São Paulo
(Paulo de Tarso)
De São Paulo mesmo sabemos que nasceu em Tarso, em Silícia (Actos, XXI, 39), de um pai que era cidadão romano (Actos, XXII, 26-28; cf. XVI, 37), no seio de uma família na qual a piedade era hereditária (II Tim., I, 3) e muito ligada às tradições e observâncias farisaicas (Fil., III, 5-6). São Jerónimo nos diz, não se sabe com que razões, que seus pais eram nativos de Gischala, uma pequena cidade da Galileia e que o levaram a Tarso quando Gischala foi tomada pelos romanos ("De vir. ILL.", v; "In epist. ad Fil.", 23). Este último detalhe é certamente um anacronismo mas as origens galileias da família não são em absoluto improváveis. Dado que pertencia à tribo de Benjamin, lhe deram o nome de Saul (ou Saulo) que era comum nesta tribo em memória do primeiro rei dos judeus. (Fil., III, 5). Enquanto cidadão romano também levava o nome latino Paulo. Para os judeus daquele tempo era bastante usual ter dois nomes, um hebreu e outro latino ou grego entre os quais existia com frequência uma certa consonância e que justapunham no modo usado por São Lucas (Actos, XIII, 9: Saulos ho kai Paulos). Ver neste ponto Deissmann, "Bible Studies" (Edinburgh, 1903, 313-17.) Foi natural que, ao inaugurar seu apostolado entre os gentios, Paulo usasse seu nome romano, especialmente porque o nome de Saulo tinha um significado vergonhoso em grego. Posto que todo judeu que se respeitasse havia de ensinar a seu filho um ofício, o jovem Saulo aprendeu a fazer tendas de lona (Actos, XVIII, 3) ou melhor dito a fazer a lona das tendas (cf. Lewin, "Life of St. Paul", I, London, 1874, 8-9). Era ainda muito jovem quando foi enviado a Jerusalém para receber uma boa educação na escola de Gamaliel (Actos, XXII, 3). Parte de sua família residia provavelmente na cidade santa visto que mais tarde se faria menção de uma irmã cujo filho lhe salvaria a vida (Actos, XXIII, 16). A partir deste momento resulta impossível seguir sua pista até que tomou parte no martírio de Santo Estêvão (Actos, VII, 58-60; XXII, 20). Nesse momento o qualificam de "jovem" (neanias), mas esta era uma apelação elástica que poderia aplicar-se a qualquer entre vinte e quarenta anos. Lemos nos actos dos apóstolos três relatos da conversão de São Paulo. (IX, 1-19; XXII, 3-21; XXVI, 9-23) que apresentam ligeiras diferenças que não são difíceis de harmonizar e que não afectam nada a base do relato, perfeitamente idêntica em substância. Verse J. Massie, "The Conversion of St. Paul" em "The Expositor", 3ª série, X, 1889, 241-62. Sabatier de acordo com os críticos mais independentes disse (L'Apotre Paul, 1896, 42): "Estas diferenças não podem em absoluto alterar o facto, o objecto narrado é extremamente remoto não tratam nem sequer das circunstâncias que rodearam o milagre mas sim com as impressões subjectivas que os companheiros de São Paulo receberam nessas circunstâncias…". Utilizar essas diferenças para negar o carácter histórico do facto é fazer violência ao texto adoptando uma atitude arbitrária. Todos os esforços feitos para explicar a conversão de São Paulo sem recorrer ao milagre fracassaram. As explicações naturalísticas se reduzem a duas: ou São Paulo creu verdadeiramente ver a Cristo enquanto sofria uma alucinação ou creu vê-lo somente através de uma visão espiritual que a tradição, recolhida nos Actos dos Apóstolos, converteu logo em visão material. Renan explica tudo por uma alucinação devida à doença, e causada por uma combinação de causas morais como a dúvida, o remorso, o temor, e algumas causas físicas como a oftalmía, a fadiga, a febre, a transição rápida do deserto tórrido para os jardins frescos de Damasco, quem sabe em meio a uma tormenta repentina acompanhada de raios e relâmpagos. Esta combinação