vós?" (1 Cor. 6, 19). E por isso os corpos dos cristãos
que viveram uma vida justa ou tornaram-se santos pelo recebimento de uma morte
em martírio, são dignos de especial veneração e
honra.
A santa igreja em todos os tempos, seguindo a Sagrada Tradição,
mostrou honra às santas relíquias. Essa honra tem sido expressa:
a - pela reverente colecta e preservação dos remanescentes dos
santos de Deus, como é sabido pelos relatos desde o segundo século,
e a seguir pelos testemunhos dos tempos posteriores;
b - na solene descoberta e translação de santas relíquias;
c - nas construção sobre elas de igreja e altares;
d - no estabelecimento de festas em memória de suas descobertas e transladações;
e - na peregrinação para santos túmulos, e na decoração
deles;
f) na regra constante da Igreja de colocar relíquias de santos mártires
na dedicação de altares, ou de colocar relíquias no santo «antimension» sobre
o qual é realizada a Divina Liturgia.
Essa honra inteiramente natural dada ás santas relíquias e a
outros remanescentes dos santos de Deus tem uma firme fundamentação
no facto que Deus dignou-se a honrá-las e glorifica-las por inumeráveis
sinais e milagres - algo para o que existe testemunho através do complexo
da historia da Igreja. Mesmo no Velho Testamento, quando santos não
eram venerados com uma glorificação especial depois da morte,
houveram sinais produzidos pelos corpos dos justos. Assim, o corpo de um certo
homem morto, depois de ter tocado ossos do Profeta Eliseu em seu túmulo,
imediatamente voltou à vida, e o homem morto se pôs sobre seus
pés (2 Reis 13, 21). O corpo do Profeta Elias foi elevado vivo para
o céu, e seu manto, que foi deixado por ele para Eliseu, dividiu por
seu toque (do manto) as águas do Jordão para o cruzamento do
Rio, por Eliseu.
Olhando-se no Velho Testamento, nós lemos nos Actos dos Apóstolos
que lenços e aventais do corpo do Apóstolo Paulo eram colocados
sobre os doentes, e as doenças eram curadas, e espíritos malignos
saíam deles (Act. 19, 12). Os Santos Padres e professores da Igreja
têm testemunhado diante de seus ouvintes e leitores os milagres ocorridos
pelos remanescentes dos santos, e com frequência eles têm chamado
seus contemporâneos a serem testemunhas da verdade de suas palavras.
Por exemplo, Santo Ambrósio diz em sua homilia na descoberta das relíquias
de Santos Gervário e Protásio: "Vós conhecestes e
até mesmo vistes muitos que foram libertados dos demónios e mais
ainda aqueles que não logo tocaram as vestes dos santos que com suas
mãos e foram imediatamente curados de suas doenças. Os milagres
da antiguidade foram renovados desde o tempo quando através da vinda
do Senhor Jesus, foi derramada sobre a abundante graça! Vós vistes
muitos que foram curados como se fosse pela sombra dos santos. Quantas roupas
foram passadas de mão em mão! Quantas vestes, deixadas sobre
os remanescentes sagrados, e que pelo mero toque tornaram-se fonte de cura,
que os que crêem pedem de cada outro! Todos tentam no mínimo um
pouco tocar (as vestes), e o que toca fica curado". Testemunhos similares
podem ser lidos em São Gregório, o Teólogo, São
Efrém, o Sírio, São João Crisóstomo, Bem-aventurado
Santo Agostinho e outros.
Já no início do segundo século já informações
sobre a honra dada pelos cristãos aos remanescestes dos santos. Assim,
depois de descrever a morte por martírio de Santo Inácio Teóforo,
Bispo de Alexandria, uma pessoa que testemunhou essa morte afirmou que "O
que restou de seu corpo (que foi feito em pedaços pelas bestas no circo),
só as partes mais firmes foram pegas e levadas para Antioquia e colocadas
em linho como um inestimável tesouro da graça que habita no mártir,
um tesouro deixado para a Santa Igreja". Os residentes das cidades, começando
por Roma, receberam esses remanescentes em sucessão naquele; e carregaram-nos
nos ombros, como São João Crisóstomo mais tarde testemunhou: "para
a cidade de Antioquia, louvando o vitorioso coroado e glorificando o lutador".
Da mesma forma, depois na morte por martírio de São Policarpo
como um tesouro mais precioso que pedras preciosas e mais puro que ouro, e
os colocaram "... para a celebração do dia de seu nascimento
por martírio, e para a instrução e confirmação
dos futuros cristãos".