múltipla teria produzido, segundo Renan, uma comoção cerebral com fase de delírio que São Paulo tomou de boa fé como aparição de Cristo. Os outros partidários da explicação natural evitam a palavra alucinação mas caem, cedo ou tarde, na explicação de Renan a qual fazem mais complicada. Por exemplo Holsten, para o qual a visão de Cristo é simplesmente a conclusão de uma série de silogismos pelos quais Paulo se persuadiu a si mesmo de que Cristo havia verdadeiramente ressuscitado. Também Pfleiderer, para quem a imaginação desempenha um papel mais importante: "Um temperamento nervoso, alterável; uma alma violentamente agitada pelas mais terríveis dúvidas; uma fantasia do mais vívido, cheia das terríveis cenas de perseguição por um lado, e por otro com a imagem ideal do Cristo celeste; a proximidade de Damasco que implicava a urgência da decisão, a intransigência que leva à solidão, o calor cegante e dolorosíssimo do deserto. De facto, tudo isso combinado, produziu um estado de êxtase no qual a alma pensa ver as imagens e os conceitos que violentamente a agitam como se fossem fenómenos do mundo externo" (Lectures on the influence of the Apostle Paul on the development of Christianity, 1897, 43). Citamos Pfleiderer palavra por palavra porque sua explicação "psicológica" se considera a melhor que já se desenvolveu E no entanto, se vê facilmente que é insuficiente e inclusive totalmente contraditória com o o documento escrito dos Actos como com o próprio testemunho expresso de São Paulo. (1) Paulo está seguro de ter "visto" a Cristo como o fizeram outros apóstolos (I Cor., xi, 1); ele mesmo declara que Cristo lhe "apareceu" (I Cor., XV, 8) como a Pedro, Tiago ou aos doze depois da sua ressurreição. (2) Ele sabe bem que sua conversão não é fruto de nenhum raciocínio humano, mas de uma mudança imprevista, repentina e radical devido à graça omnipotente (Gal., I, 12-15; I Cor., XV, 10). (3) É falso atribuir dúvidas, perplexidades ou remordimentos antes de sua conversão. Paulo foi detido por Cristo quando sua fúria alcançava o mais alto estágio (Actos, IX, 1-2); perseguia à Igreja "com ciúme" (Fil., III, 6), e foi merecedor da graça porque actuou com "ignorância em sua crença de boa fé" (I Tim., I, 13). Todas as explicações sociológicas ou não, carecem de valor ante estas afirmações, já que todos supõem que a causa de sua conversão foi sua fé em Cristo enquanto que, segundo os testemunhos concordantes dos Actos e das Epístolas, foi a visão de Cristo o que motivou a sua fé. Depois da sua conversão, baptismo e de sua cura milagrosa Paulo começou a predicar aos judeus (Actos, IX, 19-20). Depois se retirou a Arábia, provavelmente à região sul de Damasco. (Ga, I, 17), indubitavelmente mais para meditar as escrituras que para predicar. Em seu retorno a Damasco, as intrigas dos judeus o obrigaram a fugir de noite (II Cor., XI, 32-33; Actos, ix, 23-25). Foi a Jerusalém a ver a Pedro (Ga. 1, 18), mas ficou somente quinze dias porque as ciladas dos gregos ameaçavam a sua vida. A continuação passou a Tarso e lá fica cego por seus anos (Actos, IX, 29-30; Ga, i, 21). Barnabé foi em sua busca e o trouxe a Antioquia donde trabalharam juntos durante um ano com um apostolado frutífero. (Actos, XI, 25-26). Também juntos foram enviados a Jerusalém a levar as esmolas para os irmãos de lá com ocasião do período de fome antecipada por Agabo (Actos, XI, 27-30). Não parecem ter encontrado aos apóstolos aí desta vez, já que se encontravam dispersos por causa da perseguição de Herodes. Este período de doze anos (45 - 57) foi o mais frutífero e activo da sua vida. Compreende três expedições apostólicas das quais Antioquia foi sempre o ponto de partida e que, invariavelmente, terminaram com uma visita a Jerusalém.
(1) Primeira missão (Actos dos apóstolos, xiii, 1-xiv, 27)
Enviado pelo Espírito Santo para a evangelização dos gentios, Barnabé e Saulo embarcaram com destino a Chipre, predicaram na sinagoga de Salamina, cruzaram a ilha de leste a oeste seguindo sem dúvida a costa sul e chegaram a Pafos, residência do pró-cônsul Sérgio Paulo onde uma mudança repentina ocorreu. Depois da conversão do pró-cônsul romano, Saulo, repentinamente convertido em Paulo, é citado por São Lucas antes de Barnabé e assume notavelmente a liderança da missão que até então vinha sendo exercida por Barnabé. Os resultados desta mudança são rápidos e evidentes. Paulo compreende que ao depender Chipre da Síria e Silícia, a ilha inteira seria convertida quando as duas províncias romanas abraçassem a fé de Cristo. Escolheu então a Ásia Menor como campo de seu apostolado e embarcou em Perge de Panfília, onze quilómetros acima do porto de Cestro. Foi quando João Marcos, primo de Barnabé, desanimado talvez pelos ambiciosos projectos do apóstolo, abandonou a expedição e voltou à Jerusalém, enquanto Paulo e Barnabé trabalhavam sozinhos entre as árduas montanhas de Psídia, infestadas de bandidos e atravessaram profundos precipícios. Seu destino era a colónia romana de Antioquia, situada a sete dias de viagem de Perge. Aqui, Paulo falou sobre o destino divino de Israel e do envio providencial do Messias, um discurso que São Lucas reproduz em substância como exemplo de uma predicação na sinagoga. (Actos, XIII, 16-41). A estância dos dois missionários em Antioquia foi longa o bastante para que a palavra do Senhor fosse conhecida através de todo país. (Actos, XIII, 49). Quando os judeus conseguiram com suas intrigas um decreto de desterro, prosseguiram rumo a Icônio, distante três ou quatro dias de viagem, onde encontraram a mesma perseguição de parte dos judeus e a mesma acolhida de parte dos gentios. A hostilidade dos judeus os forçou a buscar refúgio na colónia romana de Listra, há aproximadamente 25 quilómetros de distância. Aqui os judeus armaram ciladas para Paulo e, após apedrejá-lo o deixaram como morto, enquanto ele conseguia uma vez mais escapar buscando desta vez refúgio em Derbe, situada por volta de 60 quilómetros da província da Galácia. Depois de completar seu circuito, os missionários voltaram sobre seus passos para visitar aos novos cristãos, ordenaram alguns sacerdotes em cada uma das Igrejas fundadas por eles e depois voltaram à Perge, onde se detiveram a predicar novamente o Evangelho, enquanto esperavam embarcar a Atalia, um porto a dezoito quilómetros de lá. Ao regressar à Antioquia de Síria, depois de uma ausência que durou três anos, foram recebidos com mostras de gozo e acção de graças porque Deus lhes havia aberto as portas da fé ao mundo dos gentios. O problema do estatuto dos gentios na Igreja começou a sentir-se então em toda sua magnitude. Alguns cristãos de origem judia que vinham de Jerusalém reclamaram que os gentios deveriam ser submetidos à circuncisão e tratados como os judeus tratavam aos prosélitos. Contra esta opinião, Paulo e Barnabé protestaram e se decidiu convocar uma reunião em Jerusalém para resolver o assunto. Nesta assembleia, Paulo e Barnabé representaram a comunidade de Antioquia. Pedro defendeu a liberdade dos gentios, Santiago insistiu no contrário, pedindo ao mesmo tempo que se abstivessem de algumas das coisas que mais horrorizavam aos judeus. Ao fim se decidiu que os gentios estavam isentos da lei de Moisés primeiramente. Em segundo lugar, que os cristãos da Síria e Silícia deveriam abster-se de tudo que fosse sacrificado aos ídolos, do sangue, dos animais e da fornicação. Em terceiro lugar, que sua decisão não era promulgada em virtude da Lei de Moisés mas dada em nome do Espírito Santo, o que significava o triunfo das ideias de São Paulo. A restrição imposta aos gentios convertidos procedentes da Síria e da Silícia não se aplicava às suas Igrejas e Tito, seu companheiro, não foi apremiado a circuncisar-se, apesar dos protestos dos judaizantes (Ga. ii, 3-4). Aqui se assume que Ga 2 e Act 15, relata o mesmo fato posto que, de um lado, os protagonistas são os mesmos Paulo e Barnabé, e por outro Pedro e Tiago; a discussão é a mesma, a questão da circuncisão dos gentios; a cena idêntica à de Antioquia e Jerusalém, e a mesma data: por volta do ano 50 d.C.; e apenas um só resultado: a vitória de Paulo sobre os judaizantes. Entretanto a decisão não saiu adiante sem dificuldades. O assunto não dizia respeito somente aos gentios e, enquanto que estes eram exonerados da Lei de Moisés, se declarava que ao mesmo tempo sería mais meritório e mais perfeito que eles a observassem, dado que o decreto parece ter comprazido aos judeus prosélitos de segunda geração. Além disto os cristãos de origem judia, não haviam sido incluídos no veredicto, podiam seguir sendo considerados como ligados devido à observância da lei. Esta foi a origem da disputa que surgiu imediatamente depois em Antioquia entre Pedro e Paulo. Este último ensinou abertamente que a lei tinha sido abolida para os próprios judeus. Pedro não pensava de outro modo, porém considerou oportuno evitar a ofensa aos judaizantes e assim impedi-los que comessem com os gentios que não observassem a as cláusulas da lei. Assim, influenciou moralmente aos gentios a viver como viviam os judeus, Paulo fez ver que esta restrição mental e este oportunismo preparavam o caminho de futuros mal-entendidos e conflitos, e que, inclusive, tinha então, e teria nefastas consequências. Sua forma de relatar estes incidentes não deixa a menor dúvida de que Pedro foi persuadido por seus argumentos. (Ga, II, 11-20).