Os remanescentes dos santos (em grego «ta leipsana», em latim «reliquiae»,
ambos significando o que foi "deixado") são reverenciados
estejam ou não incorruptos pelo respeito pela vida santa ou pela morte
por martírio do santo, mais ainda quando há evidentes e confirmados
sinais de cura pelas orações aos santos pela intercessão
deles diante de Deus. Os Concílios da Igreja muitas vezes (por exemplo,
o Concílio de Moscovo de 1667) proibiram o reconhecimento dos que passaram
como santos, pela simples incorruptibilidade de seus corpos. Mas com certeza
a incorruptibilidade dos corpos dos justos é aceite como um dos sinais
Divinos de sua santidade. (Pode-se dizer que a incorruptibilidade de corpo
de um morto não é garantia de santidade: podem ser dados exemplos
de «swamis» orientais cujos corpos estavam incorruptos muitos tempos
depois da morte (seja por meios naturais relacionados às suas vidas
ascéticas, ou por uma imitação demoníaca) e do
corpo de alguns grande santos Ortodoxos (por exemplo, São Serafim de
Sarov, São Herman do Alasca) restaram só ossos. As relíquias
de São Nectário de Pentápolis (morto em 1920) ficaram
incorruptos por muitos anos, e então rapidamente decaíram - no
solo - deixando só ossos perfumados).
Notemos aqui que a palavra eslava «moschi»: "relíquias" refere-se
não só aos corpos dos santos: no eslavo da Igreja essa palavra
significa em geral os corpos que repousam assim no Rito de Sepultamento no «Book
of Needs», nós lemos: "e pegando as relíquias do que
repousou, nós saímos da Igreja", etc... A antiga palavra
eslava «moschi» (da raiz mog) é aparentemente da família
da palavra mogila, "túmulo". Reverenciando as santas relíquias,
nós não acreditaríamos na força ou poder dos remanescentes
nos santos, mas sim ma intercessão por oração dos santos
cujas relíquias diante de nós levantam em nossos corações
um sentimento de proximidade dos próprios santos de Deus, que uma vez
usaram esses corpos.
g - A cruz de Cristo: O caminho e poder da Igreja
O ensinamento dogmático da Igreja tem a mais íntima
conexão com a completa ordem moral da vida Cristã; ele dá a
ela uma verdadeira direcção. Qualquer tipo de afastamento das
verdades dogmáticas conduz a um entendimento incorrecto da obrigação
moral do cristão. A fé demanda uma vida que corresponda à fé.
O Salvador definiu a obrigação moral do homem simplesmente em
dois mandamentos da lei: o mandamento de amar a Deus de todo o coração,
alma e mente e o entendimento; e o mandamento de amar ao próximo como
a si mesmo. Mas ao mesmo tempo o Salvador ensinou que o autêntico atendimento
desses dois mandamentos é impossível sem algum grau de auto-renúncia,
auto-sacrifício, ele exige luta (A palavra russa «podvig» mais
comumente significa "luta"; mas às vezes deve ser traduzida
como ascetismo ou "feito ascético").
E onde o fiel encontra força para lutar? Ele recebe força pela
comunhão com Cristo, pelo amor por Cristo que o inspira a seguir atrás
dele. Essa luta de seguir Cristo, ele próprio chamou de Seu "jugo".
Tomai sobre vós o meu jugo... Porque meu jugo é leve e o meu
fardo suave" (Mt. 11, 29-30). Ele chamou também de cruz. Bem antes
do dia de sua crucificação, o Senhor ensinou: "Se alguém
quiser vir após mim renuncie-se a si mesmo, tome sobre si a sua cruz
e siga-me" (Mt. 16, 24). "E quem não toma a sua cruz, e não
segue após mim, não é digno de mim" (Mt. 10, 38).
O caminho Ortodoxo do cristão foi tomado pelo seu Apóstolo: "Já estou
crucificado com Cristo" escreve o Apóstolo Paulo (Gal. 2, 20). "Longe
esteja de mim gloriar-me, a não ser na cruz de Nosso Senhor Jesus Cristo,
pelo qual o mundo está crucificado para mim e eu para o mundo" (Gal.
6, 14). Seguindo o caminho de Cristo, os Apóstolos terminaram a luta
de suas vidas com uma morte por martírio.
Todos os fiéis são chamados a lutar de acordo com suas forças: "E
os que são de Cristo crucificaram a carne com suas paixões e
concupiscência" (Gal. 5, 24). A vida moral não pode existir
sem batalha interior, sem auto-restrição. O Apóstolo escreve: "Porque
muitos há dos quais muitas vezes vos disse, e agora também digo
chorando, que são inimigos da cruz de Cristo, cujo fim é a perdição;
cujo Deus é o ventre e cuja glória é para a confusão
deles, que só pensam nas coisas terrenas" (Fil. 3, 18-19).