(2) Segunda missão (Actos, xv, 36-xviii, 22)
O princípio da segunda missão se caracterizou por uma discussão a propósito de Marcos, que Paulo rechaçou como companheiro de viagem. Assim pois, Barnabé partiu com Marcos de Chipre e Paulo escolheu a Silas ou Silvano, um cidadão romano como ele e membro influente da Igreja de Jerusalém, e partiu para Antioquia a fim de levar o decreto do conselho apostólico. Os dois missionários foram primeiro de Antioquia a Tarso, com um alto no caminho para promulgar o decreto do primeiro Concílio de Jerusalém, e logo foram de Tarso a Derbe através das portas da Silícia, dos desfiladeiros de Tarso e das planícies de Licaônia. A visita às igrejas fundadas na primeira missão se realizou sem incidentes se não é a propósito da eleição de Timóteo, que os apóstolos em Listra persuadiram para que se circunsisassem para melhor chegar às colónias de judeus, abundantes nesta área. Foi provavelmente em Antioquia de Psídia, por mais que os Actos não mencionem tal lugar, onde o itinerário da missão foi mudado pela intervenção do Espírito Santo. Paulo pensou em entrar na província da Ásia pelo vale de Meandro, o qual permitiria um só dia de viagem, e no entanto, passaram através da Frígia e da Galácia pois o Espírito proibiu-lhes de predicar a palavra de Deus na Ásia (Actos, XVI, 6). Estas palavras (ten phrygian kai Galatiken choran) podem ser interpretadas de diversas maneiras, dependendo se faz referência aos Gálatas do norte ou do sul (veja GÁLATAS). Seja como for, os missionários tiveram que viajar até o norte na região da Galácia chamada assim em propriedade e cuja capital era Pesinonte, e a única questão pendente era se predicavam aí ou não. Não pensavam em fazê-lo embora saibamos que a evangelização dos Gálatas foi devida a um acidente, o da doença de São Paulo (Ga, IV, 13); o que encaixa muito bem se nos referimos aos gálatas do norte. Em todo caso, os missionários depois de alcançar a Misia Superior (kata Mysian), tentaram chegar à rica província de Bitinia, que se extendia diante deles mas o Espírito Santo os impediu (Actos, XVI, 7). Assim atravessaram Misia sem parar para predicar (parelthontes) e chegaram à Alexandria de Trôade, onde a vontade de Deus lhes foi revelada pela visão de um macedónio que os chamava pedindo auxílio para seu país. Paulo continuou a utilizar sobre solo europeu os métodos de predicação que tinha utilizado desde o princípio. Até onde foi possível concentrou seus esforços em metrópoles desde as quais a fé se estenderia até cidades de menos destaque e, finalmente às áreas rurais. Onde encontrava uma sinagoga, começava a predicar nela aos judeus e aos prosélitos que estavam dispostos a escutá-lo. Quando a ruptura com os judeus era irreparável, o que ocorreria más cedo ou mais tarde, fundava uma nova igreja com seus neófitos como núcleo. Permanecia então na mesma cidade a não ser que uma perseguição se desatasse, normalmente por causa das intrigas dos judeus. Existiam, entretanto, algumas variantes do plano. Em Filipo, onde não havia sinagoga, a primeira prédica ocorreu em um posto chamado proseuche o que fez com que os gentios tomassem o fato como motivo de perseguição. Paulo e Silas, acusados de alterar a ordem pública, receberam golpes de paus, foram jogados em uma prisão e logo exilados. Porém em Tessalónica, e Beréia, onde se refugiaram depois de estar em Filipo, as coisas saíram conforme o plano previsto. O apostolado de Atenas foi absolutamente excepcional. Aqui não havia o problema dos judeus ou da sinagoga, e Paulo, em contra do seu costume, estava só. (I Thes., III, 1). Pronunciou um discurso diante do areópago do qual se conserva um resumo nos Actos dos Apóstolos (xvii, 23-31) como modelo em seu género. Parece ter deixado a cidade de grado, sem ter sido forçado por causa de uma perseguição. A missão de Corinto, por outro lado, pode ser considerada como típica. Paulo predicou na sinagoga todos os sábados e quando a oposição violenta dos judeus atentaram contra ele em vão; foi capaz de resistir graças à atitude, pelo menos imparcial, do pró-cônsul Gálio. Finalmente, decidiu ir-se a Jerusalém de acordo com um voto feito talvez em um momento de perigo. Desde Jerusalém, de acordo com seu costume, voltou à Antioquia. As duas epístolas aos tessalonicenses se escreveram durante os primeiros meses da estadia em Corinto. Veja TESSALONICENSES.
(3) TERCEIRA missão (Actos, xviii, 23-xxi,26)
O destino da terceira viagem de Paulo foi evidentemente Éfeso, onde Aquila e Priscila o esperavam. Ele tinha prometido aos efésios voltar para evangelizá-los si tal fosse a vontade de Deus (Actos, XVIII, 19-21) e o Espírito Santo não se opôs mais à sua entrada em Ásia. Assim, depois de uma breve visita a Antioquia foi-se através da Galácia e da Frígia (Actos, XVIII, 23) e passando através das regiões da "Ásia Central" chegou à Éfeso (XIX, 1). Sua maneira de proceder permaneceu intacta. Para prover seu sustento e não ser uma carga para os fiéis, teceu todos os dias durante muitas horas muitas tendas, o que não o impediu de predicar o Evangelho. Como de costume, começou na sinagoga onde teve êxito durante os primeiros meses. Depois ensinou diariamente em uma sala colocada à sua disposição por um tal Tirano "desde a hora quinta até a décima" (das onze da manhã às quatro da tarde) de acordo com a tradição interessante do "Codex Bezaar"(Actos, XIX, 9). Assim viveu dois anos de tal forma que os habitantes da Ásia, judeus e gregos, ouviram a palavra de Deus. (Actos, XIX, 20). Claro que houveram provações e obstáculos que superar. Alguns destes obstáculos surgiram da inveja dos judeus, que tentaram inutilmente imitar os exorcismos de Paulo, outros vinham da superstição dos pagãos, particularmente acentuada em Éfeso. Entretanto, triunfou de modo tão claro que os livros de superstição que foram queimados tinham o valor de 50.000 moedas de prata (uma moeda correspondia aproximadamente a um dia de trabalho). Desta vez, a perseguição foi devida aos gentios e por motivos interessados. Os progressos do cristianismo arruinaram a venda das pequenas reproduções do templo de Diana e as da própria deusa, estatuetas muito compradas pelos peregrinos, e um certo Demétrio, a frente dos artesãos, incitou a plebe en contra de São Paulo. São Lucas descreveu com realismo e emoção a cena, levada em seguida ao teatro. (Actos, XIX, 23-40). O apóstolo teve que render-se à tormenta. Depois de uma estância de dois anos e meio, ou talvez mais, em Éfeso (Actos, XX, 31: treitian), partiu para a Macedónia e de lá para Corinto, onde passou o inverno. Sua intenção era de seguir rumo à Jerusalém na primavera, sem dúvida para passar a Páscoa, mas ao saber que os judeus haviam planejado atentar contra sua vida, não lhes deu oportunidade de concretizá-lo por viajar por mar, regressando à Macedónia. Muitos discípulos, divididos em dois grupos, o acompanharam ou o esperaram em Trôade. Entre outros se encontravam Soprater de Beréia, Aristarco e Segundo de Tessalónica, Gayo de Derbe, Timóteo, Tíquico e Trófimo de Ásia e finalmente Lucas, o historiador dos Actos, nos da todos os detalhes da viagem: Filipo, Trôade, Assos, Mitiline, Jíos, Samos, Mileto, Cos, Rodas, Pátara, Tiro, Ptolemaida, Cesaréia e Jerusalém. Poderíamos citar ainda três fatos notáveis: em Trôade Paulo ressuscitou ao jovem Êutico que havia caído da janela de um terceiro piso enquanto Paulo predicava sendo a noite já avançada. Em Mileto pronunciou um discurso emotivo que arrancou as lágrimas aos anciãos de Éfeso. (Actos, XX, 18-38). Em Cesaréia o Espírito Santo antecipa pela boca de Agabo que seria preso, fato que não o fez desistir de ir a Jerusalém. Quatro das maiores epístolas de São Paulo foram escritas durante esta terceira missão: a primeira aos Coríntios desde Éfeso, por volt da Páscoa antes de sua saída da cidade; a segunda aos coríntios desde Macedónia durante o verão ou outono do mesmo ano; aos romanos desde Corinto na primavera seguinte; a data da epístola aos gálatas é objecto de controvérsia. Das muitas questões a propósito da ocasião ou da linguagem das cartas ou da situação dos destinatários das mesmas, veja CORÍNTIOS, EPÍSTOLA AOS; GÁLATAS, ESPÍSTOLA AOS; ROMANOS, EPÍSTOLA AOS. Quando os judeus acusaram em falso a Paulo de