A história toda da Igreja tem sido de lutas: primeiro os sofrimentos
dos mártires na primeira época do cristianismo; depois os trabalhos
auto-sacrificiais dos pilares da igreja, os hierarcas; e então as lutas
ascética pessoais, conquistas espirituais na batalha com a carne, de
parte dos moradores nos desertos e outros lutadores - "anjos terrenos
e homens celestes", os justos que viveram no mundo sem serem maculados
pelo mundo. E assim até agora o cristianismo é adornado com confessores
e mártires pela fé em Cristo. E a Santa Igreja sustêm nos
fiéis essa obrigação de auto-restrição e
limpeza espiritual por meios de instruções e exemplos do Evangelho
e de toda Sagrada Escritura, pelos exemplos dos santos pelas regras do «tipicon» da
Igreja, jejuns e apelos do arrependimento.
Tal é a porção que cabe não só a cada cristão
separado mas da própria Igreja como um todo: ser perseguido pela Cruz
de Cristo, como foram mostradas nas visões do Santo Apóstolo
João, o Teólogo, no Apocalipse. A Igreja em muitos períodos
de sua história suportou tristezas e perseguições totalmente
abertas e a morte por martírio de seus melhores servos - que um padre
contemporâneo e escritor da Igreja chamou de "colheita de Deus" -
enquanto em outros períodos, mesmo em períodos de prosperidade
exterior, ela enfrentou tristezas por inimigos internos; pela maneira indigna
da vida de seus membros em particular das pessoas que estavam designadas para
servi-la.
Assim é definido o dogma na Cruz. A cruz é o caminho do cristão
e da Igreja.
Ao mesmo tempo é também o poder da Igreja. Olhando com olhos
mentais "para Jesus, Autor e Consumador de nossa Fé" (Heb.
12, 2), o cristão encontra força espiritual na consciência
que depois da morte do Senhor na Cruz seguiu-se à Ressurreição;
que pela Cruz o mundo foi conquistado; que se nós morrermos com o Senhor
nós reinaremos com ele, e rejubilaremos e triunfaremos na manifestação
de sua glória (1 Ped. 4, 13).
A cruz finalmente é o estandarte da Igreja. Do dia quando o Salvador
carregou a Cruz em seus ombros para o Gólgota e foi crucificado na Cruz
material a Cruz tornou-se o sinal visível e estandarte do cristianismo,
da Igreja, e de todos que acreditam em Cristo.
Nem todo mundo que pertence ao cristianismo "em geral" tem tal entendimento
do Evangelho. Certas grandes sociedades cristãs negam a Cruz como estandarte
visível, considerando que ela permaneceu o que ela era, um instrumento
de "censura". O Apóstolo Paulo já preveniu contra tal "ofensa à Cruz" (Gal.
5, 11): "... para que a Cruz de Cristo não se faça vã.
Porque a palavra da Cruz é loucura para os que perecem; mas para nós
que somos salvos, é o poder de Deus" (1 Cor. 1, 17-18). Ele exortou
os homens a não se envergonharem da Cruz como se ela fosse um sinal
de censura: "Saiamos pois a ele fora do arraial, levando o seu vitupério
(insulto)" (Heb. 13, 13-14). Pois a ofensa da Cruz conduziu à Ressurreição
em glória, e a Cruz tornou-se o implemento da salvação
e o caminho da glória.
Tendo sempre diante de si a imagem da Cruz, fazendo o Sinal da Cruz, o cristão
antes de tudo traz para sua mente que ele é chamado para seguir os passos
de Cristo, carregando em nome de Cristo tristezas e privações
por sua fé. Depois, ele é reforçado pelo poder da Cruz
de Cristo para batalhar contra o mal em si próprio e no mundo. E então
ele confessa que espera a manifestação da glória de Cristo,
a segunda vinda do Senhor, que será precedida pela manifestação
no céu do sinal do Filho do Homem, de acordo com as palavras divinas
do próprio Senhor (Mt. 24, 30). Esse sinal de acordo com o entendimento
unânime dos Padres da Igreja, será uma magnífica manifestação
da Cruz no céu.
O sinal que colocamos em nós ou desejamos em nós pelo movimento
da mão em silêncio ao mesmo tempo é como se falasse alto,
porque que é uma confissão aberta da nossa fé.
Assim, com a Cruz é firmada toda grandeza de nossa redenção,
que nos lembra da necessidade de luta pessoal para o cristão. Na representação
da Cruz, mesmo em seu nome, está resumida a história completa
do Evangelho, e também a história do martírio e a confissão
do cristianismo em todos os tempos.
Reflectindo profundamente sobre a riqueza de pensamentos ligados com a Cruz,
os hinos da Igreja louvavam o poder da Cruz: "Ó invencível,
incompreensível e divino poder da preciosa e vivificante Cruz, não
esqueça de nós pecadores".
Arcebispo Primaz Katholikos
S.B. Dom ++ Paulo Jorge de Laureano – Vieira y Saragoça
(Mar Alexander I da Hispânea)
Última actualização deste
Link em 01 de Outubro
de 2011