ter introduzido no templo os gentios, a multidão maltratou a Paulo, e, coberto de correntes, o jurista Lisias o mandou à prisão da fortaleza Antónia. Quando ele soube que os judeus haviam conspirado para matar ao prisioneiro, o enviou sob forte escolta à Cesaréia, que era a residência do procurador Félix. Paulo não teve dificuldades para esclarecer as contradições dos que o acusavam mas, ao negar-se a comprar sua liberdade, Félix o manteve algemado durante dois anos e inclusive o jogou na prisão para dar gosto aos judeus em espera do seu sucessor, o procurador Festo. O novo governador quis enviar o prisioneiro à Jerusalém para que fosse julgado na presença dos seus acusadores, porém Paulo, que conhecia perfeitamente as artimanhas dos seus inimigos, apelou a César. Em consequência, esta causa só podia ser despachada em Roma. Este período de cativeiro se caracteriza por cinco discursos do Apóstolo: o primeiro foi pronunciado em hebreu nas escadas da fortaleza Antónia ante uma ameaçadora multidão; Paulo relatou sua vocação e sua conversão ao apostolado, porém foi interrompido pelos gritos hostis da multidão (Actos, XXII, 1-22). No segundo, ao dia seguinte ante o sinédrio reunido sob a presidência de Lisias, o apóstolo dissuadiu habilmente os fariseus contra os saduceus e não se pôde levar adiante nenhuma acusação. O terceiro foi a resposta ao acusador Tértulo em presença do governador Félix; nesta ocasião provou que os fatos não haviam sido manipulados, provando assim sua inocência. (Actos, XXIV, 10-21). O quarto discurso é uma simles explicação resumida da fé cristã ante o governador Festo, o rei Agripa e sua mulher Berenice, repete uma vez mais a história de sua conversão e ficou sem terminar devido às interrupções sarc Ásticas do governador e a atitude irritada do rei (Actos, XXVI). A viagem do prisioneiro Paulo de Cesaréia a Roma foi descrita por São Lucas com vivas cores e uma precisão que não deixam nada a desejar. Podem ser vistos os comentários de Smith, "Voyage and Shipwreck of St. Paul" (1866); Ramsay, "St. Paul the Traveller and Roman Citizen" (London, 1908). O centurião Júlio enviou o prisioneiro Paulo e outros prisioneiros em um navio mercante no qual Lucas e Aristarco pudessem obter passagem. Já que a estação se encontrava distante, a viagem foi lenta e difícil. Passaram pela costa de Síria, Cilícia e Panfília. Em Mira de Lícia os prisioneiros foram transferidos a uma embarcação que se dirigia a Itália, porém uns ventos contrários persistentes os empurraram até um porto de Chipre chamado Bom-Porto, alcançado inclusive com muita dificuldade e Paulo aconselhou que passassem o inverno aí, mas sua opinião foi rejeitada e o barco ficou à deriva sem rumo por quatorze dias terminando nas costas de Malta. Durante os três meses seguintes a navegação foi considerada muito perigosa, assim não saíram do seu lugar, mas com a chegada da primavera se apressaram a prosseguir a viagem. Paulo devia chegar a Roma algum dia de Março. "Ficou dois anos completos em uma casa alugada... predicando o Reino de Deus e a fé em Jesus Cristo com toda confiança, sem proibição" (Actos, XXVIII, 30-31). E, com estas palavras, conclui o livro dos Actos dos Apóstolos. Não cabe dúvida de que São Paulo terminou sendo absolvido em seu julgamento; já que (1) o informe do governador Festo, assim como o do centurião foram favoráveis; e que (2) os judeus parecem ter abandonado a acusação posto que seus partidários não pareciam estar informados (Actos, XXVIII, 21); e que (3) o rumo tomado pelo procedimento judicial lhe deixou alguns períodos de libertade, dos que falou como coisa certa (Fil, I, 25; II, 24; Philem., 22); e que (4) as cartas pastorais (supondo que sejam autênticas) implicam um período de actividade de Paulo seguido da sua prisão. E se chega à mesma conclusão na hipótese segundo a qual não são autênticas, já que todas elas coincidem em que o autor conhecia bem a vida do apóstolo. Unanimemente se aceita que as "epístolas do cativeiro" foram enviadas desde Roma. Alguns autores tentaram provar que São Paulo as escreveu durante sua detenção em Cesaréia, mas poucos autores os seguiram. A epístola aos colossenses, aos efésios e a Filemon foram enviadas juntas e utilizando o mesmo mensageiro: Tíquico. É controverso se a epístola aos filipenses foi anterior ou posterior a estas últimas e a questão não foi jamais resolvida com argumentos incontrovertíveis (ver FILIPENSSES, EPÍSTOLA A LOS; EFÉSIOS, EPÍSTOLA A LOS; COLOSSENSES, EPÍSTOLA A LOS; FILEMON, EPÍSTOLA A). Dado que este período carece da documentação dos Actos, está envolvido na mais completa obscuridade; nossas únicas fontes são algumas tradições dispersas e as citas dispersas das epístolas. Paulo quis passar pela Espanha desde muito tempo antes (Rom., XV, 24, 28) e não há provas de que mudaria seu plano. Já no fim do seu cativeiro, quando anuncia sua chegada a Filemon (22) e aos Filipenses (II, 23-24), não parece considerar esta visita como iminente, dado que compromete aos filipenses enviar-lhes um mensageiro quando esteja concluído o seu julgamento e, portanto, ele preparava outra viagem antes do seu retorno ao oriente. Sem necessidade de citar os testemunhos de São Cirilo de Jerusalém, São Epifânio, São Jerónimo, São Crisóstomo e Teodoreto diremos finalmente que el testemunho de São Clemente de Roma, bem conhecido, o testemunho do "Canon Muratorio", e a "Acta Pauli" fazem mais que provável a viagem de Paulo à Espanha. Em todo caso não pôde permanecer muito tempo por lá, devido à sua pressa por visitar outras Igrejas do leste. Pôde entretanto voltar à Espanha através da Gália, como pensaram alguns padres, e não à Galácia, aonde Crescêncio foi enviado mais tarde. (II Tim., IV, 10). É verosímil que, depois, chegaria a cumprir sua promessa de visitar seu amigo Filemon e que, em tal ocasião, visitaria as Igrejas do vale de Licaônia, Laodicéia, Colossos, e Hierápolis. A partir deste momento o itinerário se torna sumamente incerto por mais que os seguintes acontecimentos parecem estar indicados nas epístolas pastorais: Paulo permaneceu em Creto o tempo necessário para fundar novas Igrejas, cujo cuidado e organização deixou nas mãos do seu colega Tito (Tit., I, 5). Foi depois a Éfeso e rogou a Timóteo, que já estava lá, que permaneceria aí até seu regresso enquanto Paulo se dirigia à Macedónia (I Tim., I, 3). Nesta ocasião visitou, como havia prometido, aos filipenses (Fil., II, 24), e, naturalmente, também passou a ver os tessalonicenses. A carta a Tito e a primeira epístola a Timóteo devem datar deste período; parece que foram escritas ao mesmo tempo aproximadamente, pouco depois de ter deixado a Éfeso. A questão é saber se foram enviadas desde Macedónia ou desde Corinto, como parece ser mais provável. O Apóstolo instrui a Tito para que se reúna com ele em Nicópolis de Epiro donde pensa passar o verão (Titus, III, 12). Na primavera seguinte deve ter cumprido seu plano de volta a Ásia (I Tim, III, 14-15). Aqui ocorreu o obscuro episódio da sua prisão, que provavelmente ocorreu em Trôade; isso explicaria o fato de ter deixado uns livros e roupas que necessitou depois (II Tim., ib, 13). De lá foi a Éfeso, capital da província de Ásia, onde o abandonaram todos aqueles que ele pensava que lhe haviam sido fiéis (II Tim., I, 15). Enviado a Roma para ser julgado, deixou a Trófimo doente em Mileto e a Erasto, outro dos seus companheiros, que permaneceram em Corinto por razões nunca esclarecidas (II Tim., IV, 20). Quando Paulo escreveu sua segunda epístola a Timóteo desde Roma, acreditava que toda esperança humana estava perdida (IV, 6).; nela pede a seu discípulo que venha ver-lhe o mais rápido possível, porque estava apenas com Lucas. Não sabemos se Timóteo foi capaz de ir a Roma antes da morte do Apóstolo. Uma antiga tradição torna possível estabelecer os seguintes pontos: (1) Paulo sofreu o martírio cerca a Roma na praça chamada Aquae Salviae (hoje Piazza Tre Fontane), um pouco ao oeste da Via Ostia, cerca de três quilómetros da esplêndida basílica de São Paulo Extra Muros, lugar onde foi enterrado. (2) O martírio ocorreu no fim do reinado de Nero, no décimo segundo ano (São Epifânio), no décimo terceiro (Eutalio), ou no décimo quarto (São Jerónimo). (3) De acordo com a opinião mais comum, Paulo sofreu o martírio no mesmo dia do mesmo ano que Pedro; alguns padres latinos disputam se foi o mesmo dia mas não do mesmo ano; a testemunha más antiga, São Dionísio o Corinto, disse somente Kata ton auton Kairon, o que pode ser traduzido por "ao mesmo tempo" ou "aproximadamente ao mesmo tempo". (4) Durante tempo imemorável, a solenidade dos apóstolos Pedro e Paulo se celebra no dia 29 de Junho, que é o aniversário, seja da morte, seja do traslado de suas relíquias. O Papa ia antigamente com seus acompanhantes a São Paulo Extra Muros depois de celebrar em São Pedro, ainda que a distância entre as duas basílicas (aprox. oito quilómetros) fazia a cerimónia cansativa, particularmente nesta época do ano. Assim surgiu o costume de transferir ao dia seguinte (30 de Junho) a comemoração de São Paulo. A festa da conversão de São Paulo (25 de Janeiro) tem origem comparativamente recente. Há razões para crer que este dia foi celebrado para marcar o traslado das relíquias de São Paulo a Roma, posto que assim aparece no Martirologio Hieronimiano. Esta festa é desconhecida na igreja grega (Dowden, "The Church Year and Kalendar", Cambridge, 1910, 69; cf. Duchesne, "Origines du culte chrétien", Paris 198, 265-72; McClure, "Christian Workship", London, 1903, 277-81). De Eusébio sabemos (Hist. Eccl, VII, 18) que, incluso no seu tempo, havia representações de Cristo com os apóstolos Pedro e Paulo. A aparência de São Paulo, se conservou em três monumentos antigos: (1) Um díptico que do primeiro século (Lewin, "The Life and Epistles of St. Paul", 1874, frontspiece of Vol. I and Vol. II, 210). (2) Um amplo medalhão encontrado no cemitério de Domitila e que representa aos apóstolos Pedro e Paulo (Op. Cit., II, 411). (3) Um prato de cristal no Museu Britânico com os mesmos apóstolos (Farrara, "Life and Work of St. Paul", 1891, 896). Também temos duas descrições concordantes nos "Actos de Paulo e Telea" pseudo Luciano de Filópatris de Malalas (Chronogr., X), e no Nicéforo (Hist. Eccl, III, 37). Paulo era de baixa estatura; o pseudo Crisóstomo o chama o homem dos três cotovelos (antropos tripechys); tinha as costas largas, um pouco calvo, de nariz ligeiramente aquilino, sobrancelhas corridas, barba grossa e grisalha, porte harmonioso e maneiras agradáveis e afáveis. Sofria de uma enfermidade difícil de diagnosticar (cf. Menzies, "St Paul's Infirmity" no "Exposity Times", July and Sept., 1904), mas apesar dessa doença dolorosa e humilhante ( II Cor., XII, 7-9; Gal., IV 13-14) e de que sua presença não era imponente (II Cor., X, 10), Paulo possuiu sem dúvida uma resistência física fora do comum que só ele pôde suportar seus trabalhos sobre humanos (II Cor., XI, 23-29). O pseudo Crisóstomo "In princip. Apóstol. Petrum et Paulum" (in P. G.., LIX, 494-95), pensa que morreu à idade de sessenta e oito anos depois de haver servido ao Senhor trinta e cinco.
O retrato moral é algo mais difícil de esboçar, tão cheio de contrastes. Seus elementos podem ser encontrados em Lewin, Op. Cit., II XI, 410-35(Paul's Person end Character); em Farrar, Op. Cit., Appendix, Excursus I; e especialmente em Newman, "Sermons preached on Various Occasions", vii, viii.
Arcebispo Primaz Katholikos
S.B. Dom ++ Paulo Jorge de Laureano – Vieira y Saragoça
(Mar Alexander I da Hispânea)
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